Alunos do ensino básico correm maior risco de pobreza no futuro se não houver recuperação de competências

18 de Janeiro 2022

A pandemia de Covid-19 comprometeu a aquisição de competências pelos alunos do ensino básico e se não houver já um grande esforço na recuperação dessa aprendizagem, esses jovens correm maior risco de pobreza daqui a poucas décadas.

O alerta é feito pela professora e investigadora Susana Peralta, da Nova School of Business & Economics, um dos três autores do relatório “Portugal, Balanço Social 2021: Um retrato do país e de um ano de pandemia”, que é hoje apresentado publicamente em Lisboa.

Em declarações à agência Lusa, Susana Peralta disse que um dos dados que “está perfeitamente plasmado” no relatório tem a ver com a questão da educação, e que apesar de já vir refletido no relatório anterior, adquire um aspeto “verdadeiramente dramático”.

“A educação é determinante para permitir às pessoas escapar à pobreza ou às situações mais drásticas de pobreza e nós estamos a escangalhar essa relação”, apontou, sublinhando que os jovens do ensino básico correm agora maiores riscos de cair numa situação de pobreza no futuro, daqui a 20 ou 30 anos, fruto da não aquisição de competências durante a pandemia.

“Esse é um efeito que se vai ver daqui a mais tempo, mas que vai lá estar porque essas perdas, essas competências que não foram adquiridas, são competências que fariam falta a esses jovens e a essas crianças para terem sucesso anos mais tarde no mercado de trabalho”, disse.

De acordo com a investigadora, este relatório mostra por um lado a relação entre o mercado de trabalho e a pobreza, na qual “vai notar-se já muito rapidamente o acentuar de uma clivagem”, e, por outro lado, o papel da educação “enquanto grande passaporte para sair da pobreza”, que Susana Peralta entende que foi “escangalhado” e cujas consequências serão visíveis daqui a poucas décadas a menos que haja um investimento “bastante consequente na correção dessas perdas de aprendizagem”.

A investigadora adiantou que esta análise tem por base os dados das provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade realizadas em 2021 e que foram comparadas com os mesmos dados para os anos de 2018 e 2019.

De acordo com Susana Peralta, “estes jovens foram muito afetados pela pandemia” e a comparação de dados permitiu constatar “perdas substanciais na aquisição de competências”, algo que “vai ser um desafio” e um “problema a prazo”.

Nas palavras da investigadora, o fio entre anos de escolaridade e aquisição de competências foi cortado nestes dois anos de aprendizagem em contexto de pandemia Covid-19.

“Estas crianças formalmente foram escolarizadas, mas na prática não foram, estiveram a ser escolarizadas algumas em frente ao écran, outras nem isso e o que os resultados mostram são resultados catastróficos em algumas competências fundamentais, designadamente, por exemplo, em matemática”, destacou.

A investigadora sublinhou como estas competências no ensino básico são fundamentais para os jovens conseguirem não só ter sucesso no ensino universitário, mas também no próprio mercado de trabalho.

Adiantou que, juntamente com outros professores da Universidade Nova, fez uma proposta ao Ministério da Educação sobre recuperação de aprendizagens, com base em explicações e ajudas em pequenos grupos de alunos, que não foi adotada.

Referiu também que o Plano 21|23 Escola+, de recuperação de aprendizagens, tem uma componente de reforço de recursos humanos que as escolas poderão usar para este tipo de apoio curricular específico, mas que até agora não há informação sobre como é que o plano está a ser concretizado, que escolas aderiram ou quantas contratações foram feitas e se foram feitas nas escolas com maior ou menor perda de aprendizagem.

Relativamente à questão do emprego, Susana Peralta referiu que é possível antecipar já, tendo por base o Inquérito ao Emprego, e olhando para os rendimentos de 2020 e 2021, que daqui a um ou dois anos haverá um agudizar da relação com o mercado de trabalho, uma situação também determinada pelo nível de educação, e que as pessoas mais afetadas serão as com escolaridade ao nível do ensino secundário.

Isto porque, explicou, as pessoas com o nível de ensino primário correspondem a gerações mais velhas que entraram no mercado de trabalho antes de ele ter aquilo a que chamam de dualidade, ou seja, um mercado em que coabitam contratos formais e com elevada proteção social e contratos precários.

LUSA/HN

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