Médicos angolanos reclamam melhores condições de trabalho para acabar com greve

17 de Dezembro 2021

O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (Sinmea) reiterou as suas inquietações com as condições de trabalho nos hospitais, um dos pontos de clivagem com a entidade patronal, com a qual reúnem esta sexta-feira para mais uma ronda de negociações.

Os médicos estão em greve desde dia 06 deste mês, por tempo indeterminado, tendo hoje o presidente do Sinmea, Adriano Manuel, frisado, em conferência de imprensa, que o ponto de discórdia da classe médica, na última assembleia, foi exatamente a questão das condições de trabalho.

“Continuamos a observar pessoas a morrer sem assistência que deveríamos dar, continuamos a observar a nível dos cuidados primários de saúde uma falta absoluta de todo o meio, tanto do ponto de vista de recursos humanos, de material de diagnóstico e outros”, referiu.

O dirigente sindical realçou que a classe médica angolana está preocupada com a exiguidade de material na periferia, quando se vai “observando a construção de novos hospitais altamente equipados, quando o ideal seria melhorar a assistência primária”.

“Nós enquanto sindicato defendemos que o que leva ao elevado índice de mortalidade no nosso país está relacionado com a assistência primária de saúde”, disse Manuel, salientando que em Angola está investida a pirâmide do ponto de vista da prioridade.

Segundo o presidente do Sinmea, “qualquer país, por mais robusto que seja, se não priorizar a assistência primária de saúde, ainda que construam grandes hospitais, o que se observa é sempre um elevado índice de mortalidade”.

“Enquanto estivermos a investir fortemente no sistema de saúde terciário e negligenciarmos o sistema de saúde primário não vamos melhorar a saúde do nosso país e vamos de certeza absoluta continuar a ter um elevado índice de mortalidade nos nossos hospitais”, reiterou.

Os médicos, continuou, estão preocupados com a falta de ambulâncias para o transporte de doentes graves, como se verifica em quase todos os hospitais municipais.

“É triste nós observarmos jovens a serem submetidas a uma histerectomia porque essa jovem não teve uma ambulância para a levar para um hospital mais referenciado, ficando definitivamente sem poder fazer filho. É triste observarmos a falta de sangue nos hospitais secundários, a falta de medicamentos. Temos colegas nos hospitais secundários que têm de lavar luvas para fazer uma próxima cirurgia por falta de luvas no hospital, colegas que usam fios de sutura para a pele em órgãos maciços, como baço, fígado, porque não há os específicos”, contou.

O sindicato defende ainda que o Estado deve subvencionar os fármacos para as doenças crónicas, para diminuir substancialmente o número de pacientes de insuficiência renal, ao invés dos investimentos que têm sido feitos nos últimos anos em centros de hemodiálise.

“E tratar um doente com insuficiência renal custa mais caro ao Estado do que o Estado subvencionar os fármacos para o seu tratamento. O Estado não gasta menos do que 100 mil kwanzas (157 euros) por cada sessão de hemodiálise, mas se subvencionar os fármacos pode não gastar mais do que 15 a 20 mil kwanzas (23,5 a 31,4 euros) por mês e um doente faz três sessões por semana”, explicou.

O sindicalista disse que “por tudo isto a classe médica está preocupada” e pede ao Governo que um horizonte temporal “para que se criem as mínimas condições” para se praticar uma medicina com qualidade.

“Esse é um ponto de discordância que queremos acreditar que hoje, que vamos ter um encontro com o Ministério da Saúde, que poderemos ultrapassar essa situação caso haja boa vontade no sentido de solucionar essa questão”, salientou.

O presidente do Sinmea frisou que outra questão que aflige a classe são as condições salariais e sociais, nomeadamente a habitação, com colegas, por exemplo na província do Zaire, que vivem em casas de construção precária, “que vivem uma indigência terrível”.

Para o sindicato a questão salarial é muito grave, tendo em conta o volume de trabalho que enfrentam.

“Não se justifica uma pessoa que estuda 13 anos e ter um salário de 250 mil kwanzas (392,5 euros) quando encontramos no país pessoas que só estudam cinco anos e, no entanto, com condições dadas que os médicos não têm”, referiu.

A demora na recolocação do presidente do sindicato, há um ano e nove meses afastado do seu posto de trabalho, a anulação do seu processo disciplinar e indemnização, é outro ponto de discórdia, o primeiro do caderno reivindicativo.

Adriano Manuel foi transferido para os recursos humanos do Ministério da Saúde e alvo de um processo disciplinar depois de ter denunciado à imprensa a morte de 19 crianças de um total de 24 no banco de urgência do Hospital Pediátrico David Bernardino.

“O sindicato está disposto a conversar, vamos continuar a dialogar com o Governo, mas gostaríamos que o Governo flexibilizasse em relação àquilo que são as questões que afligem a classe médica, a questão salarial deve ser abordada com alguma profundidade, porque se assim não for vamos perder cada vez mais os melhores médicos da função pública para os privados”, realçou.

Adriano Manuel manifestou-se confiante que no encontro serão encontrados caminhos para que num curto espaço de tempo seja ultrapassada a questão da greve.

“A greve só existiu, porque, infelizmente, nos foi coartada a possibilidade de dialogar”, referiu o presidente do Sinmea.

LUSA/HN

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