Dia da Saúde Mental: “72% das pessoas que reconheceram a necessidade de tratamento não o iniciaram”

10/10/2020
O final de 2019 e 2020 têm sido particularmente impactantes na vertente da saúde mental graças à atual pandemia de Covid-19. Os estudos revelam que uma em cada 10 pessoas vive com um transtorno mental e que uma em cada quatro sofrerá um transtorno mental em algum momento da sua vida. No entanto, mais de metade das pessoas com transtorno mental que necessitam de tratamento não o recebem. Ao todo, estas patologias mentais afetam 700 milhões de pessoas em todo o mundo, o que equivale a 13% da carga global com doenças.

No Dia Mundial da Saúde Mental, celebrado este sábado, a HealthNews conversou com a Counrty Manager de Portugal para a Lundbeck, uma das poucas farmacêuticas no mundo que se dedica em exclusivo à investigação e fabrico de medicamentos e terapêuticas para os distúrbios mentais, e que quer reforçar o seu compromisso com estes doentes. A empresa celebrou a véspera da efeméride com uma iniciativa interna, em que desafiou os seus colaboradores a partilharem os desejos para o futuro da área num gigante laço verde (cor da saúde mental).

HealthNews: Quando falamos em transtorno mental, de que estamos a falar exatamente?

Sara Barros: Transtornos mentais (ou doenças mentais) são condições que afetam o pensamento, sentimento, humor e comportamento. Eles podem ser ocasionais ou de longa duração (crónicos) e podem afetar a capacidade de nos relacionarmos com os outros e o funcionamento no dia a dia.

HN: Refere que mais de metade das pessoas que sofre de um transtorno mental não recebe tratamento. Isto acontece porquê?

SB: Os sintomas da depressão, por exemplo, fazem desta doença um dos problemas mais difíceis de diagnosticar. O desafio começa no próprio doente que, ao defrontar-se com a sensação de tristeza, pessimismo, baixa autoestima ou dificuldades de concentração e memória, nem sempre consegue identificar se se trata de um transtorno de humor que merece e exige tratamento.

Os resultados do estudo demonstram que 72% das pessoas que reconheceram a necessidade de tratamento não o iniciaram. As razões que estão na base são variadas e passam por obstáculos como as preocupações com a estigmatização e dúvidas sobre a eficácia do tratamento. Muitos doentes ainda pensam que certos medicamentos podem causar dependência ou que poderão ser prejudiciais para a sua saúde. Não querer reconhecer a doença e pensar que poderão resolver sozinhos o problema é, infelizmente, também muito comum. É urgente investir em ações que promovam a literacia em saúde da nossa população para que as inovações terapêuticas possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Mas também o atraso na resposta dos serviços de saúde é uma questão que tem de ser debatida com seriedade. Abordar estas principais barreiras aumentará a probabilidade de que milhões de pessoas com transtorno mental possam receber o tratamento necessário para a sua condição.

HN: Quais são os principais obstáculos às terapias para a saúde mental, e como podemos eliminá-los? 

SB: Existem muitas dificuldades na abordagem dos doentes com transtornos mentais que exigem um debate sério e propostas claras para melhorar os cuidados de saúde mental.

É reconhecido que a articulação dos serviços de saúde mental com os cuidados de saúde primários é deficiente pela falta de acessibilidade, comunicação e atraso na resposta. Isso reflete-se também no acesso às terapêuticas mais inovadoras.

No caso dos antipsicóticos, por exemplo, vivemos uma realidade que reflete uma séria falta de equidade no acesso a estes medicamentos.

A luta que a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental trava com a proposta de alteração do regime de comparticipação para 100% de alguns tratamentos, para que estes se tornem acessíveis a todos os doentes, como é já o caso de algumas doenças crónicas como a psoríase, artrite reumatoide, esclerose múltipla ou hepatite C, é outro exemplo.

A fragilidade e vulnerabilidade de quem sofre de doença mental deve exigir de todos nós um esforço conjunto para garantir a melhoria de seu bem-estar e saúde. Noticia-se que a cada 5 portugueses 1 sofre ou já sofreu de doença mental. Isso acarreta um verdadeiro desequilíbrio social e financeiro no país. Mas o pior é o sofrimento de milhares de pessoas e respetivos cuidadores e famílias que devem ser a prioridade de todos nós.

HN: Qual pode ser o impacto de um transtorno mental não tratado?

SB: Quando não tratadas, estas pessoas correm alto risco de uma série de consequências negativas que afetam profundamente os próprios e as suas famílias, como o suicídio, a violência familiar, desemprego ou abuso de substâncias. O impacto humano, social e económico de não tratar doenças mentais está além de qualquer cálculo. Quanto mais tempo as pessoas com distúrbios mentais graves ficam sem tratamento, mais incertas se tornam as suas perspetivas de recuperação a longo prazo. Estudos recentes sugerem também que o tratamento precoce pode levar a melhores resultados clínicos, enquanto o adiamento do tratamento leva a piores resultados. É crucial investir na prevenção das recaídas e hospitalizações porque a cada agudização da doença as possibilidades de recuperação vão sendo cada vez menores.

HN: Quais são os últimos avanços da Lundbeck em termos de medicação/tratamentos para questões de saúde mental?  

SB: A Lundbeck é uma das únicas empresas farmacêuticas do mundo dedicada exclusivamente à investigação e desenvolvimento de medicamentos inovadores para doenças mentais. Esta é das áreas terapêuticas que requer mais tempo e tem uma das maiores taxas de falhas, o que contrasta com outras companhias que desviaram os seus recursos para outras patologias que oferecem melhores perspetivas de retorno do investimento. Existem ainda muitas necessidades não satisfeitas em patologias como a depressão, esquizofrenia, transtorno bipolar, doença de Alzheimer ou a doença de Parkinson.

Na Lundbeck estamos inteiramente dedicados a restaurar a saúde mental, para que cada pessoa possa estar no seu melhor. E hoje colocamos no mercado novas opções terapêuticas, mais inovadoras, mais eficazes e com um perfil de segurança mais vantajoso, fruto da investigação contínua ao longo dos últimos anos.

A questão dos efeitos secundários é fundamental para a adesão à terapêutica antidepressiva e atualmente os medicamentos disponíveis já nada têm a ver com os que se utilizavam há 20 anos. No entanto, todos os dias nos esforçamos para melhorar o tratamento e contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem com doença mental e neurológica.

HN: Para além das inovações em terapia e medicação, como tem Lundbeck ajudado a combater os transtornos mentais, e como podem outras companhias fazer a diferença?

SB: Com a nossa posição única como especialistas em psiquiatria e neurologia, podemos aumentar a consciencialização sobre as doenças mentais e desafiar a agenda internacional para uma aceitação mais ampla dos doentes, para que venham a ter mais oportunidades para um melhor tratamento.

Na Lundbeck questionamo-nos: porque é que as pessoas com doenças mentais vivem menos 10 a 20 anos do que as outras? Porque é que mais de 70% das pessoas que vivem com doenças mentais sofrem discriminação? Por todas estas questões mantemos um compromisso com a consciência social e a melhoria do conhecimento de toda a sociedade, com o objetivo de erradicar o estigma e a exclusão social. Assim, podemos contribuir para o diagnóstico precoce, o acesso ao tratamento e à adesão à terapêutica, pilares fundamentais para a recuperação completa dos doentes.

Entrevista de João Marques

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