Os dados do estudo, publicado pela revista científica The Lancet, revelam que as taxas de mortalidade entre adultos 30 dias após serem admitidos nos cuidados intensivos com suspeitas ou diagnóstico de covid-19 são “consideravelmente mais altas” em África (48,2%), do que a média mundial (31,5%).
Ou seja, em 3.077 pacientes admitidos, 1.483 acabaram por morrer, conclui o estudo que envolveu 3.140 adultos admitidos em 64 hospitais de 10 países africanos, incluindo Moçambique, entre maio e dezembro de 2020.
Egito (10 hospitais), Etiópia (7), Gana (2), Quénia (3), Líbia (14), Maláui (3), Moçambique (2), Níger (2), Nigéria (8) e África do Sul (13) foram os países participantes.
A análise estima que as taxas de mortalidade nestes pacientes foram 11% (na melhor das hipóteses) a 23% (na pior das hipóteses) superiores à média global.
A maioria dos pacientes que integraram o estudo eram homens (61% e com idade média de 56 anos) com poucas condições crónicas, sendo as mais comuns tensão arterial elevada, diabetes, VIH/Sida, doença renal crónica e doença arterial coronária.
Ter doença renal crónica ou VIH/Sida quase duplicou o risco de morte, enquanto a doença hepática crónica mais do que triplicou as probabilidades de um doente morrer.
A diabetes surgiu também associada a uma fraca sobrevivência, com 75% de aumento do risco de morte.
Os investigadores, todos baseados em África, apontam como “fator crítico” para as mortes em excesso a falta de recursos de cuidados intensivos, mas também a subutilização dos recursos disponíveis.
Por exemplo, indicam que metade dos doentes morreu sem receber oxigénio, e mesmo se 68% dos hospitais têm acesso a equipamentos de diálise, apenas 10% dos doentes críticos receberam esses cuidados.
As estimativas sugerem que o fornecimento de serviços de diálise é sete vezes menor, e o fornecimento de ECMO (para oxigenar o sangue) é 14 vezes menor do que o necessário para tratar adequadamente os doentes com covid-19.
“O nosso estudo é o primeiro a dar uma imagem detalhada e abrangente do que está a acontecer às pessoas que estão gravemente doentes com covid-19 em África”, disse o professor Bruce Biccard, do Hospital Groote Schuur e da universidade da Cidade do Cabo, África do Sul, que coliderou a investigação.
“Infelizmente, indica que a nossa capacidade de prestar cuidados está comprometida por uma escassez de camas e recursos limitados dentro das unidades de cuidados intensivos”, acrescentou.
Segundo explicou, “o fraco acesso” a intervenções “que salvam vidas”, como diálise, pronação (virar os pacientes de barriga para baixo para melhorar a respiração), e monitorização do oxigénio sanguíneo “podem ser fatores na morte destes doentes e explicar, em parte, porque é que um em cada oito teve a terapia retirada ou limitada”.
“Esperamos que estes resultados possam ajudar a dar prioridade aos recursos e a orientar a gestão de pacientes gravemente doentes em contextos de recursos limitados em todo o mundo”, sublinhou.
Embora as unidades de cuidados intensivos tenham relatado taxas relativamente elevadas de pessoal, com cobertura médica 24 horas por dia, sete dias por semana, e uma relação enfermeiro/paciente de 1 para 2, a mortalidade foi elevada, possivelmente devido à falta de pessoal especializado, dizem os investigadores.
“Apesar de a nossa demografia mais jovem significar que a maioria dos países em África evitaram a mortalidade em larga escala observada em muitas partes do mundo, a mortalidade intra-hospitalar sofre de falta de recursos, com apenas metade dos encaminhamentos admitidos para cuidados intensivos devido à escassez de camas”, disse, por seu lado, Vanessa Msosa, do Hospital Central de Kamuzu, no Maláui.
Os autores reconhecem algumas limitações do estudo, nomeadamente por ter sido realizado principalmente em hospitais universitários, financiados pelos governos, considerando “provável” que os resultados possam ser piores em hospitais de nível inferior e com menos recursos.
Acrescentam que, embora este seja o maior conjunto de dados sobre doentes críticos de unidades de cuidados intensivos, representa apenas 10 países africanos, e a maioria dos hospitais encontra-se em países “relativamente bem equipados” como a África do Sul e o Egito, o que poderá afetar os resultados globais.
Num comentário à investigação, Bruce Kirenga e Pauline Byakika-Kibwika da universidade de Makerere, Uganda – que não participaram no estudo – consideraram que a subutilização dos recursos “é uma descoberta intrigante e contrária à crença generalizada de que os recursos são escassos” no continente.
“É importante pensar para além da disponibilidade de recursos e considerar questões de funcionalidade. É comum em África haver equipamento caro que não funciona devido a manutenção deficiente ou à falta de recursos humanos qualificados”, acrescentaram.
Em 2017, a organização Tropical Health and Education Trust relatou que 40% do equipamento médico em África estava fora de serviço, 80% do equipamento médico tinha sido doado, 70% a 90% do equipamento doado nunca foi operacionalizado, e apenas dois países africanos tinham engenheiros biomédicos profissionais.
LUSA/HN
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