Bolsonaro “negacionista” cometeu crime contra a humanidade, diz médico

14 de Março 2021

O médico neurocientista brasileiro Miguel Nocolelis considera que o Presidente do Brasil cometeu crimes contra a humanidade pela sua resposta negacionista à pandemia de Covid-19 e deveria ser julgado pelo Tribunal Internacional de Justiça, em Haia.

“O crime cometido pelo Presidente da República, na minha opinião, é um crime contra a humanidade, que deveria ser julgado no Tribunal Internacional de Haia”, afirmou o médico, em entrevista à Lusa.

“Nós estamos falando, segundo pesquisadores brasileiros de renome internacional na área de epidemiologia e saúde pública como o professor Pedro Hallal (…) que quatro de cada cinco mortes no Brasil poderiam ter sido evitadas”, acrescentou.

O neurocientista brasileiro, que liderou um comité científico criado para responder aos problemas da pandemia pelos governadores da região nordeste e que é também professor da Universidade de Duke (EUA), acredita que o Brasil está à beira de uma calamidade sanitária sem precedentes porque a pandemia nunca foi levada a sério pelos governantes.

“Acho que a responsabilidade maior, sem dúvida nenhuma desproporcionalmente maior, é do Presidente da República e do Governo Federal (…) A pandemia nunca foi tratada como prioridade e nunca foi dada a devida atenção”, argumentou.

“Eu não sou jurista, mas na minha visão de leigo [a ação de Bolsonaro] pode ser tipificada e qualificada como omissão de socorro a nível de todo o país”, completou o clínico.

Desde que o primeiro caso foi registado no Brasil, no final de fevereiro, Bolsonaro tem dado declarações para minimizar a doença, que já classificou de “gripezinha”, promoveu aglomerações e incentivou a população a não cumprir medidas de distanciamento social por entender que a economia do país não pode parar e é preciso voltar ao que considera ser “vida normal”.

O chefe de Estado brasileiro também colocou a eficácia de algumas vacinas em causa, notadamente a produzida pelo laboratório chinês Sinovac que é aplicada no país, além de se ter manifestado inúmeras vezes contra a obrigatoriedade do uso de máscaras.

Para explicar a tragédia que o Brasil enfrenta, Nicolelis fez questão de lembrar que o país nunca registou um evento que causou 300 mil óbitos, marca que, no seu entender, será alcançada até ao final de março.

“Esse nível de responsabilidade, civil e criminal, primeiramente é focada no Governo Federal. Você tem, evidentemente, governadores da região sul, centro-oeste e norte, que ignoraram completamente qualquer tipo de norma ou preceito científico porque são apoiantes do Governo Federal ou porque são igualmente negacionistas”, avaliou.

O Brasil já registou mais de 275 mil mortes provocadas pela Covid-19 e pelo menos 11,2 milhões de casos confirmados.

Na última sexta-feira, a primeira morte provocada pela doença no Brasil completou um ano com o país a atingir pela primeira vez a marca de mais de duas mil mortes diárias.

“O país está à beira de um colapso sanitário em todas as regiões. A vasta maioria das capitais, 19 capitais, estão chegando no limite de seus leitos de hospital, tanto de enfermaria quanto no tratamento intensivo”, afirmou Nicolelis.

“O vírus está se multiplicando em uma taxa fora de controlo e, evidentemente, nós continuamos sem nenhuma diretriz nacional. Realmente é uma situação muito caótica e grave. Algo que nunca foi visto no Brasil (…) Neste instante o Brasil está registando entre 20% e 30% dos óbitos [por Covid-19] do mundo, dependendo do dia”, acrescentou.

A subida do número de casos, segundo o neurocientista, foi impulsionada pelas eleições municipais, realizadas em outubro do ano passado, e pela flexibilização descoordenada das medidas de distanciamento social adotadas no início da pandemia por governadores e prefeitos, já que o Governo central é contra este tipo de medida.

“Todas as regiões do Brasil começaram a ter casos a partir da primeira semana de novembro em decorrência das campanhas eleitorais e das aberturas económicas que foram feitas fora de qualquer critério da Organização Mundial da Saúde”, explicou Nicolelis.

“Claramente a classe política brasileira não estava preparada para uma pandemia, tem grande responsabilidade e a maior delas, 90% [da responsabilidade] está alocada ao Presidente da República e do seu Governo”, concluiu.

Lusa/HN

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