Teresa Pinho: “O limite biológico tem que ser respeitado no tratamento ortodôntico”

07/03/2023
Se a pressa é inimiga da perfeição, na Ortodontia é um princípio quase que "sagrado" e que deve ser respeitado por médicos dentistas e pacientes. Em conversa com a professora catedrática, Teresa Pinho, a evolução dos aparelhos ortodônticos foi o tema em destaque. A também investigadora, responsável pela publicação de mais de 150 artigos, deixa um alerta importante: a componente biológica de cada paciente tem que ter sempre primazia.

HealthNews (HN)- A Ortodontia é um tratamento meramente estético, como muitas pessoas pensam, ou vai para além disso?

Teresa Pinho (TP)- É claro que a Ortodontia tem a componente estética, mas esta área é muito mais do que isso. Dentro da Ortodontia tem de haver sempre o cuidado entre a aparência dos dentes e sua a função, caso contrário podemos ver comprometida a saúde oral. A estética tem que estar sempre associada à função dento-cranio-maxilo-facial, nunca esquecendo a articulação temporo-mandibular.

HN- Qual o impacto que os tratamentos ortodônticos têm na saúde oral?

TP- O impacto é elevado. Por exemplo, uma má oclusão esquelética, com maxila constrita e/ou mandíbula pequena pode levar a problemas respiratórios e apneia do sono. O diagnóstico e o tratamento ortodôntico-ortopédico em idades de crescimento podem minimizar estes problemas e levar ao aumento da qualidade de vida. Por outro lado, o não tratamento pode levar a problemas sérios no adulto, muitas vezes só corrigidos com o tratamento ortodôntico-cirúrgico.

Por último, a componente da higienização também é muito importante. Quando se está perante um tratamento ortodôntico este cuidado deve ser incrementado.

HN- Estes tratamentos também podem contribuir para prevenir outros problemas, como é o caso da fala. Correto?

TP- Sim. Por exemplo, por volta dos cinco anos as crianças começam a ir à escola, sendo que em muitos casos a dição está alterada. É muito comum ouvirmos os pais a referirem que a criança não consegue dizer o “r”, nestas idades. Quando existe uma má oclusão, a fala e a dição podem ser afetadas, devido a posicionamento alterado da língua, muitas vezes  relacionado com problemas dentários/esqueléticos. É importante intervir precocemente, em idade de crescimento, para prevenir problemas funcionais futuros que requerem abordagens de tratamento mais complexas.

HN- A má-oclusão dentária pode levar a dores de cabeça e pescoço…

TP- Nem sempre… Mas sim, a má-oclusão dentária pode levar a  dores de cabeça e pescoço. Temos os problemas de disfunção temporomandibular que afetam a própria articulação e também os músculos envolventes, podendo haver uma associação com problemas posturais. É por isso que muitas pessoas acabam por sofrer de dores de cabeça, pescoço e costas, devido a um desequilíbrio inerente à má-oclusão existente com uma envolvencia do bio-psico-social também em desequilíbrio. Há casos em que as pessoas quando estão sob stress ou com algum problema psico-social, começam a “apertar” ou “ranger” os dentes, tecnicamente bruxismo cêntrico ou excêntrico, respetivamente. Esta sobrecarga pode por sua vez levar à lesão de algumas estruturas anexas.

HN- Agora sobre os tipos de aparelhos disponíveis. É uma área que tem evoluído muito nos últimos anos, havendo cada vez mas alternativas inovadoras de correção ortodôntica. Gostaria de abordar os principais tipos de aparelho e quais as vantagens de cada um?

TP- Já utilizei muitas técnicas ortodônticas fixas, mas atualmente estou a trabalhar com a Ortodontia Digital, com alinhadores. Esta tem evoluído de uma forma exponencial, traduzindo-se numa maior eficácia, conforto e previsibilidade para os pacientes. Com a Ortodontia Digital temos a possibilidade de antecipar o resultado final aproximado do tratamento. De facto, enquanto professora catedrática e especialista em Ortodontia,  posso afirmar que estou completamente “rendida” às novas tecnologias. De qualquer forma, deixo sempre o alerta de que os conceitos de Ortodontia têm que estar sempre associados à técnica, qualquer que seja.

HN- Os aparelhos invisíveis têm vindo a ganhar protagonismo no palco da Ortodontia. A quem se destinam? É qualquer tipo de paciente que pode optar por esta solução?

TP- Eu resolvo qualquer tipo de caso com os alinhadores, no entanto, nos casos complexos por vezes temos que associar mecanismos auxiliares, como aparelhos fixos seccionais e mini-implantes para aumento da ancoragem. Nos casos complexos, temos que ter sempre presente a componente biológica de cada paciente,  cabendo ao especialista perceber as limitações biológicas inerentes.

HN- O que é um “caso complexo”?

TP- É por exemplo quando temos problemas esqueléticos associados a uma deformação do posicionamento dentário. Nesses casos pode ser necessário ponderar um tratamento ortodôntico-cirúrgico. De qualquer forma, em muitas situações conseguimos tratar estes problemas através de técnicas auxiliares.

Outras situações complexas, são os problemas graves nas estruturas que suportam os dentes, designados por periodontites, sendo fundamental haver primeiro saúde periodontal antes da intervenção ortodôntica. A Ortodontia digital com alinhadores, permite monitorizar  melhor estes casos, com movimentos mais sequenciados, direcionados e forças menores.

HN- Mas o tratamento ortodôntico-cirúrgico pode ser feito com os alinhadores?

TP- Primeiramente, na maioria dos casos com deformidades esqueléticas que requerem intervenção cirúrgica, necessitam de tratamento ortodôntico prévio para preparação do caso para a cirurgia, independentemente da técnica. Com alinhadores, a vantagem reside sobre o sequenciamento e previsibilidade dos movimentos com simulações virtuais que antecipam o tratamento. Para além disso, a possibilidade de anexar o CBCT e visualizar a relação entre as raízes dos dentes e os limites ósseos dos pacientes, constitui nestes casos um grande ponto a favor dos alinhadores.

Para além do planeamento virtual do posicionamento dentário em cada base óssea da arcada maxilar e manbibular, destaco também o planeamento e simulação virtual da própria cirurgia. Muito bom, podermos acompanhar toda esta evolução sempre em prol do melhor para os nossos pacientes.

HN- A qualidade do osso pode ser um fator impeditivo?

TP- Sim, o especialista tem de ter muito cuidado quando o paciente apresenta por exemplo uma mordida aberta, numa cara alta com musculatura mais débil. De qualquer forma, com a Ortodontia Digital todos aspetos são avaliados e tidos em conta no momento em que é feito o diagnóstico, sendo o planeamento direcionado de acordo. Por isso é que volto a frisar, o limite biológico tem que ser avaliado e respeitado.

HN- Como é feita essa análise?

TP- Através de exames como a cefalometria, a qual faz a medição da parte dentária e esquelética. Isto permite perceber os tipos de desvios existentes. Com a Ortodontia Digital temos a possibilidade de associar o CBCT ao posicionamento dos dentes integrando as raizes. Esta análise que é feita permite perceber o limite biológico do osso em que as raizes estão integradas, de acordo com o biótipo facial de cada paciente… Toda a movimentação dentária tem que estar dentro dos limites biológicos para evitar movimentos não controlados que podem promover recessões ósseas / gengivais, que são sempre indesejadas.

HN- Um paciente com bruxismo pode utilizar alinhadores?

TP- O bruxismo tem uma grande componente biopsicossocial. Muitas vezes as pessoas que apertam os dentes não conseguem ter essa perceção. No caso dos alinhadores, ao estarem  interpostos entre as arcadas, protegem os dentes e por vezes consciencializam para este mesmo aperto. Portanto, do meu ponto de vista o bruxismo não é um fator limitativo. No entanto, a componente biopsicosocial está subjacente e esta não é controlável com aparelhos, qualquer que seja.

São necessários mais estudos de investigação clínica, para termos dados mais concretos sobre este assunto

HN- A força exercida pelo aparelho removível tipo alinhador pode criar algum tipo de inclinação indesejada?

TP- Pode, e por isso mesmo é que o ortodontista tem que estar sempre atento aos pormenores. Este processo tem um início, um durante e um final e esse “durante” é muito importante. É preciso que o especialista verifique se o que foi planeado está efetivamente a acontecer. No caso de não controlo, pode mesmo haver agravamento do problema inicial. O alerta é, se querem fazer um tratamento ortodôntico consultem o especialista e façam controlos periodicos.

HN- Significa que o alinhamento dentário requer supervisão médica e check-ups regulares…

TP- Sim. Tem mas também tem que haver uma grande colaboração por parte dos pacientes. É importante que a pessoa utilize corretamente os alinhadores, de modo a garantir que aquilo que foi planeado efetivamente aconteça. Por isso, é que tem de haver um grande controlo por parte do ortodontista e fazer ver ao paciente o quão importante é a sua envolvência. As pessoas muitas vezes julgam que são tratamentos fáceis, mas é necessário um estudo pormenorizado e muito conhecimento ortodôntico.

HN- Estes tratamentos obrigam sempre à extração de dentes? 

TP- Não. Sempre fui pouco “extracionista” e agora cada vez menos. É claro que há casos que requerem extração de dentes, mas existem várias técnicas e procedimentos que permitem que isto não seja necessário. Por exemplo, num paciente com os dentes apinhados posso usar alinhadores e mini implantes, que direcionam os movimentos dentários no sentido de recuperar espaço sem ser “extracionista”. Primeiro devemos sempre tentar ser conservadores e só quando esgotamos estes, então sim recorrer às extrações, mas tal como referi, em muito poucos casos.

HN- Uma pessoa com os dentes projetados para a frente, quando alinha os dentes corre o risco de ter sorriso gengival? 

TP- Quando é feito o diagnóstico é preciso haver uma atenção especial ao sorriso, pois num instante este pode ser estragado. Imaginemos que estamos perante uma mordida aberta, quando esta pessoa sorri o seu sorriso é agradável, não devemos corrigir esta mordida aberta à custa da extrusão dos dentes anteriores, com o risco de ficar com um sorriso gengival. Nestes casos o que temos de fazer é intruir os dentes de trás com técnicas auxiliares, para melhorar a função sem prejudicar a estética.

HN- Quais os fatores que determinam o sucesso do tratamento? Falou na importância da colaboração por parte dos pacientes, mas existem cuidados específicos a ter?

TP- Em primeiro lugar, é preciso ir ao encontro de um especialista que conheça muito bem toda esta área, não só da técnica, mas também de ortodontia. Há médicos dentistas /ortodontistas que se diferenciam mais pela sua experiência com os alinhadores. Portanto, a própria envolvência de quem faz o tratamento é um importante fator.

Por outro lado, o paciente tem que estar comprometido e cumprir com o uso recomendado para o uso do aparelho. É também muito importante que este tenha muito boa higienização. O facto de poder remover o aparelho permite um maior controlo. Nós apercebemo-nos da não colaboração na higiene oral diária, quando nos controlos no consultório verificamos a presença de placa bacteriana aderida aos dentes, e se for por repetição a gengiva fica inflamada, sendo o reflexo de não cumprimento. É muito importante que haja uma boa saúde gengival e periodontal (estrutura que suporta os dentes), para garantir estabilidade e sucesso na movimentação dos dentes.

HN- Estes tratamentos terminam após a retirada do aparelho dentário?

TP- Tratamento ativo sim. Após isso, há uma fase de estabilização, por tempo indeterminado, em que o aparelho de contenção deve ser utilizado para dormir, para minimizar eventuais recidivas. Os  dentes estão conectados ao osso por um ligamento periodontal que os circunda, que possui fibras com memória elásticas. Caso a contenção não seja utilizada os dentes tendem a movimentar-se no sentido das posições iniciais, ocorrendo as recidivas, de acordo com a gravidade inicial do caso. Por exemplo se maior rotação e apinhamento inicial, maior o grau de recidiva por não uso da conteção.

Entrevista de Vaishaly Camões

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