António Costa Silva defende que “a reforma fundamental” é do SNS

13 de Maio 2021

A reconfiguração do Serviço Nacional de Saúde é a reforma fundamental que Portugal terá de fazer, a par de outras como a da Justiça e a desburocratização, defende António Costa Silva numa entrevista à Lusa.

“Tudo aquilo que se passou na pandemia relativamente à saúde tem que nos levar à exigência de fazer um balanço”, diz o presidente da Comissão Nacional de Acompanhamento (CNA) do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Para o presidente da CNA, é neste sentido que “o Serviço Nacional de Saúde tem que atuar, por exemplo, com o setor social, que é um dos grandes problemas que a pandemia revelou e, portanto, repensar o SNS também implica repensar as suas interfaces com o setor social (…) e a interação com o setor privado”.

Segundo o professor, as atuais sociedades democráticas estão confrontadas com um “trilema”, que é, ao mesmo tempo, compatibilizar a luta pelo poder político, com as decisões políticas que têm de ser tomadas e com a promoção do bem público.

Nesta perspetiva, Costa Silva considera que a sociedade “foi testada e de certa maneira os três vértices do triângulo funcionaram”.

“Podemos criticar esta ou aquela medida, esta ou aquela opção, mas quando a saúde esteve em causa o sistema democrático foi capaz de continuar a luta pelo poder político, mas de gerar decisões e promover o bem público para controlar a pandemia”, diz.

Entre as reformas no âmbito do SNS, Costa Silva cita as bases de dados integradas e a digitalização para gerir todo o percurso do utente.

“Temos que pensar em coisas como o hospital digital do futuro, a prestação de serviços digitais de saúde, que é absolutamente importante e que pode simplificar e inclusive racionalizar”, prevê.

Costa Silva defende igualmente que o país tem condições para ser uma das “fábricas da Europa de medicamentos”.

“O país tem competências na área da síntese química fina, da fermentação industrial da criação de substâncias ativas para os medicamentos, tem competências na área da farmacêutica, dos produtos farmacêuticos e, portanto, se nós conseguirmos desenvolver uma política industrial e ajudar os decisores políticos a configurar essas políticas, podemos mudar completamente um setor que é vital para a sociedade no futuro”, garante.

No âmbito das reformas na economia, o presidente da CNA considera que se deve apostar na sustentabilidade, na transição energética, na descarbonização, na bioeconomia e nos produtos biológicos.

“Todos estes ‘clusters’ vão avançar” – previne – “mas sem deixar de olhar para todos os ‘clusters’ e setores tradicionais (…) para o calçado, para o têxtil, para o vestuário, [que] têm tido um percurso assinalável”, afirma.

Segundo Costa Silva, o têxtil e o vestuário em si já representam 10% das exportações portuguesas e têm um potencial enorme, pelo que o que necessitam é, “provavelmente, ligar à bioeconomia”.

“Muitos dos produtos podem vir a ser produtos biológicos, para estarmos na frente do conhecimento e na frente da intervenção nos mercados”, concretiza.

Questionado sobre a possibilidade de reformas no mercado de trabalho, o professor considera que ele “é sempre muito discutido”, embora, na prática, as leis de trabalho portuguesas sejam “melhores que as espanholas ou francesas”.

“Portanto, quando estou a falar de reforma, também estou a falar de reforma da qualidade das finanças públicas, que está no PRR e que é muito importante e vamos acompanhar, porque a qualidade das finanças públicas significa saber melhor como são usados os recursos públicos”, diz.

Nesta perspetiva, acrescenta, isto significa “monitorizar essas despesas do Estado e (…) também fazer com que o Estado seja um bom pagador, que é um aspeto extremamente importante para sanear o funcionamento de todo o sistema”.

“[Este aspeto] também está relacionado com as reformas na justiça, sobretudo na justiça económica, no funcionamento dos tribunais administrativos, dos tribunais fiscais”, afirma ainda, de modo que o peso da regulamentação e dos custos, que hoje oneram as atividades das empresas sejam reduzidos.

Considerando que no âmbito da justiça já tem sido feito “algum esforço de modernização do sistema”, Costa Silva defende que “ele tem que ser muito mais aprofundado com a digitalização”.

“Há muita coisa a fazer que pode melhorar o ambiente de negócios (…), todo o sistema à volta das empresas e reduzir os custos”, afirma.

Para o professor, “a outra grande reforma nessa área” é a do licenciamento, porque “tudo isto pode ser paralisado se (…) não tivemos processos de licenciamento mais rápidos”.

“Um dos grandes entraves que temos que mudar é reduzir o peso burocrático, mas – também aí, atenção – sem pôr em causa a questão da prestação de contas, da transparência que tudo isso tem que ter”, termina.

LUSA/HN

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