SNS, sim é possível… se formos todos SNS

04/06/2024
Paulo Gonçalves
Presidente Executivo e de Empatia | RD-Portugal, União das Associações de Doenças Raras de Portugal 

Tenho noção das dificuldades por que passa o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Percebo as questões levantadas pelos seus profissionais, sem exceção. Embora uns tenham mais voz que outros. Para quem me conhece, já não sou o rookie mais recente na advocacia da saúde, mas estou longe de conhecer ou aconselhar as soluções que resolvam o SNS.

O SNS nasceu em 1979. Já nessa altura, em algumas indústrias colocavam o cliente no centro. Talvez, no início, se tenha pensado em colocar o cidadão no centro. Já neste século, com os avanços tecnológicos, o aumento exponencial na investigação e diferenciação fez com que todas as indústrias se centrassem na qualidade e satisfação dos seus clientes. Em Portugal, três teimaram em ser exceção: a educação, a justiça e a saúde. Nestas, a grande maioria depende de políticas públicas. A resistência em manter as decisões com base nas corporações de profissionais em detrimento dos seus principais utilizadores, atrasou Portugal. 

Dou dois exemplos: 

  1. Era “impossível” transformar os sistemas de informação e ter um registo nacional de dados de saúde que permitisse o seguimento do cidadão. Se tal era possível nas finanças públicas, porque não na saúde? 
  2. Era “impossível” transformar mudar o modelo de dispensa de medicamentos em proximidade, ou entregar mais próximo do cidadão, fazendo-o de forma economicamente mais eficiente e com melhoria da saúde pública. Se há quem entregue chocolates, dispositivos eletrónicos ou alimentos, mais barato e com qualidade, porque não na saúde? 

As mesmas razões que levavam a ser “impossível” foram as que levaram a ser possível. Ao criarmos um registo nacional, com interoperabilidade entre sistemas, permite-nos tomar decisões mais racionais e eficientes a nível nacional. Permite-nos posicionar-nos a nível europeu como país que pode receber turismo de saúde, decuplicar ensaios clínicos e torna-los fonte de receita nacional. Não apenas temos condições na Saúde como somos reconhecidos pelas condições de relação entre a Academia e a Saúde. É apenas uma questão de eliminação de egos e ânsia de poder. De modo similar, a pandemia, no período de isolamento total das populações, permitiu comprovar que era possível, e que a ida de um cidadão com doença crónica estável a um hospital apenas para levantamento de medicação trazia maior probabilidade de internamento por contrair outras doenças relacionadas com vírus ou bactérias. Sabem quanto custa um dia de internamento hospitalar? 1 000 Euros? E uma entrega de medicação em proximidade? 10 Euros?

E se somarmos a possibilidade de um profissional de saúde na atualização da informação sobre reações adversas diretamente no registo, comunicando com a equipa multidisciplinar? E se somarmos que os farmacêuticos hospitalares são muito mais necessários na preparação de medicamentos para os tratamentos no hospital do que a entregar caixas seladas a pessoas que muitas vezes não são os doentes?

Onde quero chegar? Que os cidadãos que têm doença crónica, seus familiares e cuidadores, são também cidadãos que têm conhecimento e podem colocá-lo ao serviço da melhoria contínua de processos. Muitos destes cidadãos estão organizados em Associações, sem fins lucrativos e, que têm vindo a ser chamados a participar cada vez mais em processos de decisão. E quanto mais contribuírem, em todas as fases dos vários processos, mais poderemos vir a ter mais consciência de que democracia participativa é isso mesmo. Ter direitos, mas ter também obrigações. Ouvi demasiadas vezes “não me pagam para pensar”. Irritava-me e continua a irritar. Mesmo que não me paguem, eu vou pensar na mesma. Mais vale que pense e contribua para melhorar. A minha vida e a de outros. 

O próximo grande desafio é o de aumentarmos a promoção da saúde e prevenção da doença. Está provado que é mais eficiente e eficaz. Defendo que para além do teste do pezinho, devemos massificar o teste do ADNzinho. Estima-se que cerca de 80% das doenças raras sejam de origem genética. Se conseguirmos prevenir, estaremos significativamente a contribuir para a sustentabilidade do SNS. Só que temos de ser todos. Todos! Eliminando egos e ânsia de poder. #somosSNS

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