Em julho, no final da anterior sessão legislativa, PS, BE, PAN, PEV e Iniciativa Liberal, partidos com projetos sobre a eutanásia, tinham acordado, em reunião informal, o texto final para ultrapassar o “chumbo” do Tribunal Constitucional desta lei, que resultou no veto por parte do Presidente da República face à declaração de inconstitucionalidade.
O texto, ao qual a agência Lusa teve acesso, contem as propostas de alteração ao decreto que regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, estando a discussão desta reapreciação do veto agendada para quinta-feira, no plenário da Assembleia da República, e a votação prevista para o dia seguinte.
Segundo esta proposta, subscrita por todos os partidos com projeto sobre o tema, é incluído um artigo, que passa a ser o primeiro da lei, intitulado “definições”.
Ao longo deste artigo é feita uma clarificação de conceitos, o primeiro dos quais precisamente o da morte medicamente assistida, segundo o qual esta “ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde”.
São ainda definidos os conceitos de suicídio medicamente assistido, a “autodeterminação de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica”, e ainda de eutanásia, a “administração de fármacos letais, pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito”.
Doença grave ou incurável, lesão definitiva de gravidade extrema – conceito que o Tribunal Constitucional tinha considerado impreciso – sofrimento, médico orientador e médico especialista são os outros conceitos clarificados no diploma.
Por lesão definitiva de gravidade extrema passa a entender-se, segundo a proposta, uma “lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiro ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária”, acrescentando ainda que existe “certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa”.
O sofrimento é descrito como “um sofrimento físico, psicológico e espiritual, decorrente de doença grave ou incurável ou de lesão definitiva de gravidade extrema, com grande intensidade, persistente, continuado ou permanente e considerado intolerável pela própria pessoa”.
Outra das alterações propostas pelos deputados é no artigo 2.º – que agora passa a chamar-se apenas “morte medicamente assistida não punível” e não “antecipação da morte medicamente assistida não punível” como no decreto inicial – sendo incluídos dois novos pontos.
Um deles refere que “a morte medicamente assistida ocorre em conformidade com a vontade e a decisão da própria pessoa”, que se encontre em lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave ou incurável.
Outro dos pontos clarifica que a morte medicamente assistida pode ocorrer por suicídio medicamente assistido ou eutanásia.
Em início de setembro, o deputado do BE José Manuel Pureza defendeu que a nova versão da legislação da despenalização da morte medicamente assistida foi feita com “todo o rigor” e “minúcia jurídica” para superar “os obstáculos levantados pelo Tribunal Constitucional”.
“Fomos naturalmente sensíveis àquilo que o Tribunal Constitucional declarou e procurámos fazer algumas reformulações com todo o rigor, com toda a cautela, com minúcia jurídica, para que os obstáculos levantados pelo TC pudessem ser superados”, salientou Pureza, membro do grupo de trabalho que preparou a nova versão, em declarações à Lusa.
O Tribunal Constitucional chumbou em 15 de março, por uma maioria de sete juízes contra cinco, a lei sobre a morte medicamente assistida, em resposta a um pedido de fiscalização preventiva feito pelo Presidente da República.
No acórdão, o TC apontou a “imprecisão” do conceito de “lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico”, afirmando que “não permite delimitar, com o indispensável rigor, as situações de vida em que pode ser aplicado”.
No parlamento, em 29 de janeiro, tinham votado a favor do diploma a maioria da bancada do PS, 14 deputados do PSD (incluindo Rui Rio), todos os do BE, do PAN, do PEV, o deputado único da Iniciativa Liberal e as deputadas não inscritas Cristina Rodrigues (ex-PAN) e Joacine Katar Moreira (ex-Livre).
Votaram contra 56 deputados do PSD, nove do PS, todos os do PCP, do CDS-PP e o deputado único do Chega.
Numa votação em que participaram 218 dos 230 deputados, com um total de 136 votos a favor e 78 contra, registaram-se duas abstenções na bancada do PS e duas na do PSD.
LUSA/HN
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