Exposição à poluição do ar aumenta o risco de demência? Estudos indicam que há uma relação

17 de Agosto 2022

A Organização Mundial de Saúde (OMS) identifica mais de 55 milhões de pessoas a viver com demência no mundo, sendo diagnosticadas, todos os anos, perto de 10 milhões novos casos. O aumento de incidência desta síndrome tem levantado muitas questões, principalmente sobre qual o impacto da exposição prolongada a altas concentrações de poluição no risco de desenvolver demência e Alzheimer. Mas será que há evidência científica que comprove esta relação?

O impacto da poluição ambiental no risco de desenvolver demência e Alzheimer tem vindo a ser estudado em vários pontos do mundo. Recentemente, foram publicados três estudos científicos que sugerem existir uma relação entre a exposição contínua à poluição do ar e o aparecimento de danos cognitivos, demência ou doença de Alzheimer.

O primeiro estudo, que resultou de uma parceria entre investigadores chineses e norte-americanos, analisou dados recolhidos na China e identificou uma relação entre a exposição prolongada à poluição ambiental e uma baixa performance em testes verbais e matemáticos.

Já no segundo estudo, os cientistas acompanharam, de 2005 a 2013, um grupo de 130.978 adultos, entre 50 e 79 anos, em 75 clínicas médicas localizadas na cidade de Londres. Nas conclusões, os autores explicam que os adultos que vivem em contacto com uma concentração de poluição atmosférica anual mais elevada têm 1,4 vezes maior risco de desenvolver demência. Identificaram ainda que esta associação é maior nos pacientes que foram diagnosticados com Alzheimer.

Por último, um estudo que foi publicado em 2020 analisou a capacidade cognitiva de 998 mulheres norte-americanas, entre os 73 e os 87 anos, recorrendo a testes e ressonâncias magnéticas. Os investigadores – incluindo cientistas da Universidade da Califórnia do Sul e da Faculdade de Medicina de Harvard – descobriram que as mulheres que estiveram expostas a concentrações mais elevadas de poluição ambiental mostraram um maior declínio na aprendizagem de uma lista de palavras. Encontraram também uma atrofia das áreas do cérebro que, tipicamente, diminuem em situações de doença de Alzheimer.

Uma das principais razões que pode estar na origem do aparecimento de dano cognitivo é a elevada concentração de partículas de pequena dimensão – as chamadas PM2,5, por terem geralmente um diâmetro inferior a 2,5 micrómetros, ou seja 40 vezes o diâmetro de um cabelo humano. Estas partículas estão entre os componentes poluentes e, devido à sua pequena dimensão, podem ser inaladas profundamente pelos indivíduos, chegando à corrente sanguínea. As PM2,5 estão na origem de vários problemas de saúde, em particular ao nível do sistema respiratório.

No entanto, é importante frisar que os estudos identificaram uma relação entre a exposição à poluição do ar e o aumento do risco de desenvolver demência, o que não significa que esteja comprovado que a poluição cause demência ou Alzheimer. São necessários mais estudos para comprovar se existe ou não uma relação de causa-efeito. É precisamente esse alerta que deixa a Sociedade britânica para o Alzheimer: “Uma ligação direta entre a poluição e a doença de Alzheimer não foi encontrada, no entanto existem muitas questões que continuam sem resposta.”

A organização identifica um estudo realizado no Canadá, e publicado em 2016, como sendo uma das provas mais convincentes para esta “potencial ligação”. Nesta investigação, que analisou 6,6 milhões de pessoas, foi identificado um aumento de 7% no risco de desenvolver demência para as pessoas que viviam perto de estradas de grande afluência, quando comparado com indivíduos que viviam a mais de 300 metros – onde os níveis de PM2,5 no ar são 10 vezes menores. No entanto, o aumento do risco pode também estar relacionado com outros fatores, tais como a poluição sonora e o stress causados pelo elevado trânsito.

Na última edição da Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, realizada em 2021, na cidade norte-americana de Denver e de forma virtual, foram apresentados estudos que concluíram que uma menor concentração de poluição no ar pode reduzir o risco de demência e Alzheimer na população.

Entre as principais descobertas, a Associação de Alzheimer destaca que a redução em 10% os limites estipulados pela Agência norte-americana de Proteção do Ambiente (EPA, na sigla inglesa) de PM2,5 e de poluentes relacionados com o trânsito automóvel poderá estar associada com uma diminuição entre 14 e 26% do risco de demência em mulheres idosas nos Estados Unidos ao fim de 10 anos. Uma conclusão semelhante foi feita entre indivíduos franceses, onde a diminuição da concentração de PM2,5 em 10 anos reduz em 15% o risco de demência e de 17% de doença de Alzheimer.

A Associação de Alzheimer destaca ainda que foi identificada uma associação entre a exposição prolongada aos poluentes do ar e os níveis elevados de beta amiloide no sangue num grupo de indivíduos norte-americanos, o “mostra uma conexão possivelmente biológica entre a qualidade do ar e as alterações físicas do cérebro que definem a doença de Alzheimer”.

Segundo estimativas da Agência Europeia do Ambiente (EEA, na sigla inglesa), “em 2018, aproximadamente 379 mil mortes prematuras foram atribuídas a PM2,5 nos 27 estados-membro da UE e nos Reino Unido”. “O número de mortes prematuras foi reduzido em mais de metade desde 1990”, avança ainda a agência europeia.

O relatório sobre a qualidade do ar na Europa, publicado pela EEA em 2020, conclui que os níveis anuais máximos de PM2,5 “foram ultrapassado em 70% das estações de monitorização”. Num mapa disponibilizado pela agência, Portugal surge com um dos valores mais baixos do número de mortes prematuras por 100 mil habitantes, associadas à poluição do ar. As regiões do Grande Porto, Aveiro e da Grande Lisboa são as que apresentam um valor ligeiramente mais elevado.

A OMS sublinha que se forem cumpridas as metas impostas pelo Acordo de Paris, seria possível “salvar perto cerca de um milhão de vidas por ano a nível mundial até 2050 só pela redução da poluição do ar”.

Texto publicado ao abrigo da parceria entre a plataforma de Fact Checking Viral-Check e o Heathnews.pt

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