“Barnabés”, os sobreviventes de cancro pediátrico que “levam esperança” aos hospitais

13 de Fevereiro 2023

Ana tem a vida em suspenso desde que lhe foi diagnosticado um linfoma e Bárbara reaprendeu a andar no hospital entre tratamentos a uma leucemia. São sobreviventes e Barnabés, voluntárias que “levam esperança” aos serviços oncológicos pediátricos do país.

Criado há 28 anos, o grupo Barnabés da Acreditar (Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro) é formado por crianças e jovens que receberam diagnóstico de doença oncológica até aos 25 anos.

Participam e dinamizam formações, encontros de partilha, ações de sensibilização, atividades lúdicas e voluntariado junto de famílias cujo dia a dia se cruza com o cancro pediátrico.

“São jovens com uma força muito especial”, descreveu à Lusa, nas vésperas do Dia Internacional da Criança com Cancro, a coordenadora nacional do grupo, Joana Silvestre.

Ana Dantas (26 anos) e Bárbara Coquim (20) são sobreviventes de cancro pediátrico. Diagnosticado em períodos diferentes de vida e com percursos diferentes de tratamento, juntaram-se ao grupo Barnabés por consideraram que a sua mensagem pode dar esperança.

À Lusa, Joana Silvestre, que coordena o grupo desde 2019, explica que quem quer ser um Barnabé voluntário tem de passar por um processo de escrutínio, porque “voltar ao sítio por onde se passou num período de tratamento, tem um impacto emocional muito grande”.

“O testemunho dos Barnabés é muito poderoso. Partilham a sua experiência, mas de forma o mais inócua e o mais imparcial possível. Sentem-se muito concretizados por tornarem a sua experiência útil, mas também há o outro lado da moeda. Muitos suspendem o voluntariado porque algo os marca ou afeta. Uma das nossas regras é parar se não estiverem bem emocionalmente”, descreveu.

Joana Silvestre poderia enumerar dezenas de perguntas que marcam estas “visitas de partilha e esperança”. À Lusa exemplificou com duas, a mais frequente e uma das mais “cruas”: “também te caiu o cabelo?” ou “como foi perder a perna ou o braço?”.

Ana Dantas recebeu o diagnóstico para um linfoma Não Hodgkin aos 18 anos. Hoje, enquanto aguarda um transplante de rim (porque em consequência dos tratamentos intensivos ao linfoma ficou com falência renal), faz voluntariado no Hospital São João e no Instituto Português de Oncologia (IPO) no Porto.

“Na semana passada [janeiro] estive com uma menina de 14 anos que ainda não sabia o diagnóstico da doença. Mostrou muita curiosidade em saber se o cateter doía. Parecem coisas básicas, mas revi-me nela porque eu tive dúvidas semelhantes e também estava muito perdida”, contou Ana.

“Violência” é a palavra que usa para descrever a forma como a doença se entranhou na família e quando desabafa sobre falta de apoio psicológico às famílias.

Este é também o ponto de vista de Bárbara cuja doença, uma leucemia linfoblástica aguda, foi diagnosticada aos 2 anos e 2 meses. Foi acompanhada no Hospital Pediátrico de Coimbra, onde hoje faz, mensalmente, voluntariado junto de crianças e pais.

“Somos casos reais. Os pais precisam de palavras de conforto e de exemplos na primeira pessoa. Muitas vezes conseguem espelhar o futuro dos filhos em nós. É muito reconfortante saber que conseguimos mostrar que daqui a 10/15 anos os filhos estarão na universidade e vão falar, caminhar, lutar pelos seus sonhos”, descreveu à Lusa.

Natural de Oliveira do Hospital, Bárbara, que chegou a ter a parte esquerda do corpo paralisada, frequenta o 3.º ano de Direito na Universidade de Coimbra. Ingressar no grupo Barnabés aos 16 foi uma espécie de “estágio” para a vida de estudante fora de casa.

“A minha mãe começou a fazer voluntariado cerca de um ano antes e eu decidi fazer o mesmo. Apanhava o autocarro de Oliveira do Hospital para Coimbra. Vinha de manhã e ia embora ao fim da tarde porque acho importante”, desabafou.

Depois de um diagnóstico em bebé, Bárbara teve alta da fase de manutenção da doença aos 17 anos. Acredita que o diagnóstico em criança fez dela uma pessoa diferente, porque cresceu “muito consciente” e “com responsabilidade mais cedo”.

“E a vida da minha família ficou marcada por isto. Tenho uma irmã mais velha que acompanhou todo o processo e sofreu muito”, contou.

Esta é uma das razões pelas quais se bate por mais atenção e apoios para as famílias que vivem o cancro pediátrico.

O nome “Barnabé” foi escolhido quando a Acreditar procurava uma designação que não fosse feminina nem masculina e que transmitisse algum divertimento e alegria.

O projeto inclui a atribuição de bolsas de estudo. O valor para o ano letivo 2022/2023 é de 28.800 euros.

LUSA/HN

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