Estado “não pode ignorar” problemas ligados ao tráfico da canábis

25 de Setembro 2021

O ex-diretor-geral da Saúde Francisco George considera que o Estado “não pode ignorar” os problemas ligados ao tráfico da canábis, reiterando que a regulação da sua venda será uma medida boa para o consumidor e má para os traficantes.

Em entrevista à agência Lusa na sede da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP), instituição a que preside desde outubro de 2017, Francisco George explica porque subscreveu uma carta aberta ao parlamento, assinada recentemente por mais de 60 personalidades, que defende a regulação da canábis e propõe que a legislação defina a idade mínima para consumo, regras para cultivo e produção e crie um imposto especial

“As medidas propostas por este grupo são boas para a saúde pública, são boas para a saúde de cada consumidor e são más para os traficantes”, diz o médico especialista em saúde pública, que deixou o cargo de diretor-geral da Saúde em 2017, por limite de idade, ao fim de 12 anos ao comando da Direção-Geral da Saúde (DGS).

Mas as propostas não pretendem um comércio livre desta substância, diz Francisco George, numa altura em que a legalização da canábis está em discussão na comissão parlamentar de Saúde, com projetos de lei apresentados pelo Bloco de Esquerda e pela Iniciativa Liberal.

As propostas são no sentido da “legalização do comércio, do comércio controlado, do comércio regulado e regulamentado da canábis, para evitar que o consumo tenha o seu início na aquisição ilícita, em clandestinidade”, argumenta Francisco George, que é autor e coautor de diversos artigos científicos publicados e de documentos sobre identificação, prevenção e controlo de riscos para a saúde pública.

Dados de um estudo sobre comportamentos aditivos aos 18 anos do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) mostram um aumento gradual do consumo recente de canábis pelos jovens, que se situava nos 22,6% em 2015, um valor que subiu para 23,8% no ano seguinte, para 25,3% em 2017 e para 26,7% em 2018.

Na população em geral, o último inquérito nacional do consumo de substância psicoativas do SICAD, realizado em 2016/17, apontava para que um em cada dez portugueses já tinha consumido canábis pelo menos uma vez na vida, sendo que quase meio milhão consomem esta droga ao longo da vida.

Na entrevista no Palácio Conde d´Óbidos, sede da CVP, Francisco George alerta também para o aumento da perigosidade destas substâncias em termos de “efeitos eufóricos, dos psicotrópicos que contêm”, sublinhando que “o Estado não pode ignorar que este problema existe”.

Para o antigo diretor-geral da Saúde, que foi sucedido no cargo por Graça Freitas, a legalização “só faz mal aos traficantes”.

De resto, salienta, “faz bem a todos os portugueses”, até em termos de saúde pública, porque os montantes arrecadados pelo Fisco, uma vez que a atividade passa a ser tributada, serão canalizados para projetos de prevenção e de informação ao público.

Por outro lado, combate-se o “mundo clandestino” para dar lugar ao “mundo da legalidade”.

“Uma coisa é um pagamento rápido ao traficante. ‘Toma lá estes 20 euros, dá cá a substância, que eu espero que esteja aí tudo bem’, e rapidamente foge um e foge o outro. Outra coisa é um atendedor fornecer a mesma substância e explicar ao consumidor que pode procurar serviços de apoio, centros de saúde, que não deve abusar e que tem de ter uma idade adequada para poder consumir”, elucida.

Perante esta realidade, Francisco George diz que não é difícil de compreender qual é “a melhor equação”: Estar “no mundo da traficância” ou estar “no mundo baseado na informação, na pedagogia e sem medo do consumidor e sem medo de quem fornece”.

LUSA/HN

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