Ao contrário das equipas seniores, já em competição, as provas dos escalões de formação das modalidades coletivas, incluindo o futebol, o desporto com mais recursos financeiros em Portugal, estão suspensas desde março, devido à pandemia de Covid-19, situação que pode abalar a saúde mental dos atletas envolvidos.
“Isto tem sido uma ‘montanha russa’ em termos emocionais. Há uma grande situação de incerteza desde o início da pandemia. Esta incerteza leva à ansiedade, a alguma confusão, a algum desapontamento, à exaustão e, nalguns atletas, até à frustração e à revolta, por não poderem fazer aquilo de que gostam”, refere à Lusa o psicólogo Jorge Silvério.
Doutorado em Psicologia do Desporto pela Universidade do Minho, Jorge Silvério, que já trabalhou com várias federações portuguesas e ainda com o Sporting de Braga e o Penafiel, admitiu que a interrupção pode ter “repercussões a médio e longo prazo” no desporto jovem, que só poderão ser mais bem compreendidas quando a pandemia terminar.
O especialista defendeu, por isso, a necessidade de se “proteger” o desporto, por ser uma “atividade essencial” para a “saúde física e mental” e pelas eventuais “consequências negativas” da interrupção competitiva.
“Quando dizia que um dos problemas era a ansiedade e depois até alguns sintomas mais depressivos, o desporto ajuda-nos a lidar com isso. O desporto tem um papel positivo, que deveria ser ainda mais realçado e encorajado”, vinca.
O psicólogo teme ainda o “risco enorme de desistências” que advém da paragem das competições de formação, ainda para mais em Portugal, país com “níveis de prática de desporto muito baixinhos” entre a população – segundo dados do Eurostat de março de 2019, 45% da população portuguesa com 16 ou mais anos de idade praticava cinco ou mais horas de exercício físico por semana.
“Não temos números [de desistências] em Portugal, mas, nos Estados Unidos, o que está mais ou menos estudado é que cerca de 30% dos atletas não pretende retomar a atividade desportiva. Em Portugal, os números, se calhar, não serão muito diferentes destes. Temos aí mais um problema que a pandemia nos vai trazer”, compara.
A interrupção das provas de formação perdura há oito meses, tempo “mais do que suficiente” para gerar “consequências neurofisiológicas” e problemas no “desenvolvimento maturacional” dos jovens parados, refere à Lusa o coordenador do gabinete de futebol da Escola Superior de Desporto de Rio Maior (ESDRM), João Paulo Costa.
“As práticas desportivas, ao serem diminuídas, fazem com que se aumente a possibilidade de um stress que deriva da falta de interação social e de gastos energéticos de que precisamos para extravasar o treino diário”, explica.
Académico e treinador de futebol, com uma passagem pelos angolanos do Recreativo de Libolo, em 2015 e 2016, João Paulo Costa salienta que o desporto contribui para a “melhoria da mobilidade em termos físicos”, para o “bem-estar psicológico” e até para evitar a “perturbação do próprio sono”, avisando para as consequências “nocivas” da interrupção em curso.
“Quando falamos de formação, falamos em fases sensíveis de desenvolvimento, falamos em picos de crescimento em altura e nas ‘janelas de oportunidade’ para que se possam desenvolver determinadas competências e aprendizagens. Se não estamos a potenciar os nossos jovens nesses momentos, estamos a gerar um conjunto de perdas e de atrofias, não só musculares, como neurofisiológicas”, assumiu.
O especialista critica ainda a “desvalorização da prática desportiva em contexto escolar”, por considerar que se perde aí uma oportunidade para reforçar a capacidade dos jovens comunicarem e se relacionarem, algo que vê em perda devido ao crescente uso de tecnologias como ‘smartphones’, com potenciais “lesões ao nível da visão”.
LUSA/HN
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