Prioridades para a Saúde nas Legislativas 2025: Propostas de Pedro Pita Barros

04/27/2025
Pedro Pita Barros, especialista em economia da saúde e professor da Nova School of Business and Economics (Nova SBE), propõe para as legislativas de 18 de maio um reforço do SNS, valorização dos profissionais, aposta nos cuidados primários e continuados, redução dos pagamentos diretos das famílias, estabilidade na gestão das ULS e consensos na saúde oral e mental, destacando a necessidade de medidas concretas e transversais

A análise dos programas eleitorais disponíveis  dos principais partidos portugueses para as legislativas de 2025 – Partido Social Democrata (PSD)/Coligação AD, Partido Socialista (PS), Iniciativa Liberal (IL), Bloco de Esquerda (BE), Partido Comunista Português (PCP), e Livre – revela a presença de elementos comuns, mas também divergências importantes, embora sem grandes novidades face aos programas das eleições do ano passado. A partir destes elementos, é possível pensar num caderno de encargos para o próximo Governo que tenha em conta a realidade política necessária para a sua concretização.

O que aproxima os vários programas: Há um reconhecimento maioritário da necessidade de reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar de diferentes perspetivas ideológicas, existe a perceção de que é preciso melhorar o financiamento, as condições de trabalho e a capacidade de resposta do SNS. Também há consenso na necessidade de valorizar os profissionais de saúde, seja através da revisão de carreiras, melhoria salarial ou criação de incentivos. O reforço dos cuidados de saúde primários e dos cuidados continuados é outro ponto de consenso: todos reconhecem que é fundamental para aliviar a pressão sobre as urgências hospitalares e para garantir uma resposta de proximidade e qualidade. Por fim, a importância da prevenção e da promoção da sáude atravessa todos os programas, ainda que com pesos e formulações diferentes. São todos elementos a incluir nas preocupações do próximo Governo. A dificuldade estará na identificação de medidas concretas, e não no reconhecimento da importância do problema.

Uma nota de diferença é introduzida pela proposta da Iniciativa Liberal de um sistema de financiamento diferente do SNS, o Sistema Universal de Acesso à Saúde (SUA-Saúde), um modelo onde o financiamento é público, mas o utente pode escolher livremente entre prestadores públicos, privados ou sociais. Ou seja, um novo sistema baseado em várias entidades com o papel de estabelecer as redes de prestação de cuidados de saúde, que seriam financiadas por um seguro público global baseado em impostos (no prática, uma forma diferente de reorganizar como as verbas que atualmente vão para o SNS via transferência do Orçamento do Estado seriam usadas). Não é claro que seja um modelo que gere maior aceitação social que o atual SNS. É relativamente claro que muito provavelmente a nova distribuição de deputados na Assembleia da República continue a dar apoio maioritário ao Serviço Nacional de Saúde na sua presente configuração. Aqui, a minha sugestão para o caderno de encargos do próximo Parlamento é dar atenção a como reduzir os elevados pagamentos diretos da população no utilização de cuidados de saúde (isto é, pagamentos que as famílias fazem diretamente a prestadores de cuidados de saúde).

Ainda assim, há consenso suficiente em várias áreas para que se possam tomar medidas que recolham apoio parlamentar suficiente, qualquer que venha a ser a configuração da Assembleia da República saída das eleições do próximo mês.

As principais divergências surgem quando se discute o papel do setor privado. Sem surpresa, BE, PCP e Livre defendem um SNS exclusivamente público, sem parcerias ou contratualizações com privados. O PS admite a cooperação supletiva, regulada e controlada. PSD e IL vêem o setor privado e social como complementares e parte importante da resposta às necessidades de cuidados de saúde da população.

A forma como se encara a gestão dos profissionais é também distinta: enquanto BE, PCP e Livre apostam em progressão automática nas carreiras e valorização salarial fixa, a IL defende a remuneração baseada em produtividade e resultados, e o PS procura equilibrar estabilidade com algum incentivo ao desempenho. O PSD tem uma posição menos explicitada, embora seja normalmente próxima das ideias de flexibilidade de gestão e remuneração de acordo com o desempenho. O principal desafio é dotar o Serviço Nacional de Saúde de capacidade técnica para definir novas formas de relacionamento com os seus profissionais de saúde. Não será fácil fazê-lo dado que apesar de ser uma preocupação comum, os pontos de contacto das abordagens dos vários partidos não são muitos.

Um exemplo destas várias tensões e visões é o reconhecimento generalizado da importância de intervir na saúde oral, garantindo um acesso efetivo a dentistas. A forma de o fazer difere entre os partidos, em que para uns tem de ser por via de desenvolvimento da capacidade do SNS (como evitar que falhe essa proposta, como já sucedeu no passado), para outros parece ser admissível o recurso à capacidade do sector privado (embora o sistema de vouchers atualmente existente tenha de ser alargado e simplificado burocraticamente). Havendo um objetivo comum, será útil um esforço de encontrar uma forma de concretizar a cobertura por uma rede de saúde oral, tendo os partidos políticos a oportunidade de criar uma solução. A criação de uma rede de saúde oral deverá fazer parte do caderno de encargos do próximo Governo.

Da mesma forma, na saúde mental, há um consenso grande sobre a sua relevância. A operacionalização das várias ideias apresentadas deverá conseguir encontrar aspetos comuns e de acordo, assim a luta política procure o bem comum. É mais um elemento para o caderno de encargos do próximo Governo.

No papel das Unidades Locais de Saúde (ULS), é menos claro como cada partido se situa, havendo quem esteja pelo seu desenvolvimento (PS) enquanto os outros partidos pouco explicitam além de uma preocupação com uma melhor gestão. Nesta linha, deverá ser preocupação fundamental garantir estabilidade de gestão das ULS, ainda que possam e devam ser introduzidas melhorias nos instrumentos de gestão. Também aqui não parece complicado encontrar uma plataforma de entendimento que se sobreponha à luta partidária.

Curiosamente, o tema financeiro, traduzido no permanente problema dos pagamentos em atraso, e dos reforços financeiros anuais em novembro ou dezembro, não recebe atenção. Tal como a área do medicamento, de eventual revisão de comparticipações, ou de introdução de novos medicamentos, não tem atenção. Como são problemas resolvidos no sistema de saúde português, a a sua ausência deve-se provavelmente à falta da sua visibilidade na opinião pública ou à ausência de ideias concretas.

A saúde surge nestas eleições como uma área com consensos, mas também com diferenças substanciais, sobretudo no papel da liberdade de escolha, e do sector privado para efetivar essa liberdade de escolha, tendo como contraponto proteger a esfera pública de forma praticamente exclusiva.

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