Depois de, na terça-feira, a Direção Geral da Saúde (DGS) ter recomendado a vacinação universal da população entre os 12 e os 15 anos, alterando a posição que tinha adotado na semana anterior e que indicava que as crianças saudáveis não estavam incluídas na atual fase de vacinação, André Freire, professor de Ciência Política no ISCTE, considera “um pouco singular” que, “em tão pouco espaço de tempo”, tenha sido “coligida evidência para mudar a orientação da DGS”.
“Acho que há aqui uma situação um pouco esdrúxula, que desejavelmente deveria ter sido evitada e que acho, no mínimo, curiosa”, afirma à Lusa.
Apesar disso, o professor catedrático rejeita a ideia de que, tanto as intervenções do Presidente da República – que tinha apelado à vacinação universal das crianças antes do parecer da DGS – como do vice-almirante Gouveia e Melo – que tinha alertado que o tempo estava a “esgotar-se” para a vacinação daquela faixa etária -, tenham sido “pressões políticas”, contrariamente ao que tem sido invocado por personalidades como o ex-ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes.
“Houve aqui um desacerto, é óbvio, não acho que seja uma questão de pressão política. Acho que talvez tenha havido excesso de cautela da DGS que, em vez de se traduzir numa declaração antecipada, talvez devesse ter passado por uma pausa antes de decidir, porque isto gerou confusão”, refere.
Do seu lado, Adelino Maltês, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa, afirma que “nem sequer” quer pôr “a hipótese” de ter havido pressões políticas, relembrando que a DGS é uma entidade “centenária”, que não depende “nem de presidentes, nem de almirantes em comissão de serviço”.
“É fundamental para a nossa sanidade mantermos este estilo de autoridade pública de saúde independente de discursos de Presidentes da República, (…) e de quem faz o ‘agenda setting’ nos meios de comunicação social”, indica o professor catedrático.
Realçando que é preciso “respeitar totalmente a supremacia da autoridade sanitária do país”, Adelino Maltês considera que as intervenções de Marcelo Rebelo de Sousa, assim como o ambiente “um bocado intoxicado em hiperinformação”, fazem com que se deixe de “ter confiança nos decisores da autoridade pública de saúde”, recordando que um dos fundamentos da ordem constitucional portuguesa implica que os assuntos sanitários “caibam a uma autoridade sanitária”.
“O senhor Presidente da República deveria ser mais cuidadoso (…) porque senão parece uma pressão sobre a DGS, coisa que não acredito que tenha acontecido e coisa que, de certeza, nem ele quer. Agora, que se pôs a jeito, pôs”, frisa o professor.
Já Manuel Villaverde Cabral, investigador emérito do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, nota, durante a pandemia, a “constante mudança de discurso” das diferentes entidades, que gera “ordens e contra ordens constantes”.
“Serve para (…) estabelecer a confusão, ou seja, dar constantemente o dito pelo não dito. ‘Agora são os mais jovens, agora são os mais velhos, os mais velhos já está resolvido, afinal não está resolvido’… É preocupante”, afirma.
Considerando que o desacerto entre os discursos cria “dúvidas constantes e permanentes” na população, Villaverde Cabral reconhece que o conhecimento científico “não está consolidado” e que a “complexidade” da questão “ultrapassa todos”, “incluindo os políticos”.
“Agora, se ninguém tem a certeza, o melhor é estar calado e não dar sinais não só diferentes, mas contraditórios”, aponta o investigador.
Na terça-feira, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, anunciou que “a DGS recomenda a vacinação de todos os adolescentes dos 12 aos 15 anos de idade”, sem necessidade de indicação médica, depois de terem sido analisados “novos dados disponibilizados nos últimos dias”, em concreto os impactos registados nos “mais de 15 milhões adolescentes vacinados nos Estados Unidos e na União Europeia”.
A diretora-geral da Saúde afirmou ainda que a DGS não esteve “surda nem cega” ao que foi dito sobre a vacinação dos adolescentes, mas realçou que a “decisão foi baseada num parecer da Comissão Técnica de Vacinação sobre o qual a Direção-Geral de Saúde não tem a mínima intervenção”.
No dia 30 de julho a DGS considerou que devia ser dada a possibilidade de vacinação a todas as crianças dos 12 aos 15 anos de idade por indicação médica e de acordo com a disponibilidade de vacinas, remetendo o acesso universal destas idades para mais tarde.
“A DGS emitirá recomendações sobre vacinação universal de adolescentes dos 12 aos 15 anos logo que estejam disponíveis dados adicionais sobre a vacinação destas faixas etárias”, disse então Graça Freitas.
Na terça-feira, Graça Freitas referiu-se à “diversidade de opiniões” como “um bem em si”: “Estamos numa democracia. As pessoas que têm informação privilegiada ou que têm a sua opinião podem e devem dá-la”.
O Presidente da República frisou na quinta-feira que o “fundamental” é que, “quanto à questão de princípio” da vacinação das crianças, não haja “nenhuma objeção definitiva”, e reiterou que é preciso “deixar correr o tempo” para mostrar que “aquilo que é bom neste momento na Madeira” – onde está a decorrer a vacinação entre os 12 e os 15 anos – “venha também a ser considerado bom nos Açores e no continente”.
Na sexta-feira, o vice-almirante Gouveia e Melo considerou que “o tempo está a esgotar-se” para vacinar os adolescentes entre os 12 e os 15 anos, reconhecendo, no entanto, o “cuidado” da DGS em proteger os jovens.
LUSA/HN
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