Filipe Froes: “O maior efeito adverso desta vacina é não a tomarmos”

01/12/2021
Recusar ou duvidar das vacinas contra a Covid-19 é quase um disparate para o pneumologista e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos. Filipe Froes diz à HealthNews que pôr em causa o processo das vacinas “significa que colocamos em causa a segurança de todas as outras vacinas que usamos habitualmente”, garantido que “nada foi diferente do que o habitual”. Alerta que ao contrário do que muitos pensam os efeitos da vacinação vão demorar.

A esperança de muitos chegou à União Europeia no dia 27 de dezembro, dia em que vários estados-membro arrancaram o plano de vacinação contra a Covid-19. O aparecimento da vacina significa o fim da pandemia ou é apenas um interregno entre estirpes?

Significa o início da possibilidade de combatermos a pandemia com a maior eficácia, de maneira a reduzir o seu impacto ao longo do ano. Temos que perceber que estas vacinas que estamos a administrar apenas nos permitem, eventualmente, começar a obter resultados no segundo semestre deste ano.

Como avalia este início de vacinação?

O início da vacinação correu bem porque iniciou-se nos profissionais de saúde a nível hospitalar, ou seja, não foi nada de novo em relação a vacinações anteriores. Foi uma opção sensata começar por estes profissionais porque são pessoas que: já estão habituadas a lidar com a vacinação e que recebem habitualmente todos os anos vacinas.

Tem ainda outra vantagem, do ponto de vista logístico, as vacinas estarem no sítio onde iam ser administradas. O grande teste a esta campanha de vacinação em massa, como nunca foi antes efetuada em Portugal, vai ser quando começamos a vacinar pessoas com mais de cinquenta anos e com uma das quatro patologias de risco identificadas no Plano Nacional de Vacinação. Esse é que vai ser o grande teste.

Foi com muita rapidez que vimos a chegada das vacinas. Como se explica alguma reserva que se vai percebendo relativamente à segurança das mesmas?

Se é legítimo termos dúvidas, e as dúvidas são sempre legítimas, temos, também, que ter humildade e predisposição para as esclarecer junto das entidades com mais informação.

A conjugação de estarmos em pandemia, termos a capacidade de avaliar o impacto da doença, termos uma grande capacidade de recrutar voluntários e termos verbas como nunca antes vimos fez com que diferentes fases do processo tivessem decorrido em menos tempo.

Do ponto de vista de entidades reguladoras, a importância do momento que se está a viver fez com que este assunto tivesse prioridade e tivesse absorvido meios, que habitualmente estão dispersos por outras situações, facilitando e aliviando os mecanismos burocráticos da sua aprovação.

Temos que ter uma noção muito clara: estas vacinas foram aprovadas pela mesma maneira e pelas mesmas entidades que aprovam todos os outros medicamentos que usamos. Pôr em causa o processo das vacinas significa que colocamos em causa a segurança de todas as outras vacinas e medicamentos que usamos habitualmente.

A grande diferença é que a vacina contra a Covid-19 surgiu em menos de um ano…

Esta vacina demorou o tempo que estas circunstâncias proporcionaram. Se nós quisermos desenvolver uma vacina para uma doença temos primeiro que avaliar a carga da doença. Muitas vezes esta avaliação demora dois ou três anos. Estamos em pandemia, a carga da doença já está avaliada, portanto não foi necessário perder esse tempo. Para fazer um processo de avaliação da vacina é preciso fazer estudos e recrutar voluntários. O processo de recrutamento é algo que demora habitualmente alguns anos… já fiz vários estudos em que muitas vezes ao fim de três meses temos cinco ou seis voluntários. Em pandemia, em poucas semanas, reuniram-se entre quarenta e cinquenta mil voluntários. Portanto, todo esse período de tempo foi abreviado. Finalmente, no processo de desenvolvimento de vacinas, muitas vezes é preciso angariar verbas para poder realizar todos estes passos. Em pandemia, as entidades interessadas – como é o caso dos Governos- avançaram com o investimento económico previamente. Isto significa que nada foi diferente do que o habitual. O que houve foi condições diferentes que permitiram acelerar as diferentes fases do processo.

Mas não poderão estar a ser dados sinais contraditórios por parte das entidades de saúde, tendo em conta que a diretora-geral da DGS admitiu, recentemente, que “a vacina não é 100% eficaz”, alertando que nem todas as pessoas vacinadas “vão ficar imunizadas”?

O que quer dizer é que o que se passa com esta vacina é o que se passa com todas as outras. Não há nenhuma vacina 100% eficaz. Infelizmente a eficácia da vacina depende das características do hospedeiro. À medida que vamos envelhecendo a nossa capacidade de gerar uma resposta eficaz, provocada pela vacina, também vai diminuindo. E dou-lhe o exemplo da vacina da gripe. Esta vacina tem uma eficácia de 40 a 50%. Não temos nenhuma vacina nos adultos 100% eficaz. Portanto, esse mito que as vacinas têm de ser 100% eficazes não existe, só revela desconhecimento da vacinologia.

Significa que os benefícios da toma da vacina contra o novo coronavírus sobrepõem-se aos riscos?

Os riscos são idênticos ao das outras vacinas e medicamentos. Os benefícios são imensos. Eu diria que o maior efeito adverso desta vacina é não a tomarmos e ficarmos à mercê de contrairmos uma infeção que é responsável por, a nível individual e coletivo, um impacto muito superior. Posso dar um exemplo, a nível global somos capazes de ter nesta altura dez milhões de pessoas vacinadas. Não há ninguém neste universo que tenha falecido por esta vacina. Se estes dez milhões de pessoas tivessem contraído a vacina, de acordo com a taxa de letalidade global, tinham falecido 220 mil e em Portugal 170 mil. É esta a vantagem. É este o benefício. É este o risco.

Há conhecimento de algum evento grave?

Há efeitos graves como há em todas as vacinas. Eu tenho doentes que têm reações de hipersensibilidade a todos os medicamentos. Tenho doentes que são alérgicos à penicilina. O que existe em relação a esta vacina já existia em relação a outros medicamentos. Há sempre pessoas que têm efeitos adversos e, portanto, as vacinas não são a exceção. Só quem não vê doentes é que não tem este conhecimento.

Sobre a possibilidade de alguns governos atrasarem a segunda dose da vacina, não considera que esta decisão poderá colocar em causa a imunidade de grupo?

Quando os Governo tomam essa medida baseiam-se em duas características essenciais: não prejudicar o calendário de vacinação individual e ao mesmo tempo aumentar a primeira toma da vacina, de maneira a garantir uma maior proteção inicial, contribuindo para uma imunidade de grupo. Quando os Governos tomam essas medidas têm fundamentação científica, sobretudo, para aumentar a proteção individual e coletiva da população. O que nós precisamos nesta altura é aumentar a taxa de cobertura vacinal, porque mesmo não tendo uma eficácia tão grande a rondar os 90% após a segunda toma, a primeira toma (no caso da vacina da Pfizer) garante ao fim de duas semanas uma eficácia de 52%. Isto significa que se tivermos maior capacidade de ter mais pessoas protegidas mesmo com apenas 52% e que possamos alargar alguns dias a segunda toma, sem prejudicar o próprio estamos a fazer aquilo que pretendemos: proteger mais nesta altura e garantir a imunidade de grupo na altura certa.

A comunidade científica tem vindo a assistir a um fenómeno que cada vez ganha mais força: falo dos grupos anti vacina. Como pode ser combatido este fenómeno? 

Felizmente em Portugal estes grupos não têm uma grande expressão. No entanto, este fenómeno tem que ser tratado com pedagogia e muita paciência. As pessoas que têm mais conhecimento têm-no porque sabem duvidar do próprio conhecimento para o tornar mais forte. Os movimento anti vacinas caracterizam-se por pessoas que perderam a capacidade de se questionar e duvidar do seu próprio conhecimento. Isso obriga-nos a um trabalho extra de: com toda a evidência disponível demonstrar-lhes que as dúvidas que têm não têm qualquer fundamentação científica. No caso das vacinas provavelmente muitos deles e muitos filhos deles estão vivos porque as vacinas foram um dos maiores avanços civilizacionais na história da humanidade. Eles próprios beneficiaram.

Entrevista por Vaishaly Camões

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