Reflexão sobre a saúde
Neste período eleitoral que atravessamos, em que os partidos políticos apresentam as suas propostas e programas aos eleitores, vale a pena uma reflexão sobre a Saúde, uma das áreas que maiores discussões e debates suscita, devido aos problemas de acesso da população aos cuidados de saúde prestados pelo SNS, noticiados quase diariamente pela Comunicação Social.
A falta de médicos de família, o fecho de urgências em alguns hospitais e as listas de espera para cirurgias e consultas, são os aspectos mais visíveis dos problemas do SNS.
Estes problemas de acesso, contudo, sempre se verificaram, com maior ou menor expressão, desde a criação do SNS , e são o resultado de um problema de fundo, nunca reconhecido , como tal: a ineficiência estrutural do SNS que, também, é a causa de outros problemas que se têm verificado, ao longo do tempo, e que nunca foram resolvidos, como é o caso:
-da existência de custos, no SNS, muito superiores aqueles que seriam necessários para prestar cuidados de saúde à população servida
-do crescimento contínuo e elevado das pessoas que recorrem ao sector privado, pagando, quando a Constituição lhes garante o acesso a cuidados de saúde tendencialmente gratuitos (apenas com taxas moderadores de que uma larga parte da população está isenta) , o que não fariam se tivessem no SNS o mesmo tipo de resposta que procuram no sector privado. O nº destas pessoas, que possuem seguros de saúde privados ou estão abrangidas por subsistemas públicos (como a ADSE) , atinge já cerca de 5,3 milhões (mais de 50% da população)
Esta ineficiência estrutural tem uma causa profunda: a incapacidade do Estado em exercer, de forma eficiente, as funções que desempenha no SNS: de Prestador dos cuidados de saúde; de Financiador e Gestor das unidades de saúde e de Empregador dos recursos humanos.
É certo que o SNS é atravessado por vários e poderosos interesses, de natureza corporativa, sindical, económica e politica-partidária, que dificultam a acção dos decisores políticos, nas a gestão do SNS, comandada politicamente, nunca conseguiu eliminar ou atenuar de forma substancial , a ineficiência estrutural do Estado que se manifesta de múltiplas formas :
-na Função de Financiador, com custos elevados (suportados pelos impostos dos contribuintes) sem contrapartida proporcional de resultados obtidos para a população
– nas Funções de Prestador e Gestor , com a existência dos problemas de acesso referidos, em resultado de deficiências graves no Planeamento (como aconteceu nos 8 anos do governo anterior , o que está na origem, hoje, por exemplo, da falta de médicos de família e das crises das urgências hospitalares) e na Organização e Gestão das unidades de saúde, o que é agravado, com frequência, por nomeações de pessoas não qualificadas , de cariz politico-partidário.
-Na Função de Empregador de recursos humanos, com ausência de um sistema de meritocracia, com avaliação de desempenho individual, associado a incentivos e penalizações.
Para o combate a esta ineficiência estrutural foram tomadas algumas medidas , na direcção certa, como foi o caso das USF-Unidades de Saúde Familiares, nos cuidados primários e os CRI-Centros de Responsabilidade Integrados, nos Hospitais, que ligam o desempenho dos profissionais de saúde na obtenção de resultados para a população, à remuneração destes profissionais.
No entanto, sem a criação de estímulos, permanentes, estruturais, à eficiência, continuaremos, no futuro, a ter, com maior ou menor expressão, os problemas com os quais hoje nos confrontamos. Estes estímulos terão que vir, quer do interior do SNS (nomeadamente pela aplicação efectiva e generalizada de um ambiente de meritocracia) quer do “exterior” do SNS, pela existência de competição, com outros prestadores de cuidados, privados e sociais, com liberdade de escolha dos utentes.
São estas as razões que me levam, há muito, a propor a evolução do SNS-Serviço Nacional de Saúde para o conceito de SS-Sistema de Saúde onde coexistam prestadores de cuidados de saúde das três iniciativas : a pública, a privada e a social.
Neste SS o acesso, pela população, a qualquer dos prestadores (de iniciativa, pública, privada ou social) continuará a ser, como hoje, geral e (tendencialmente ) gratuito (apenas com taxas moderadoras).
A eficiência a alcançar, neste Sistema de Saúde, resultará, não apenas pela gestão pública de enormes recursos humanos e financeiros (que sempre foi problemática no SNS e que teria de ser melhorada e potenciada) mas também pela competição, estabelecendo a comparação /”benchmarking”, entre os prestadores das três iniciativas , a favor dos utentes, suscitada pela liberdade de escolha destes.
Na prática, esta evolução do SNS para o SS, é uma estratégia que pretende conciliar a eficiência comprovada dos sistemas de saúde (como na Alemanha, por ex.,) em que existe a participação de prestadores públicos, privados e sociais, com liberdade de escolha dos utentes, com as características de universalidade e equidade dos sistemas de gestão pública, como em Portugal ou no RU- Reino Unido.
Este caminho, aliás, está já a ser seguido no RU: recentemente, no passado dia 6 de Janeiro, o 1º Ministro trabalhista (socialista) num discurso público proferido na cerimónia de um acordo entre o NHS-National Health Service e os sectores privado e social, saudou a expansão da relação entre o NHS e o sector privado, dizendo que o acordo era do interesse nacional e que a mudança (do NHS) era urgente.
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