26/05/2023
Em comunicado, o instituto da Universidade do Porto esclarece hoje que a equipa da ‘startup’ Fetaldisc submeteu um pedido de patente do “primeiro biomaterial fetal injetável para regenerar o disco intervertebral”.
A degeneração do disco intervertebral provoca a dor lombar, a principal causa de incapacidade em Portugal que ocorre com o envelhecimento.
As opções de tratamento passam por fisioterapia, medicamentos ou cirurgias bastante invasivas, mas, em grande parte dos casos, não existem soluções a longo prazo.
Durante a investigação, a equipa utilizou desperdícios da indústria pecuária, que normalmente são incinerados, e identificou a existência de componentes pro-regenerativos nos discos intervertebrais fetais.
“Após processamento em laboratório, estes tecidos têm um maior potencial regenerativo, ou seja, verificamos um reaparecimento das proteínas típicas de um ambiente saudável em células de disco cultivadas nos biomateriais fetais de bovino”, afirma, citada no comunicado, a investigadora e líder da ‘startup’ Fetaldisc.
Segundo Joana Caldeira, o biomaterial desenvolvido tem também “capacidade de inibir a formação de novos vasos sanguíneos”, processo que está relacionado com a intensidade da dor, mobilidade e qualidade de vida dos doentes.
A tecnologia utilizada “tem por base o processamento do tecido fetal de modo a eliminar as células nele existentes, mantendo a maioria dos restantes componentes bioquímicos e estruturais característicos das fases de desenvolvimento embrionário”.
Numa fase posterior, os investigadores procederam à desidratação a baixas temperaturas “para obter um elevado tempo de vida útil do material em questão” e “economizar o processo de armazenamento”, por forma a ser posteriormente injetado “na forma de partículas em suspensão”.
Com um material injetável “elimina-se a necessidade de cirurgias invasivas a pacientes com dor lombar e diminui-se o tempo de intervenção, de recuperação e de hospitalização”.
“Este biomaterial tem também a vantagem de poder ser produzido de uma forma simples, segura, acessível e passível de ser escalonável”, refere a investigadora.
Joana Caldeira salienta ainda que, quanto mais cedo for realizada a intervenção, maior deverá ser o seu potencial, podendo “proporcionar um efeito preventivo”.
“A equipa antevê ainda que este biomaterial possa ter uma aplicação mais abrangente em doenças degenerativas da cartilagem que afetam outras articulações nomeadamente do joelho, anca e ombro”, acrescenta o instituto da Universidade do Porto.
No âmbito do programa ‘Women TechEU’, da Comissão Europeia, a ‘startup’ recebeu um financiamento de 75 mil euros, que vai permitir validar o biomaterial em ensaios pré-clínicos e consolidar o modelo de negócio.
O programa europeu visa promover o empreendedorismo feminino na área da tecnologia. Este ano, a iniciativa financiou 134 empresas de base tecnológica, sete das quais em Portugal.
LUSA/HN
24/05/2023
Um acidente de bicicleta há 12 anos deixou Gert-Jan Oskam paralisado totalmente das pernas e parcialmente dos braços, depois de a sua medula espinal ter ficado danificada na zona do pescoço.
Agora, Gert-Jan Oskam consegue ficar de pé, andar, subir escadas e, até, atravessar terrenos complexos devido a um dispositivo que cria uma “ponte digital” entre o seu cérebro e os nervos abaixo da lesão, refere a Nature, salientando que o holandês recuperou a capacidade de andar com muletas mesmo quando o dispositivo estava desligado.
O dispositivo, chamado interface cérebro-medula, baseia-se num trabalho anterior do neurocientista francês Grégoire Courtine, que trabalha no Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Lausanne.
Courtine e colegas demonstraram num ensaio em 2018 que, quando combinada com treino intensivo, a tecnologia que estimula a parte inferior da coluna com impulsos elétricos pode ajudar pessoas com lesões na medula espinal a voltarem a andar.
Gert-Jan Oskam participou no ensaio, mas passados três anos as melhorias verificadas estabilizaram.
O novo dispositivo, melhorado pela equipa de Courtine, faz uso do implante na medula que Oskam já tinha e combina-o com dois implantes em forma de disco que foram inseridos no seu crânio para que duas redes de 64 elétrodos fiquem contra a membrana que cobre o cérebro.
Segundo a Nature, quando Oskam pensa em andar, os implantes no crânio detetam atividade elétrica no córtex, a camada externa do cérebro. O sinal é transmitido sem fios e descodificado por um computador que Oskam usa numa mochila e que transmite as informações para o implante que estimula a medula com impulsos elétricos.
Depois de cerca de 40 sessões de reabilitação com o interface cérebro-medula, Gert-Jan Oskam recuperou a capacidade de mexer voluntariamente as pernas e os pés, o que, de acordo com a equipa do neurocientista francês Grégoire Courtine, indicia que houve uma maior recuperação das células nervosas que não ficaram completamente danificadas com a lesão na medula espinal.
“Antes, a estimulação controlava-me. Agora, sou eu que controlo a estimulação com o meu pensamento. Quando decido dar um passo, a estimulação entra em ação assim que penso nisso”, afirmou Oskam, citado pela Nature.
De acordo com o neurocientista Grégoire Courtine, Gert-Jan Oskam “tem o controlo total sobre o parâmetro de estimulação, o que significa que pode parar, andar, subir escadas”.
Um dos dois implantes inseridos no crânio de Oskam teve de ser removido ao fim de cerca de cinco meses por causa de uma infeção.
Contudo, a neurocirurgiã Jocelyne Bloch, que implantou o dispositivo, considera que os riscos são pequenos quando comparados com os benefícios.
“Há sempre um pequeno risco de haver infeções ou hemorragias, mas são tão pequenos que vale a pena o risco”, sustentou, citada pela revista Nature.
A equipa de Grégoire Courtine pretende testar no futuro se um dispositivo semelhante poderá recuperar movimentos de braços e mãos.
LUSA/HN
29/04/2023
“Estas bactérias vivem normalmente nas folhas ou no solo”, explicou na sexta-feira Florent Rossi, autor principal do estudo, numa entrevista via telefone à AFP. “Descobrimos que eram transportadas pelo vento para a atmosfera e que podiam percorrer longas distâncias, chegando mesmo a atravessar o globo a grande altitude graças às nuvens”, acrescentou.
Para chegar a estas conclusões, investigadores da Universidade Laval, na cidade do Quebeque, no Canadá, e da francesa Universidade de Clermont Auvergne, utilizaram aspiradores de elevada potência para recolher, entre setembro de 2019 e outubro de 2021, amostras de nuvens que se formam sobre o Puy de Dôme, um vulcão adormecido no centro de França.
A partir da estação de investigação atmosférica, situada a 1.465 metros de altitude, os cientistas analisaram as amostras, à procura de genes resistentes a antibióticos.
O resultado foi que as nuvens continham entre 330 e mais de 30.000 bactérias por mililitro de água, com uma média de cerca de 8.000 bactérias por mililitro.
Foram também identificados 29 subtipos de genes resistentes a antibióticos nas bactérias.
Com a utilização generalizada de antibióticos não apenas nos cuidados de saúde, mas também na agricultura, este tipo de estirpe representa um “grande problema global de saúde”, é referido no estudo.
Repetidamente, as autoridades sanitárias mundiais sublinharam os riscos associados a estas bactérias, que estão a tornar cada vez mais complexo o tratamento de certas infeções.
O estudo não apresenta, no entanto, conclusões sobre os potenciais efeitos para a saúde da propagação na atmosfera de bactérias portadoras de genes de resistência aos antibióticos, estimando que apenas cinco a 50% destes organismos poderão estar vivos e potencialmente ativos.
“A atmosfera é um grande desafio para as bactérias e a maioria das que encontrámos eram bactérias ambientais”, menos suscetíveis de serem prejudiciais para os seres humanos, acentuou Florent Rossi.
O investigador ironiza não existir a necessidade “de nos preocuparmos em andarmos à chuva”, realçando que “não sabemos se estes genes podem ser transmitidos a outras bactérias”.
Uma monitorização atmosférica aprofundada poderia permitir localizar a origem destas bactérias e, assim, “limitar a sua dispersão”, sugere o investigador, dando como exemplo as análises de águas residuais destinadas a detetar a presença da covid-19 e de outros agentes patogénicos.
O estudo foi publicado na edição de março da revista Science of The Total Environment.
NR/HN/Lusa
28/04/2023
“Este estudo permitiu entender com mais detalhe o processo molecular de transferência de resistência a antibióticos dentro do corpo humano e os desafios que enfrentamos no seu combate”, adiantou à agência Lusa Tiago Costa, investigador no Centre for Bacterial Resistance Biology do Imperial College London.
Na prática, o grupo de investigação da universidade britânica apurou que as bactérias que colonizam o intestino humano conseguem construir estruturas para se ligarem entre si e transferirem ADN, permitindo-lhes, através desse processo, ganhar uma maior resistência aos antibióticos.
No final de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que a resistência bacteriana a antibióticos está entre as 10 principais ameaças à saúde pública global, salientando a sua “grande preocupação” com as infeções sanguíneas em contextos hospitalares.
No seu relatório sobre o sistema de vigilância, a OMS sublinhou que a medicina moderna depende de medicamentos antimicrobianos eficazes, mas alertou que foram registadas altas taxas de infeções resistentes em toda uma ampla gama de microrganismos nas várias regiões da OMS.
“O nosso próximo desafio passa por identificar, em parceria com a indústria farmacêutica, novos compostos químicos que consigam desmantelar esta estrutura e, dessa forma, inibir o processo de proliferação da resistência entre bactérias e a formação de biofilmes”, explicou o académico português.
A equipa liderada por Tiago Costa dedica-se a investigar como é que as bactérias conseguem transferir DNA entre elas, permitindo-lhes reforçar a sua resistência aos antibióticos.
Este trabalho, agora publicado na revista científica Nature Communications, demonstrou que bactérias como E. coli que colonizam o intestino humano constroem uma superestrutura tubular chamada “F-pilus” na superfície da célula para ligar várias células bacterianas.
Estas estruturas moleculares, formadas por proteínas e lípidos, “são cruciais para a transferência de genes que codificam para a resistência a antibióticos”, explicou o investigador, ao adiantar que, até agora, pensava-se que as condições extremas no interior do corpo humano, como a turbulência, a temperatura e a acidez, degradavam esta estrutura, fazendo com que a resistência aos antibióticos fosse mais difícil de disseminar entre as bactérias.
“O nosso artigo demonstra que bactérias desenvolveram esta superestrutura com capacidades únicas capazes de resistir em ambientes extremos e, desta forma, acelerar a transferência da resistência a antibióticos entre elas”, salientou Tiago Costa.
Os investigadores descobriram ainda que estas bactérias utilizam esta estrutura para criar comunidades bacterianas, chamadas biofilmes, que as protegem da ação dos antibióticos.
Os cientistas do Imperial College London utilizaram técnicas avançadas de microscopia eletrónica, que permitiram visualizar e estudar em grande detalhe essas estruturas e entender os princípios que estão por detrás desses mecanismos.
Segundo Tiago Costa, em 2019, a resistência antimicrobiana foi associada a 4,9 milhões de mortes a nível mundial, cerca de 1,3 milhões diretamente atribuídas a infeções causadas por bactérias resistentes a antibióticos.
Essa resistência deve-se, em termos gerais, à fraca prevenção e controlo em meio hospitalar, falta de investimento da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos antibióticos e insuficiente monitorização global das infeções bacterianas, adiantou.
“Para combater esta nova epidemia temos de criar uma estratégia global que leve a uma prevenção antecipada das infeções, um diagnóstico rápido e preciso do agente infeccioso, seguido de uma prescrição adequada e efetiva do antibiótico necessário”, alertou ainda Tiago Costa.
Mais de 35 mil pessoas morreram por ano na Europa, entre 2016 e 2020, devido a infeções motivadas por resistência a medicamentos antimicrobianos, segundo um relatório do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) divulgado em novembro de 2022.
De acordo com o ECDC (sigla em inglês), cujas estimativas divulgadas abrangem os países do Espaço Económico Europeu, o impacto da resistência antimicrobiana na saúde é comparável ao da gripe, tuberculose e sida no seu conjunto.
NR/HN/Lusa
28/04/2023
O projeto, que integra 20 grupos de investigação canadianos e quatro grupos europeus, visa “desenvolver metodologias para tratar certo tipo de doenças neurológicas associadas à perda de neurónios, intervindo diretamente no cérebro dos doentes, mais especificamente no local onde se verificou a lesão”, adianta hoje, em comunicado, o instituto da Universidade do Porto (i3S).
Apesar de ainda não existir cura para os distúrbios neurológicos associados à perda ou disfunção neuronal, o i3S destaca que a reprogramação neuronal direta [metodologia assente na conversão de outras células em neurónios] é “cada vez mais encarada como uma estratégia promissora para reparar o cérebro em situações patológicas associadas à perda de neurónios”, como no caso das doenças neurodegenerativas ou acidentes vasculares cerebrais.
“Na base desta ideia estão resultados encorajadores de experiências desenvolvidas em células em cultura, e que usam proteínas, chamadas fatores de transcrição, para ligar e desligar genes que dão às células características de neurónios”, assinala.
No decorrer do projeto, que tem a duração de seis anos, os investigadores vão procurar “efetuar a reprogramação neuronal diretamente no cérebro”, mas, para que tal seja possível, é preciso “ultrapassar algumas barreiras”.
Com recurso a modelos animais, os investigadores vão tentar identificar o “conjunto de fatores de transcrição ideal para obter determinados tipos de neurónios, “desenvolver metodologias para colocar os fatores dentro das células cerebrais que tencionam reprogramar e encontrar formas de avaliar o sucesso da reprogramação neuronal”, através de técnicas de imagiologia do funcionamento cerebral.
“O objetivo a longo prazo é conceber aplicações clínicas para reprogramação neuronal diretamente no cérebro dos pacientes, mais especificamente na zona onde houver perda de neurónios, gerando novos neurónios a partir de células residentes do cérebro adulto, nomeadamente os astrócitos”, esclarece, citado no comunicado, o investigador Diogo Castro, coordenador da equipa do i3S que integra o projeto.
Ainda que esse seja o objetivo, é necessário, inicialmente, fazer uma “prova de conceito em modelos pré-clínicos”.
“Os astrócitos, pela sua plasticidade, abundância e localização, são o candidato ideal para este efeito, já que podem ser convertidos em neurónios com relativa facilidade e se encontram disseminados por todo o órgão”, acrescenta Diogo Castro, líder do grupo Stem Cells & Neurogenesis do i3S, que tem vindo a desvendar como funcionam os fatores de transcrição envolvidos na geração dos neurónios durante o desenvolvimento embrionário.
Neste consórcio, os investigadores do i3S vão ajudar no mapeamento dos locais de ligação dos fatores de transcrição ao genoma dos astrócitos durante a reprogramação neuronal.
Coordenado pelo Sunnybrook Research Institute (Canadá), o projeto foi financiado com mais de 16 milhões de euros pelas três agências governamentais canadianas para a investigação: Canadian Institutes of Health Research (CIHR), Natural Sciences and Engineering Research Council (NSERC) and Social Sciences and Humanities Research Council (SSHRC).
A equipa do i3S irá receber cerca de 750 mil euros.
LUSA/HN