O estudo, publicado no Journal of Applied Microbiology (Revista de Microbiologia aplicada, em tradução livre), conseguiu isolar, no queijo artesanal do Pico, bactérias do ácido láctico capazes de baixar o colesterol e a histamina, uma substância que pode causar intoxicações alimentares, e que podem ser usadas como probióticos.
Célia Silva, uma das cientistas responsáveis por esta investigação, explicou à Lusa que “os queijos produzidos com leites não pasteurizados, leite cru, podem possuir propriedades benéficas para a saúde” e que “o trabalho que foi agora publicado insere-se num projeto mais amplo, que se baseia na procura das bactérias benéficas que existem nestes queijos açorianos”, como o do Pico ou o de São Jorge.
“Há vários trabalhos anteriores que já têm mostrado que o consumo de produtos fermentados com essas bactérias pode reduzir o colesterol nas pessoas. O objetivo era esse mesmo: isolar bactérias que tivessem esse efeito benéfico e que pudessem, no futuro, ser utilizadas como probióticos na redução do colesterol”, concretizou.
Com este estudo, pretendem mostrar que é possível “usar essas bactérias, que são bactérias seguras, que sempre foram utilizadas na alimentação humana, em alimentos probióticos, ou seja, que contenham microrganismos vivos que podem colonizar o intestino”.
Os testes demonstraram que “estas bactérias têm uma grande afinidade com células intestinais”, adiantou Célia Silva.
Por isso, podem ser utilizadas no “mercado probiótico, que se estima que alcance 57,4 mil milhões de dólares em 2022”, como evidencia o artigo.
“Também estudámos a redução da histamina, que é um composto produzido pelo nosso sistema imunitário, mas também pode estar presente nos alimentos, e pode induzir a intoxicações alimentares. A vantagem de ter essas bactérias no nosso intestino é que elas reduzam, metabolizem, a histamina e, portanto, reduzam, também, essas intoxicações alimentares”, explicou.
Neste tipo de queijos artesanais, “como não é possível controlar que tipo de bactérias estão presentes, não se sabe, à partida, se terão essas bactérias benéficas ou não”, mas, “em princípio, existem vários ‘lactobacillus’ que têm a capacidade de reduzir o colesterol”, referiu a cientista, que quer quebrar o ‘mito’ de que o queijo tem efeitos negativos no colesterol.
“É possível, e já tem sido demonstrado, que o consumo deste tipo de queijos pode reduzir o colesterol. Não uma grande redução, mas contribui para a redução do colesterol, nomeadamente a LDL [sigla em inglês para lipoproteína de baixa densidade], designado como ‘mau colesterol’”, adiantou.
Quanto aos benefícios destes queijos, como o de São Jorge e do Pico, a professora ressalva que “o queijo produzido com leite não pasteurizado tem sempre os seus riscos, um deles, o mais conhecido, é a presença de ‘Listeria’ [bactéria responsável pela listeriose]”.
“No caso do queijo do Pico, que tem um tempo de cura muito curto, não está garantido, à partida, que não possa conter ‘Listeria’, embora todas as nossas análises têm apontado que não tem aparecido ‘Listeria’ nos queijos, com a melhoria das condições de higiene”, mencionou.
Ainda assim, Célia Silva considera que, “para as pessoas comuns, este queijo pode trazer mais benefícios do que problemas”, alertando, no entanto, que “pessoas mais sensíveis, que tenham o sistema imunitário comprometido, ou grávidas, não devem consumir este tipo de queijo”.
A cientista adiantou, ainda, que tem outros trabalhos “prestes a ser publicados” em que se estudou o uso destas “bactérias na produção de manteiga com baixo teor de colesterol”.
Estes resultados permitem a utilização destes micro-organismos “a nível tecnológico para reduzir o teor de colesterol de certos alimentos”, o que “pode ter um efeito benéfico na indústria alimentar e na indústria dos laticínios dos Açores”, concluiu a professora.
O estudo publicado, em junho, no Journal of Applied Microbiology foi realizado por Marina Domingos-Lopes e Célia Silva, do Instituto de Investigação e Tecnologias Agrárias e do Ambiente dos Açores (IITAA), da Universidade dos Açores, por Catherine Stanton, do Teagasc Moorepark Food Research Centre, em Cork, e Reynolds Ross, do APC Microbiome Institue da University College Cork.
LUSA/HN
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