“Nos últimos anos, o aumento deste tipo de lesões quase que quadruplicou. Não há dúvidas de que já começou a haver manifestações por parte de atletas e clubes, pois a sobrecarga de competições está diretamente ligada a este cataclismo de lesões do ligamento cruzado anterior (LCA)”, observou à agência Lusa o ex-médico da seleção portuguesa, entre 2000 e 2014.
Ao fim de apenas dois meses e meio de competição oficial em 2024/25, Dani Carvajal (Real Madrid) e Rodri (Manchester City) encimam o vasto lote de futebolistas afetados por lesões do LCA nos principais campeonatos europeus, ao qual se juntou na quarta-feira o lateral direito internacional sub-21 português Tiago Santos (Lille).
A rotura ocorre muitas vezes sem qualquer contacto físico e incide na banda ligamentar entre o fémur e a tíbia, responsável pela estabilidade da articulação do joelho, gerando períodos de reabilitação “à volta de 10 a 12 meses” em carreiras de curta duração.
“Há muitos jogadores que começam a abandonar as seleções nacionais, face à enorme densidade competitiva. Vemos também uma maior rotação nas equipas para preveni-los destas cargas e a parte do espetáculo sofre um pouco, porque quem tem mais incidência acaba por ser poupado em muitas competições. Se calhar, isso explica um bocadinho o porquê de atletas jovens começarem a competir em outros campeonatos com menos intensidade, como, por exemplo, na Arábia Saudita e no Qatar”, traçou Henrique Jones.
Josip Stanisić (Bayern Munique), Alessandro Florenzi (AC Milan), Hamari Traoré (Real Sociedad), Bremer (Juventus), Dan-Axel Zagadou (Estugarda), Marc Bernal (FC Barcelona), Valentín Carboni (Marselha), Gianluca Scamacca (Atalanta) ou Duván Zapata (Torino) foram outros jogadores recentemente forçados a encarar paragens prolongadas.
“A comunidade médica ligada à traumatologia do desporto está super preocupada. Além da carga competitiva, que é alarmante, o problema é o menor tempo que os atletas têm para recuperar e fazer exercícios de prevenção. Ao diminuir essa possibilidade, o joelho não está tão preparado como devia para prevenir este e outro tipo de lesões”, apontou.
Os casos têm sido “relativamente raros” na posição de guarda-redes, mas Marc-André ter Stegen desfalcará a baliza do FC Barcelona até ao fim da época, devido a uma rotura total do tendão rotuliano do joelho direito, enquanto o Boavista, da I Liga portuguesa, perdeu em setembro o titular João Gonçalves e o habitual suplente Luís Pires no mesmo treino.
“Como médico ligado à traumatologia do desporto, gosto muito de operar e opero muitos ligamentos cruzados. Mas, mais do que operar, tenho de proteger os atletas e evitar que isso aconteça. É nessa filosofia que temos de estar todos empenhados – médicos, treinadores, agentes desportivos e associações internacionais -, porque grande parte destas lesões tem a ver com fadiga acumulada que não chegou a ser recuperada”, disse.
A rotura do LCA já tinha fustigado figuras de topo mundial como Thibaut Courtois e Éder Militão (ambos do Real Madrid), Gavi (FC Barcelona) ou Neymar (Al Hilal) em 2023/24, mas vai exercendo nas mulheres “uma incidência 4,5% vezes superior” à dos homens.
“As mulheres têm maior tendência a contrair os músculos da região anterior da coxa, que conseguem frenar esta lesão. Perante a tendência de desaceleração numa lesão do LCA, quando uma atleta contrai o músculo da região anterior da coxa, o joelho vem para a frente subitamente e pode levar à rotura. Normalmente, as mulheres têm músculos posteriores mais fracos e músculos anteriores mais fortes. Essa é a razão mais importante na atualidade para a comunidade internacional científica”, enquadrou Henrique Jones.
Em abril, a Federação Internacional de Futebolistas Profissionais (FIFPro) anunciou um projeto a três anos, em colaboração com o sindicato inglês, a Universidade Metropolitana de Leeds e a marca desportiva Nike, para acelerar a investigação sobre lesões do LCA.
“Depois, as mulheres têm uma estrutura global do organismo mais deficiente do que os homens. Há ainda a parte técnica, bem como aquilo que é inerente à mulher a nível fisiológico, endócrino e anatómico”, finalizou, numa altura em que o calendário do futebol feminino tem aumentado em função da crescente popularidade da modalidade.
NR/HN/Lusa
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