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José Canas da Silva: “O número de doentes que tem indicação para iniciar o tratamento para a osteoporose e não o faz chega aos 80%”
Uma realidade que preocupa o reumatologista e Diretor Clínico da Consulreuma- Consultadoria em Reumatologia e Osteoporose, José Canas da Silva. O especialista alerta que a taxa de mortalidade nos doentes que sofrem fraturas provocadas pela osteoporose é bastante elevada, sendo que a mortalidade da fratura do colo do fémur “a um ano ou ano e meio pode chegar aos 25%”. “Talvez tão grave quanto isso é que cerca de 50% dos doentes ficam dependentes”, e “um quarto nunca recupera para o estado antes da fratura”, adverte. Canas da Silva defende, assim, a importância de um correto e precoce diagnóstico, de forma a assegurar o tratamento dos doentes.
HealthNews (HN) – A osteoporose é uma doença que provoca a perda de massa óssea e a fragilização dos ossos, aumentando o risco de fraturas. A falta de minerais, como cálcio e fósforo, são os únicos responsáveis pelo desenvolvimento desta doença?
José Canas da Silva (JCS) – Não. As carências de proteína na alimentação e falta de vitamina D, quer por insuficiente insolação ou na dieta, são prejudiciais para a saúde do osso. No entanto, a causa principal da osteoporose tem a ver com alterações a nível do metabolismo do osso que vão ocorrendo ao longo da idade. Estas alterações resultam numa perda progressiva da massa óssea que é acentuada, no caso das mulheres, na menopausa ou quando se associam fatores como a toma de determinados medicamentos.
HN- Determinados medicamentos e algumas doenças podem desencadear outro tipo de osteoporose chamada osteoporose secundária. Correto?
JCS- As osteoporoses secundárias são aquelas que são consequência de doenças que se acompanham de perda de massa óssea. São exemplo disso determinados medicamentos de que os corticosteróides são um bom exemplo, doenças endócrinas (a da tiroideia) e outras circunstâncias e doenças.
É muito importante, face a um doente com osteoporose, indagar e excluir as causas da osteoporose secundária… E tratá-las, se possível.
HN- A falta de exercício físico pode também desencadear osteoporose?
JCS- Todas as situações de base que podem levar a uma diminuição da mobilidade ou ao sedentarismo agravam ou iniciam a perda da massa óssea que pode levar à osteoporose. Os maus hábitos de vida podem ser bastante prejudiciais para os ossos. Se houver sedentarismo, uma alimentação com deficiência em cálcio durante muito tempo, falta de insolação e, se for uma mulher e tiver uma menopausa precoce, temos uma série de fatores que adicionam para a diminuição da massa óssea e para o risco de fraturas.
HN- Que tipo de exercícios físicos podem contribuir para o fortalecimento dos ossos?
JCS- O mais importante são os exercícios que comportem carga. Só estes podem levar a uma pequena, mas importante redução do risco da osteoporose e podem reduzir igualmente o risco de quedas, promovendo um aumento da massa muscular e melhor equilíbrio.
HN- A osteoporose é uma doença silenciosa que só costuma apresentar sintomas em estágios mais avançados. O que é necessário para garantir o diagnóstico precoce?
JCS- O diagnóstico da osteoporose passa essencialmente por avaliar os fatores de risco clínico.
É preciso estar atento aos hábitos de vida e de consumo do paciente, como por exemplo não fazer exercício físico, consumir demasiado álcool e tabaco, ainda que a idade, o género feminino e a menopausa sejam os mais importantes.
Depois de conhecer todos estes fatores o médico pode completar com uma densitometria. Esta é uma técnica que permite medir a densidade mineral óssea em determinados locais, sendo que os principais são a anca e a coluna lombar. Face aos resultados o médico pode estabelecer uma probabilidade da existência ou não de uma fratura a 10 anos. Isto é possível através de uma ferramenta chamada FRAX e que já está padronizada e estudada para Portugal. O FRAX pode ser feito sem densitometria.
HN- A osteoporose pode provocar diferentes tipos de fraturas. Qual a taxa de mortalidade nos doentes que sofrem este tipo de fraturas?
JCS- As fraturas do colo do fémur têm uma alta mortalidade hospitalar. Em Portugal, em muitas situações, nos seis meses a seguir a mortalidade pode chegar aos 20%. A um ano ou ano e meio a mortalidade pode chegar aos 25%. Talvez tão grave quanto isso é que cerca de 50% dos doentes ficam dependentes de outras pessoas para realizar muitas tarefas e um quarto nunca recupera para o estado antes da fratura. Isto quer dizer que a fratura do colo do fémur não só tem uma alta mortalidade imediata como tem um potencial devastador do ponto de vista da recuperação.
HN- Qual é o balanço que faz do acompanhamento que é feito a estes doentes?
JCS- Acho que tem vindo a melhorar ao longo dos anos, acompanhando a melhoria das condições de vida e, sobretudo, da assistência médica em Portugal.
Talvez devido a uma diminuição de alerta para uma doença crónica, silenciosa, e por vezes esquecida, como é a osteoporose, nos últimos anos tem havido um abrandamento da prevenção da doença e um abrandamento na capacidade e na identificação de doentes para tratamento. Isto leva àquilo ao que eu chamo um gap no tratamento da doença da osteoporose. Apesar de haver guidelines, o número de doentes que têm indicação para iniciar o tratamento para a osteoporose e não o faz pode chegar aos 80%… Há doentes que tiveram uma fratura do colo do fémur e que saem dos hospitais sem uma terapêutica eficaz para a osteoporose. Não acontece apenas em Portugal, acontece em quase todos os países da União Europeia e até no Reino Unido, mas esse número é preocupante.
Além disso, há condições para dizer que mesmo pessoas que, não tendo tido uma fratura do colo do fémur, tiveram uma fratura vertebral relacionada com a osteoporose não são iniciadas no tratamento. Do meu ponto de vista é indispensável tratar estes doentes. Se há 20 anos os tratamentos disponíveis eram pouco eficazes, hoje em dia existem medicamentos eficazes e que podem reduzir a incidência de novas fraturas e melhorar o prognóstico destes doentes.
HN- Considera que a pandemia vai agravar este cenário?
JCS – Acho que já agravou. A população que esteve mais confinada é coincidente com a que tem maior risco para ter osteoporose. O maior risco para se ter uma doença SAR-CoV-2 grave, necessitando internamento e levando a cuidados intensivos é efetivamente o grupo de pessoas acima dos 70 anos. Este é exatamente o mesmo grupo que tem o maior risco para desenvolver osteoporose e fraturas. Portanto, estamos perante a coincidência de risco na mesma população. Estas pessoas, com certeza tiveram uma diminuição da insolação, da mobilidade, uma queda importante nas suas rotinas de vida e alterações a nível psicológico. Isso tudo leva a um aumento do risco de perda da massa óssea e a um aumento do risco das quedas. A queda aliada à perda da massa óssea é a situação perfeita para a existência de uma fratura.
A minha última mensagem é a de que a osteoporose é uma doença grave, debilitante, mas prevenível e tratável. A osteoporose não deve ser negligenciada.
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