“Muitas gerações atuais já veem a sua vida quotidiana comprometida. Os países de rendimento baixo e médio suportam já hoje o peso da crise climática e milhões de adultos e de crianças são afetados pelos impactos dos conflitos. (…) Para milhões de pessoas, o direito à alimentação é violado diariamente”, alertou, numa entrevista por escrito à Lusa, a representante da organização não-governamental (ONG) alemã Welthungerhilfe (WHH), uma semana depois da entidade ter divulgado a edição de 2021 do Índice Global da Fome (IGF), documento elaborado anualmente para analisar o estado do flagelo da fome no mundo.
A edição deste ano do relatório, que analisou a situação em 135 países, revelou que a luta contra a fome está perigosamente aquém dos objetivos globais traçados e que o mundo como um todo – em particular 47 países, grande parte localizados na África subsaariana e no sul da Ásia – não conseguirá atingir um baixo nível de fome até 2030.
Conflitos violentos cada vez mais graves e prolongados, as alterações climáticas e a pandemia da doença Covid-19, três fenómenos que compõem uma “combinação tóxica” segundo classificou o relatório internacional, estão a colocar em causa qualquer progresso que tenha sido feito nos últimos anos, bem como o alcance da meta global de Fome Zero até 2030, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável traçados pela Organização das Nações Unidas (ONU).
“A tendência atual é realmente preocupante”, referiu Miriam Wiemers, especificando, por exemplo, como o impacto deste cenário compromete o futuro das gerações mais novas.
“Os primeiros mil dias na vida de uma criança – desde a conceção até ao segundo aniversário – são cruciais para o seu desenvolvimento físico e cognitivo, mas demasiadas crianças continuam a não se desenvolver convenientemente, a estarem enfraquecidas ou a morrerem antes do seu quinto aniversário”, vincou.
Entre os três fenómenos da “combinação tóxica” mencionados no IGF, Miriam Wiemers apontou os conflitos como “o principal motor da fome” que deve ser “abordado urgentemente”.
“Em oito de 10 países com níveis de fome alarmantes e extremamente alarmantes no IGF, os conflitos são o grande motor”, enumerou a porta-voz do relatório anual internacional, traçando algumas das ações necessárias e de urgência imediata: “Resolução de conflitos a nível político, reforço do Direito Internacional e garantia de responsabilização por violações de direitos”.
Ainda neste campo, Miriam Wiemers denunciou o uso recorrente da fome como método de guerra e a negação do acesso humanitário.
“É vital que a ONU e os seus Estados-membros fortaleçam o Direito Internacional Humanitário e processem e sancionem vigorosamente aqueles que usam a fome como arma de guerra”, defendeu.
E concluiu: “Se quisermos garantir um planeta com segurança alimentar, pacífico e habitável, agora e no futuro, não há tempo a perder para enfrentar as mudanças climáticas e os conflitos e respeitar, proteger e cumprir o direito humano à alimentação para todos – hoje e amanhã”.
A apresentação do IGF foi feita na mesma semana em que foram assinalados os Dias Mundiais da Alimentação (16 de outubro) e para a Erradicação da Pobreza (17 de outubro).
Nessa ocasião, as Nações Unidas lembraram que atualmente quase 40% da população mundial, cerca de três mil milhões de pessoas, não têm acesso a uma alimentação saudável e que a pandemia de Covid-19 deixou mais 140 milhões de pessoas sem acesso a alimentos de que necessitam.
A organização internacional, através do Programa Alimentar Mundial (PAM), indicou na mesma altura que 811 milhões de pessoas no mundo sofrem de fome crónica e que 42 milhões de pessoas em 43 países estão “literalmente à beira da fome”.
LUSA/HN
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