Cinco em cada 10 doentes oncológicos que responderam ao inquérito online da Liga revelaram sintomas de ‘distress’, de acordo com as conclusões do estudo, um valor que aumenta para seis em cada 10 doentes entre aqueles que viram os seus tratamentos contra o cancro suspensos durante a pandemia.
“Habitualmente, cerca de um terço dos doentes oncológicos têm algum tipo de ‘distress’ emocional, mas nestes doentes estudados verificámos índices superiores, de cerca de metade, o que parece um dado relevante”, disse à agência Lusa a psico-oncologista Sónia Silva, responsável pela vertente psicológica do estudo.
A especialista notou que os valores são ainda mais elevados nos cuidadores, com cerca de 60% a apresentar sintomas de ‘distress’, um dado que encontra paralelo em vários outros aspetos estudados.
“Na maior parte das vezes que comparámos aspetos psicológicos entre doentes e cuidadores, verificámos um impacto ainda mais significativo nos cuidadores, o que nos faz perceber que estes, muitas vezes, são doentes escondidos. Sofrem em silêncio e não são referenciados para qualquer forma de apoio, apesar de estarem ao lado do doente e a sofrer tanto ou mais do que ele”, acrescentou a especialista da LPCC.
A investigadora identificou “quatro traços comuns” que fazem agravar o risco de “fragilidade emocional, depressão e ansiedade” entre os doentes oncológicos.
“Ter outra doença crónica, cuidar de alguém com uma doença crónica, ter os tratamentos suspensos e considerar-se em maior risco de vir a ser infetado com Covid-19 por serem doentes. São as quatro características que, estatisticamente, têm relevância significativa e colocam as pessoas em maior risco de ‘distress’”, apontou Sónia Silva.
Por estes motivos, a psico-oncologista da Liga reforçou a necessidade “esclarecer a população oncológica”, uma vez que “na maioria dos casos” não são encontradas diferenças entre as pessoas com a doença ativa, ou seja, em fase de tratamento, e aquelas que se encontram curadas.
“Provavelmente as pessoas estão um bocadinho desinformadas. Um sobrevivente de cancro há 10 anos pensa que corre tanto risco de contrair a Covid-19 ou de adoecer gravemente pelo facto de ser doente oncológico e pertencer ao grupo de risco como aquele doente que atualmente está em tratamento”, apontou, sublinhando que se torna essencial “o aumento da literacia em saúde”, uma vez que existem “muitos doentes inseguros em relação à sua perceção de risco”.
Essa é a primeira ilação retirada pela coordenadora do estudo, Natália Amaral, que reforçou a necessidade de aumentar os níveis de informação da população oncológica “não só relativamente ao cancro, mas também à relação entre essa doença e a Covid-19”.
As conclusões deverão levar a LPCC a “reforçar as medidas de apoio socioeconómico aos doentes e aos familiares” e a reforçar a luta por “uma maior acessibilidade aos cuidados de saúde” por parte destas pessoas.
“Pensar nos cuidados centrados no doente e insistir na testagem e vacinação são, grosso modo, as principais conclusões deste estudo, além do aumento do apoio psicológico aos doentes e familiares, que é uma preocupação da Liga desde 2009”, apontou Natália Amaral.
A inclusão dos doentes oncológicos na primeira fase de vacinação contra a Covid-19 é uma exigência da Liga, especialmente “para os doentes ativos que, por estarem a fazer tratamento, têm maior vulnerabilidade para as infeções”.
“Todos estes doentes deviam ser testados e vacinados. Até porque as pessoas têm muito medo de regressar aos tratamentos e aos hospitais. Se houvesse uma vacinação em massa destes doentes, esse medo podia ser atenuado”, justificou a coordenadora.
O estudo “transversal, descritivo e inferencial” foi feito com base em informação recolhida através de um questionário elaborado pela equipa de psicólogos da LPCC, que esteve disponível na página da instituição entre 02 de julho e 18 de novembro de 2020.
A amostra foi constituída por 948 doentes oncológicos ou sobreviventes de cancro e por 378 familiares ou cuidadores com mais de 18 anos e residentes em Portugal.
As conclusões revelam ainda que três quartos dos doentes e cuidadores sentem-se “bastante a muitíssimo preocupados” com a pandemia e com o impacto da mesma nos tratamentos oncológicos e evolução da doença.
Além disso, 13% dos doentes oncológicos na fase ativa da doença tiveram os seus tratamentos suspensos por indicação médica durante a pandemia e dois em casa 10 doentes ponderaram suspender, por sua iniciativa, os atos clínicos devido ao receio de se dirigirem aos serviços hospitalares.
Ao nível socioeconómico, um número “entre 20% e 50%” considerou que a pandemia afetou, de algum modo, a sua vida e um em cada dez doentes e cuidadores admitiram ter sentido “bastante a muitíssima” dificuldade para pagar as despesas familiares.
LUSA/HN
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