“A angústia é porque os portugueses que passavam obrigatoriamente por aqui e compravam coisas antes de entrar em Portugal agora já não precisam de o fazer”, disse à agência Lusa Susana Pérez, vice-presidente da câmara municipal de Fuentes de Oñoro (Fontes de Onor), a povoação que está do outro lado da fronteira em Vilar Formoso.
Em 22 de dezembro de 2021, com poucos emigrantes portugueses a arriscarem vir passar o Natal a Portugal, devido à pandemia da Covid-19, foi inaugurado o troço final de 3,5 km da A25, entre Vilar Formoso e a fronteira, enquanto do lado espanhol entrou ao serviço o troço de 3,2 km da A-62, possibilitando a ligação rodoviária de Portugal à Europa integralmente em perfil de autoestrada.
Susana Pérez explica que “ainda não se sabe muito bem o que vai acontecer”, porque com a pandemia houve uma diminuição significativa do tráfego que agora vai ser retomado.
Fontes de Onor faz parte da chamada Espanha “vazia”, “esvaziada ou esquecida”, mas durante anos resistiu à fuga dos jovens para outros lugares, tendo passado de cerca de 1.300 habitantes há 10 anos para cerca de 1.100 neste momento.
A diminuição da população nos municípios à volta tem sido muito maior, mas a pequena povoação poderá ir pelo mesmo caminho agora, se não houver necessidade de tantos comércios abertos.
“Temos de ver o que vai acontecer na Semana Santa [Páscoa], quando o fluxo de passagens se normalizar”, mas a “número dois” da autarquia espanhola está pessimista.
Susana Pérez recorda que até ao início de 2020, principalmente em agosto de cada ano, passavam diariamente milhares de automóveis com emigrantes portugueses na Europa e muitos deles, antes de entrar em Portugal, iam abastecer-se ao supermercado e enchiam o depósito de gasolina, muito mais barata do que no outro lado da fronteira.
De acordo com a autarca, os portugueses que vivem na Raia e que vêm ao supermercado, encher o depósito e comprar botijas de gás não deverão compensar a perda dos que agora vão passar na nova autoestrada, sem pararem.
O dono de um café junto à antiga alfândega afirma estar “muito preocupado”, mas prefere ser otimista e aponta “vários fatores” para que a povoação continue a ser um ponto de referência para os serviços de trânsito de veículos e viajantes na sua passagem para Portugal e deste país para Espanha e o resto da Europa.
António Garcia sublinha que os combustíveis são mais baratos do que em Portugal, preços que se mantêm há décadas e que são uma das razões para parar neste município, antes de passar para o país vizinho, com estações de serviço abertas 24 horas por dia. Assinala ainda que os empresários e empregados “têm vocação e vasta experiência” no fornecimento de serviços aos transeuntes.
Fontes de Onor poderá ser mais uma entre as muitas povoações de onde os jovens fogem para as grandes cidades e para o estrangeiro em busca de trabalho e de novas oportunidades, provocando a desertificação demográfica da maior parte do território espanhol.
Mas este fenómeno, que começou nos anos 50 do século passado, também existe do outro lado da fronteira, em Portugal, em toda a zona que é conhecida como a Raia.
Um pouco por todo o lado, os poderes públicos e outras entidades tentam contrariar o despovoamento, mas ainda não encontraram a fórmula para resolver o problema.
Numa pequena povoação 30 km a norte de Fontes de Onor e a algumas centenas de metros da fronteira portuguesa, em Bouça (La Bouza, em espanhol), vários habitantes tentam organizar-se para tentar trazer novos habitantes para a zona.
A pequena povoação tem agora cerca de 40 habitantes, quando nos anos 60 do século passado tinha cerca de 200, existindo muitas casas abandonadas ou em ruína.
“Com a pandemia [da Covid-19] houve gente da cidade que mostrou vontade de se instalar no campo e tentámos aproveitar essa oportunidade”, explica à Lusa Vicenta Álvarez Maldonado, uma habitante que já há alguns anos regressou à aldeia e agora lidera o projeto “Põe o Chapéu” (“Ponte el Sombrero” em espanhol).
O grupo de amigos quer trazer forasteiros para conhecerem “estas terras e as suas gentes”, para que mais tarde, se gostarem da experiência, se possam instalar definitivamente na região, “abandonando o chapéu” que os ajudou a aproximar-se da Espanha esquecida.
O grupo começou por comprar casas em mau estado, algumas em ruínas, remodelando-as e vendendo a pessoas de fora.
“O problema foi que, apesar de termos vendido algumas casas, as pessoas não ficavam aqui, preferindo guardá-las para vir passar o fim de semana, de tempos a tempos, ou as férias”, explicou Vicenta Álvarez Maldonado.
A estratégia agora mudou, e a associação, em vez de comprar para vender em seguida, tenta agora convencer os proprietários que querem vender as casas a começarem por as alugar e “depois logo se vê”.
“Acho que as pessoas precisam de tempo para decidir e que é melhor primeiro alugarem uma casa, por exemplo para teletrabalhar, e depois, com calma, logo decidem se querem comprar para se instalarem de forma definitiva”, sublinhou Alvarez Maldonado.
A líder do projeto “Põe o Chapéu” afirma estar “farta” de se deslocar à sede da província para reuniões em que se fala em dinheiros públicos e europeus para distribuir na Espanha esvaziada e que acabam por não cumprir os seus objetivos.
“O dinheiro tem sido mal gasto, em projetos que não têm resultados, quando o importante é trazer pessoas para estes locais”, afirmou Vicenta Alvarez Maldonado.
A associação também promove encontros no meio do campo de pessoas da região, algumas delas de Portugal, para discutir estes problemas e apresentar novas ideias.
LUSA/HN
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