Fernando Chaves: “A meningite meningocócica não é típica da infância”

26 de Abril 2021

Fernando Chaves Pediatra no Hospital Lusíadas Lisboa

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Fernando Chaves: “A meningite meningocócica não é típica da infância”

A propósito do Dia Mundial da Meningite, o pediatra Fernando Chaves, do Hospital Lusíadas Lisboa, alerta que não há nenhuma idade que seja de risco zero. Apesar do número de casos ter diminuído durante a pandemia espera-se que o desconfinamento contrarie esta tendência. Tal como com o Covid-19, “a melhor ferramenta para prevenir uma doença é a vacinação”, adverte.

Healthnews (HN) – O número de casos de meningite meningocócica tem diminuído durante a pandemia. É um sinal positivo?

Fernando Chave (FC) – Todas as doenças infeciosas têm diminuído durante a pandemia devido às restrições e os cuidados que se têm implementado.

Tendo em conta que as meningites meningocócicas são transmitidas pelo adolescente ou pelo adulto, através de gotículas da garganta, podemos interpretar que a forma de contaminação é a via aérea. Portanto, com estes cuidados todos é normal que o número de doentes tenha reduzido também.

HN – Com o desconfinamento, altura em que as pessoas se voltam a reunir, é de esperar que os números aumentem?

FC – É normal que o número de doentes com meningite meningocócia aumente, mais a mais porque estamos na primavera, que é uma altura em que aumentam os casos, uma vez que o meningococo está associado a poças de água parada.

Por outro lado, tivemos um inverno muito chuvoso… É normal que voltemos aos valores pré-pandemia. No entanto, estes números têm vindo a diminuir de forma ligeira em função da vacinação que se tem feito.

HN – Existe vários tipos de meningite meningocócica A, B, C, W e Y. O que destacaria de cada uma delas?

FC – O quadro clínico é muito parecido… Com a exceção da W e da Y. Estes dois tipos de meningite têm estado a aumentar nos últimos anos na Europa de forma atípica, com uma progressão para um quadro de septicemia. De resto, o quadro é muito parecido, é sempre uma forma de doença grave, com evolução para o sistema nervoso central, com cefaleias intensas.

HN – Apesar de atingir sobretudo crianças, esta doença também atinge adultos. Podemos dizer que a meningite meningocócia não tem idade de risco zero?

FC – Exatamente. A meningite não é típica da infância. Atinge crianças e adultos e alguns tipos de profissões. Mencionei há pouco que esta doença está associada a águas paradas, pelo que profissionais de limpeza de águas fluviais e esgotos estão muito sujeitos a contrair esta infeção. Médicos e enfermeiros que trabalham em unidades de cuidados intensivos também estão muito sujeitos. A meningite meningocócica não é uma doença exclusiva da pediatria.

HN – A dificuldade no diagnóstico é o único fator responsável pelo quadro clínico do doente?

FC – Até termos sinais e sintomas típicos de um quadro de meningite a doença vai evoluindo. Numa fase inicial a doença tem sintomas que se sobrepõem a outras. Estamos a falar de uma doença infeciosa, o que significa que vai apresentar febre, mas se partirmos do princípio que é uma doença grave, esta é persistente, difícil de baixar, associada a um quadro de prostração e menor atividade do doente. A meningite meningocócia não dá ranho, nem tosse.

HN – Estima-se que um em cada dez doentes morre e um em cada cinco sofre consequências graves, como amputações. Que ferramentas existem para contrariar esta realidade?

FC – A primeira ferramenta é a da prevenção. A melhor ferramenta para prevenir uma doença é a vacinação. Também sabemos que, apesar de estarem vacinadas, as crianças podem adquirir a doença. Às vezes o meningococo pode “fugir” à vacinação. Por isso, para além da prevenção devemos tentar realizar o diagnóstico o mais precocemente possível… O que é difícil. No caso da meningite b na criança, aparece um quadro sistémico com manchas no corpo e necrose da ponta dos dedos e que leva a quadros de amputação. Por vezes os quadros sistémicos são tão graves, com o atingimento de vários órgãos e sistemas, que podem levar à morte. Felizmente hoje em dia com os cuidados intensivos pediátricos que temos conseguimos baixar a mortalidade, mas infelizmente com alguma morbilidade. Podemos ter uma série de sequelas a nível cognitivo, auditivos e visual.

HN – Existe um conjunto de vacinas para os diferentes tipos de meningite. Consegue compreender a confusão dos pais? Alguns pais acham que pelo facto do seu filho ter sido vacinado contra um tipo de meningite este já está protegido contra a doença…

FC – Os pais podem ficar confusos se estas questões não foram bem explicadas. No ato da consulta, se o medico explicar que a criança vai ter de fazer uma determinada vacina e explicar para que serve os pais vão percebendo que há vários tipos de meningite para os quais existem diferentes vacinas.

Temos de explicar que quando falamos da meningite meningocócica existem vários serotipos, que são bactérias que acabam por ser “primas umas das outras”, mas que a vacina não é a mesma.

HN – Teme que a desconfiança nas vacinas, criado neste contexto de pandemia, piore o cenário desta doença?

FC – Não, muito pelo contrário. Como médico, muito sinceramente, acho que não existiu nenhuma desconfiança nas vacinas. Os motivos que levam a esta desconfiança são motivos económicos, políticos e pontualmente má explicação dos efeitos secundários de qualquer medicamento.

As pessoas perceberam que, dentro deste quadro pandémico, a única alternativa é a vacinação. Não acredito que com a meningite meningocócica seja diferente. A grande maioria dos pais quer os seus filhos imunizados e protegidos contra doenças graves.

HN – Tendo em conta que hoje se assinala o Dia Mundial da Meningite que mensagem gostaria de deixar?

FC – Primeiro que tudo a pediatria é uma especialidade de prevenção. Por isso falem com os vossos pediatras relativamente às múltiplas vacinas que existem contra agentes que provocam a meningite. Depois tenham confiança nos pediatras que fazem o seguimento das crianças no sentido de que, quando acharem que a criança está menos bem, trocarem ideias porque assim como falamos há pouco: o diagnóstico precoce passa por uma descrição precoce.

 

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