Doentes com artite reumatoide pedem fim de portaria que lhes dificulta acesso a medicamentos

2 de Novembro 2022

Os doentes com artrite reumatoide cuja medicação é levantada nas farmácias hospitalares querem ver revogada uma portaria que dizem ter vindo dificultar-lhes o acesso aos medicamentos, obrigando-os a esperar meses e a deslocar-se dezenas de quilómetros.

Conforme explicou à Lusa a presidente da ANDAR – Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatoide, Ardisete Saraiva, esta portaria veio reforçar o papel das comissões de farmácia e terapêutica dos hospitais na “avaliação e decisão do protocolo terapêutico”, acabando por “atrasar o acesso dos doentes aos medicamentos”.

“Um dos doentes, que levanta a sua medicação na farmácia do Hospital Amadora-Sintra, esteve 44 dias sem medicação”, contou a responsável.

A Lusa contactou este doente, que relatou que “tem sido um suplício” conseguir a medicação na farmácia do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra, no distrito de Lisboa), considerando que a burocracia tem dificultado o acesso e que “os doentes com doença crónica não estão a ser respeitados”.

“Da última vez que fui levantar a medicação, já quase nem conseguia apertar os botões da camisa”, contou Manuel Valadas, que sofre de artrite reumatoide e teve de percorrer três hospitais até conseguir encontrar um que tivesse a medicação de que precisava.

A responsável da ANDAR explicou à Lusa que a portaria que pretende ver revogada define que cabe às comissões de farmácia dos hospitais decidir os termos da dispensa dos medicamentos, segundo as regras aplicadas a cada hospital. Isto faz com que cada unidade hospitalar decida o medicamento que dispensa.

“O hospital decide que medicamentos tem disponíveis e o doente é que tem de andar a percorrer quilómetros porque o hospital mais perto de si não tem?”, questionou.

Além disso, acrescentou, as farmácias hospitalares usam a portaria aprovada este ano, assim como uma orientações de junho da Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica (órgão consultivo do Infarmed), para indicar que é ao médico que cabe preencher o registo mínimo – o documento exigido no início do tratamento e que contém informações do doente, da doença e do medicamento que levanta. Até aqui, essa tarefa era dos serviços farmacêuticos.

“A portaria não altera o anexo da portaria anterior que define que a responsabilidade do registo mínimo é dos serviços farmacêuticos e essa orientação é apenas isso, uma orientação, não tem força de lei”, considerou Ardisete Saraiva, para quem esta situação acabou por trazer mais entraves no acesso destes doentes aos medicamentos.

E prosseguiu: “Agora, quando o doente vai à farmácia hospitalar, se não leva o registo mínimo preenchido, muitas vezes não consegue trazer o medicamento.”

No caso de Manuel Valadas, o Hospital Amadora-Sintra sugeriu que fosse visto por outro médico, daquela unidade, para lhe preencher o registo mínimo. Respondeu que não, que só confiava no médico que o seguia e que o doente não tem culpa das burocracias exigidas neste processo.

Ardisete Saraiva contou igualmente que, em muitos casos, o pedido da comparticipação tem de ser avaliado pela comissão de farmácia do hospital, um processo que “demora muito”: “E o doente precisa da medicação, não pode esperar.”

A responsável referiu ainda o caso de um doente que mora em Montemor-o-Novo (distrito de Évora), trabalha em Portalegre e teve de levantar o medicamento à farmácia do hospital de Évora, mas só o conseguiu dois meses depois.

O doente esperou de março a maio e, após esse tempo, só conseguiu trazer uma das duas embalagens prescritas pelo médico.

“O médico acha que o doente apenas deve voltar à consulta dois meses depois e, por isso, passa uma receita com duas embalagens. Mas a farmácia decide entregar apenas uma ao doente, que é obrigado a perder o dia de trabalho e fazer quilómetros para ir levantar a segunda embalagem”, lamentou a representante.

A responsável da ANDAR dá o exemplo de uma outra doente de Sousel (distrito de Portalegre), que foi à consulta de reumatologia no Hospital de Santa Maria, na semana passada. Para evitar uma segunda ida a Lisboa, aproveitou para seguir para a farmácia do hospital.

“Eram 15:00, a farmácia fechava às 16:30 e já não me deixaram entrar, dizendo que estavam já 150 pessoas à espera”, contou à Lusa a doente, Isabel Pinto.

Isabel, que é professora, explicou que teve de faltar dessa vez e que, mesmo assim, não conseguiu levar o medicamento. Pediu ajuda e será a ANDAR a levar-lhe o medicamento a casa. O que ainda tem termina na quinta-feira.

Na semana passada, o ministro Manuel Pizarro anunciou que as farmácias de bairro iam poder distribuir os medicamentos prescritos nos hospitais para tratamento de algumas doenças e fazer a renovação automática da medicação para doentes crónicos prescrita pelo Serviço Nacional de Saúde.

Questionada pela Lusa, Arnisete disse que a medida, quando estiver a funcionar, será uma ajuda e vai facilitar a vida aos doentes, mas insistiu: é preciso ficar salvaguardado que, “nos medicamentos biotecnológicos que as farmácias hospitalares passam a entregar na farmácia comunitária […], o farmacêutico não poderá alterar [a medicação] sem consultar o médico prescritor, para saber se podia fazer essa mudança”.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Projeto IDE: Inclusão e Capacitação na Gestão da Diabetes Tipo 1 nas Escolas

A Dra. Ilka Rosa, Médica da Unidade de Saúde Pública do Baixo Vouga, apresentou o “Projeto IDE – Projeto de Inclusão da Diabetes tipo 1 na Escola” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa visa melhorar a integração e o acompanhamento de crianças e jovens com diabetes tipo 1 no ambiente escolar, através de formação e articulação entre profissionais de saúde, comunidade educativa e famílias

Percursos Assistenciais Integrados: Uma Revolução na Saúde do Litoral Alentejano

A Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano implementou um inovador projeto de percursos assistenciais integrados, visando melhorar o acompanhamento de doentes crónicos. Com recurso a tecnologia digital e equipas dedicadas, o projeto já demonstrou resultados significativos na redução de episódios de urgência e na melhoria da qualidade de vida dos utentes

Projeto Luzia: Revolucionando o Acesso à Oftalmologia nos Cuidados de Saúde Primários

O Dr. Sérgio Azevedo, Diretor do Serviço de Oftalmologia da ULS do Alto Minho, apresentou o projeto “Luzia” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa inovadora visa melhorar o acesso aos cuidados oftalmológicos, levando consultas especializadas aos centros de saúde e reduzindo significativamente as deslocações dos pacientes aos hospitais.

Inovação na Saúde: Centro de Controlo de Infeções na Região Norte Reduz Taxa de MRSA em 35%

O Eng. Lucas Ribeiro, Consultor/Gestor de Projetos na Administração Regional de Saúde do Norte, apresentou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde os resultados do projeto “Centro de Controlo de Infeção Associado a Cuidados de Saúde na Região Norte”. A iniciativa, que durou 24 meses, conseguiu reduzir significativamente a taxa de MRSA e melhorar a vigilância epidemiológica na região

Gestão Sustentável de Resíduos Hospitalares: A Revolução Verde no Bloco Operatório

A enfermeira Daniela Simão, do Hospital de Pulido Valente, da ULS de Santa Maria, em Lisboa, desenvolveu um projeto inovador de gestão de resíduos hospitalares no bloco operatório, visando reduzir o impacto ambiental e económico. A iniciativa, que já demonstra resultados significativos, foi apresentada na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, promovida pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar

Ana Escoval: “Boas práticas e inovação lideram transformação do SNS”

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, Ana Escoval, da Direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, destaca o papel do 10º Congresso Internacional dos Hospitais e do Prémio de Boas Práticas em Saúde na transformação do SNS. O evento promove a partilha de práticas inovadoras, abordando desafios como a gestão de talento, cooperação público-privada e sustentabilidade no setor da saúde.

Reformas na Saúde Pública: Desafios e Oportunidades Pós-Pandemia

O Professor André Peralta, Subdiretor Geral da Saúde, discursou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde sobre as reformas necessárias na saúde pública portuguesa e europeia após a pandemia de COVID-19. Destacou a importância de aproveitar o momento pós-crise para implementar mudanças graduais, a necessidade de alinhamento com as reformas europeias e os desafios enfrentados pela Direção-Geral da Saúde.

Via Verde para Necessidades de Saúde Especiais: Inovação na Saúde Escolar

Um dos projetos apresentado hoje a concurso na 17ª Edição do Prémio Boas Práticas em Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar, foi o projeto Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais (VVNSE), desenvolvido por Sérgio Sousa, Gestor Local do Programa de Saúde Escolar da ULS de Matosinhos e que surge como uma resposta inovadora aos desafios enfrentados na gestão e acompanhamento de alunos com necessidades de saúde especiais (NSE) no contexto escolar

Projeto Utente 360”: Revolução Digital na Saúde da Madeira

O Dr. Tiago Silva, Responsável da Unidade de Sistemas de Informação e Ciência de Dados do SESARAM, apresentou o inovador Projeto Utente 360” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas , uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). Uma ideia revolucionária que visa integrar e otimizar a gestão de informações de saúde na Região Autónoma da Madeira, promovendo uma assistência médica mais eficiente e personalizada

MAIS LIDAS

Share This