O projeto para consagrar a inseminação ‘post-mortem’ na lei da PMA nasceu de uma Iniciativa Legislativa de Cidadão, com mais de 20 mil assinaturas, dinamizada por Ângela Ferreira, que pretende engravidar do marido que morreu em março de 2019 vítima de cancro.
A iniciativa suscitou um grande debate dentro e fora do parlamento, que acabou por aprovar em 25 de março de 2021 o decreto que permite o recurso a esta técnica nos casos de projetos parentais expressamente consentidos, mas que foi vetado a 22 de abril e devolvido ao parlamento pelo Presidente da República, por entender que as questões relativas ao direito sucessório deviam ser clarificadas.
Seis meses depois, o decreto foi aprovado no parlamento, com propostas de alteração do PS, BE, PCP, PAN e PEV, respondendo às dúvidas levantadas pelo chefe de Estado, que promulgou o diploma duas semanas depois.
Por sua vez, a lei que regula o acesso à gestação de substituição nos casos de ausência de útero, de lesão ou de doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez, tinha sido aprovada em 2016 e esteve em vigor até 24 de abril de 2018, quando foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional (TC).
Na altura, já tinham sido aprovados dois contratos de gestação de substituição e os processos estavam a decorrer com naturalidade, recordou Eurico Reis que era presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) quando a lei foi aprovada.
Foram precisos mais de dois anos para a lei ser aprovada após o chumbo do TC, o que aconteceu no último plenário desta legislatura, em 26 de novembro, com os votos a favor do BE, PS, PAN, Iniciativa Liberal, os Verdes e a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira. Quatro dias depois recebeu luz verde do Presidente da República.
Já tinha havido uma “segunda versão” da lei que também foi declarada inconstitucional, porque não cumpria algumas das exigências do TC, nomeadamente o prazo para a gestante se arrepender, que tinha que ser depois do nascimento da criança, uma exigência agora satisfeita.
“A aprovação destas duas medidas constitui um avanço civilizacional extremamente importante no sentido da construção de uma sociedade que tem de ser mais assente no respeito pela liberdade e pela dignidade dos seres humanos, de cada um de nós”, disse à agência Lusa o juiz-desembargador Eurico Reis, da Comissão Executiva da Iniciativa Legislativa de Cidadão (ILC) para a legalização da inseminação com sémen após a morte do dador.
Lamentou, contudo, que em Portugal “estas conquistas” tenham de ser “tiradas de ferros”.
“Demoram muito tempo, é preciso combater resistências e mesmo quando são conseguidas não podemos esperar um bocadinho para descansar e festejar, porque aquelas pessoas que se opõem a estas conquistas civilizacionais não descansam e fazem tudo para que as pessoas não consigam alcançar a satisfação dos seus sonhos”, criando “problemas” e “obstáculos” onde “não existem só para impedir que estas medidas sejam concretizadas”, censurou.
Para a Associação Portuguesa de Fertilidade, com a aprovação da gestação de substituição, deu-se o “passo tão aguardado” por centenas de casais.
“Os casais que dependem desta lei foram levados ao desespero e viveram na incredibilidade de um direito lhes ser negado no próprio país”, afirmou a presidente da associação, Cláudia Vieira.
A associação apela agora a que o Governo proceda à regulamentação da nova lei “o mais rapidamente possível”, para que entre em vigor e se prepare caminho para que possam ser apresentadas candidaturas à gestação de substituição, segundo os critérios obrigatórios supervisionados pelo CNPMA.
LUSA/HN
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