Joaquim Cunha estruturou a sua intervenção em quatro pontos principais, partindo do conceito da saúde como motor do desenvolvimento económico e social. Uma visão abrangente que engloba tanto a prestação de cuidados como a população que a rodeia, baseando-se no pressuposto de que a sustentabilidade depende da competitividade e vice-versa.
O orador começou por afirmar que a saúde, tal como a conhecemos hoje, está a mudar. Os sistemas de saúde europeus, construídos principalmente no pós-guerra, enfrentam agora a necessidade de se adaptar a novos desafios. Cunha mostrou-se otimista, afirmando que uma nova era está a caminho, completamente diferente da atual, e que poderemos beneficiar dela nos próximos 20 a 30 anos.
Entre os principais desafios identificados por Joaquim Cunha, destaca-se a redução demográfica, que ele considera ser quase um “custo do sucesso”. Isto deve-se ao facto de termos conseguido fazer com que as pessoas vivam mais tempo, o que, por sua vez, leva a uma maior procura por cuidados de saúde. Além disso, as pessoas querem mais e melhor saúde, o que é perfeitamente razoável, mas coloca pressão adicional sobre os sistemas de saúde.
O tema da sustentabilidade foi outro ponto crucial abordado por Cunha, que enfatizou que este aspeto tem vindo a ganhar relevância recentemente e precisa de ser abordado rapidamente, especialmente nas vertentes ambiental, social e corporativa.
Um dos problemas mais prementes identificados pelo orador é a escassez de recursos humanos na área da saúde. Contrariamente à perceção comum, este não é um problema exclusivamente português, mas sim um desafio global. Cunha mencionou que mesmo países como a Dinamarca e a Noruega enfrentam dificuldades em recrutar enfermeiros e médicos, recorrendo muitas vezes à contratação de profissionais estrangeiros.
Diante destes desafios, Joaquim Cunha apresentou uma visão do futuro em que será necessário fazer mais com os mesmos ou até menos recursos. Isto porque não é possível continuar a alocar cada vez mais recursos para a saúde sem os retirar de outras áreas. O orador alertou que os países europeus poderão enfrentar uma maior concorrência neste aspeto nos próximos tempos.
Para contextualizar a importância do setor da saúde na economia portuguesa, Cunha apresentou alguns dados impressionantes. Segundo ele, o cluster da saúde em Portugal representa entre 9% a 15% do emprego nacional, o que se traduz em cerca de 10% da economia do país. As exportações do setor têm tido um desempenho notável, com taxas de crescimento médio superiores às de outros setores da economia nos últimos anos.
O Health Cluster Portugal, do qual Joaquim Cunha é Diretor Executivo, conta atualmente com mais de 320 entidades, incluindo universidades, hospitais, instituições de investigação e empresas. A missão desta organização é olhar para a saúde de uma perspetiva mais ampla, não apenas como a prestação de cuidados, mas também como um motor de desenvolvimento económico e social.
Cunha explicou que o Health Cluster Portugal estrutura a sua atividade em três grandes agendas: inovação, internacionalização e capacitação. Estas agendas visam responder aos desafios identificados e promover o crescimento do setor.
Em termos de respostas aos desafios apresentados, Joaquim Cunha enfatizou a necessidade de uma gestão forte na saúde, defendendo que falta gestão eficiente no setor, não apenas em Portugal, mas em toda a Europa. O orador criticou a tendência de tratar a saúde como uma “arte” em vez de uma área que requer gestão rigorosa, afirmando que estamos a pagar um preço elevado por esta abordagem.
Cunha defendeu uma mudança drástica na Saúde, que passaria de um foco na doença para uma ênfase na prevenção, sublinhando ser necessário mudar definitivamente do tratamento para a prevenção, utilizando ferramentas de gestão e tecnologia para alcançar este objetivo.
A valorização do conhecimento foi outro ponto crucial abordado por Joaquim Cunha que reconheceu que Portugal e a Europa em geral têm excelente conhecimento nas universidades, mas lamentou que este conhecimento muitas vezes não se traduza em produtos e serviços em benefício do cidadão. Comparando com os Estados Unidos, Cunha afirmou que a Europa está a ficar para trás na transformação do conhecimento em inovação prática.
O orador criticou a tendência europeia, defendendo que esta se concentra excessivamente na regulação e legislação, em detrimento da inovação. Para Joaquim Cunha, embora seja importante ter uma legislação moderna, especialmente no que diz respeito à proteção de dados, a Europa corre o risco de ficar para trás em relação aos Estados Unidos devido a uma preocupação excessiva com a regulamentação.
A digitalização e a utilização inteligente dos dados foram apresentadas por Cunha como ferramentas cruciais para o futuro da saúde, tenho destacado a importância da utilização secundária dos dados e da inteligência artificial, afirmando que é por aqui que virão muitas das respostas para os desafios atuais. No entanto, mais uma vez, alertou que a Europa está a ficar para trás em relação aos Estados Unidos nesta área, devido à preocupação excessiva com a legislação e a proteção de dados.
Joaquim Cunha mencionou a iniciativa europeia European Health Data Space como uma luz no fim do túnel, expressando esperança de que esta iniciativa possa ajudar a Europa a recuperar terreno na área da saúde digital, sublinhando ser crucial que esta iniciativa seja bem-sucedida, caso contrário, as consequências poderão ser desastrosas para o setor da saúde europeu.
O orador também sublinhou a importância da generalização de abordagens baseadas em dados e indicadores, sublinhando que, na maioria dos casos, o que falta é informação. Citando a máxima “o que não é mensurável não é gerível”, Cunha defendeu que é essencial ter indicadores, especialmente na perspetiva do cidadão-doente ou cliente, questionando por que razão a saúde deveria ser diferente de qualquer outra atividade neste aspeto.
Concluindo a sua apresentação, Joaquim Cunha apresentou uma série de recomendações sobre o que é necessário fazer para melhorar o setor da saúde em Portugal e na Europa. Em primeiro lugar, o especialista enfatizou a necessidade de melhorar significativamente o processo de valorização do conhecimento.
Uma das propostas mais controversas de Cunha foi a de retirar a prestação de cuidados de saúde da esfera partidária, tendo criticado a tendência de os partidos políticos usarem a saúde como arma de arremesso, alternando argumentos conforme estão no governo ou na oposição. O orador defendeu que deveria haver um consenso sobre as questões principais e importantes na saúde, independentemente do partido no poder.
Cunha também defendeu a modernização e flexibilização da gestão e prestação de cuidados de saúde, criticando a distinção muitas vezes feita entre gestão privada e pública, argumentando que o importante é ter uma boa gestão, independentemente do setor. No entanto, reconheceu que os gestores públicos enfrentam desafios particulares, muitas vezes tendo que “fazer omeletes sem ovos”, ou seja, gerir sem ter as ferramentas adequadas à sua disposição.
O orador questionou por que razão um hospital, que é provavelmente a estrutura organizativa mais complexa que temos, é gerido sem ter à sua disposição as ferramentas de gestão utilizadas noutros contextos, realçando que esta situação não faz sentido e que é necessário dotar os gestores hospitalares das ferramentas adequadas para uma gestão eficiente.
Joaquim Cunha defendeu que é necessário assumir a saúde como um motor de desenvolvimento económico e social. Para isso o responsável do Health Cluster Portugal, propôs a definição de uma estratégia nacional para o digital e os dados de saúde. Criticou a atual situação dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), afirmando que esta instituição está isolada numa “redoma” e fora da realidade do país.
O orador também defendeu a promoção e o apoio ao investimento nacional e estrangeiro no setor da saúde. Ele argumentou que é necessário aproveitar as competências e o conhecimento disponível em Portugal, seja nas universidades, nos centros de investigação, nas empresas ou nos hospitais. Cunha afirmou que, embora o setor da saúde em Portugal possa crescer 6% a 7% ao ano com recursos próprios, com investimento estrangeiro esse crescimento poderia chegar a 20% ou 30%.
Por fim, Joaquim Cunha deixou um apelo ao “sonho”, propondo a necessidade de um pacto entre os diferentes atores do setor da saúde, defendendo ser preciso unir esforços e estabelecer um consenso sobre as principais direções a seguir para o desenvolvimento do setor da saúde em Portugal.
Em suma, a intervenção de Joaquim Cunha no 10º Congresso Internacional dos Hospitais apresentou uma visão abrangente e desafiadora para o futuro da saúde em Portugal e na Europa, destacando a importância de ver a saúde não apenas como um serviço essencial, mas como um verdadeiro motor de desenvolvimento económico e social. Cunha identificou os principais desafios enfrentados pelo setor, incluindo a redução demográfica, a sustentabilidade e a escassez de recursos humanos, e propôs uma série de soluções baseadas na melhoria da gestão, na valorização do conhecimento, na digitalização e na utilização inteligente dos dados.
O orador enfatizou a necessidade de uma mudança de paradigma na abordagem à saúde, passando de um foco na doença para uma ênfase na prevenção. Ele também destacou a importância de retirar a prestação de cuidados de saúde da esfera partidária e de modernizar e flexibilizar a gestão no setor.
Joaquim Cunha concluiu a sua intervenção com um apelo à ação, defendendo a necessidade de um pacto entre os diferentes atores do setor da saúde para impulsionar o seu desenvolvimento e garantir que Portugal possa aproveitar plenamente o potencial da saúde como motor de crescimento económico e social. A sua visão ambiciosa e as propostas concretas apresentadas certamente deram aos participantes do congresso muito para refletir sobre o futuro da saúde em Portugal e na Europa.
Reportagem MMM
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