O som dos tambores não dá espaço para muitas conversas, mas a advogada, que mora bem no centro da cidade, desabafa. “Já não basta termos de viver com a covid-19, agora também não param as manifestações”, lamenta.
Junto ao memorial dedicado aos soldados do exército vermelho que perderam a vida em Viena, na Segunda Guerra Mundial, vai-se ouvindo um discurso num pequeno palco improvisado. Interrompido com palmas, batuques e sirenes, as palavras apontam ao recente governo do chanceler Karl Nehammer.
“A Áustria deixou de ser uma república democrática. Tentaram instaurar um sistema ditatorial camuflando-o com a saúde. A vacinação obrigatória é a porta para essa ditadura”, explica Bernard, em declarações à Lusa.
Desde que foi anunciada a vacinação obrigatória, inédita na União Europeia, Bernard tentou não faltar a nenhum protesto nas ruas da cidade.
“Infelizmente, a nova lei teve parecer positivo e a Áustria já não é um país democrático. Isto é muito triste. Temos de ter muito cuidado para que isto não seja o início de uma nova China”, argumenta.
A vacinação é, desde o fim de semana, obrigatória para todos os residentes na Áustria a partir dos 18 anos, com exceção dos recuperados recentemente, mulheres grávidas e pessoas com alergias comprovadas.
A partir de março, as autoridades deverão verificar aleatoriamente o cumprimento da nova lei, com multas que podem chegar aos 3.600 euros.
Cerca de 75% da população austríaca está vacinada contra a Covid-19. Um valor que, para o ministro da Saúde, não é suficiente para combater com eficácia uma nova onda do vírus.
“A vacinação obrigatória é uma decisão de voltar a uma vida da qual todos sentimos falta”, revelou publicamente Wolfgang Mückstein.
Mas para Iwone, uma das organizadoras da manifestação, a pressão constante e a imposição desta nova regra não pode ser tolerada pelo povo austríaco.
“A forma de governar este país já não é aceitável. Queremos viver num mundo livre e democrático, onde toda a gente tenha o direito de escolha. Agora isso não é possível. Não estou satisfeita, quero novas políticas e novos políticos. Quero ser livre, que os nossos filhos sejam livres, é pelo nosso futuro”, sustenta.
Sem máscara, esta austríaca, com quase 50 anos, admite não estar vacinada, nem ter qualquer intenção de mudar isso.
“Não estou, mas entendo os que se vacinam. Recebem muita pressão de todos os lados para o fazer. Há muita gente que já se vacinou duas vezes porque lhes prometeram que era o necessário. Mas isso não acabou por aqui. Por isso também muitas dessas pessoas se juntam a nós nas ruas”, acrescenta.
Num dia de sol, são cerca de duas centenas os manifestantes com alguns cartazes onde pode ler-se “Escolha” ou “Não a uma ditadura da saúde digital”. Aos manifestantes, somam-se cerca de 15 carrinhas das polícias, e dezenas de agentes, todos de máscara.
Na Alemanha, a vacinação obrigatória também tem vindo a ser discutida, mas, para já, apenas a Áustria decidiu pô-la em prática.
Uma jornalista alemã a trabalhar na Áustria, que prefere não ser identificada, revela à agência lusa que a maioria dos austríacos está a favor da implementação da vacinação obrigatória.
“A Áustria chegou a um ponto em que, provavelmente, a vacinação obrigatória é a única saída”, aponta, revelando que foram vários os procedimentos que não funcionaram bem até agora.
“Há uma grande diferença entre Viena e o resto da Áustria. E conseguir uma dose nem sempre é fácil”, revela, acrescentando que a mentalidade nem sempre ajuda, com muitas pessoas a decidirem vacinar-se apenas quando os bares e restaurantes implementaram a regra 2G (curados ou vacinados).
Annah, que abandona o “Austria Center”, o principal centro de vacinação da capital, conta que o processo foi bastante rápido.
“Só agora recebi a segunda dose porque tive alguns problemas de saúde pelo meio. Não estava muita gente. Talvez comecem a vir mais pessoas já que agora é obrigatório, mas também acredito que muitos tentem contornar a lei”, defende.
“Não sei se deveria ser obrigatório ou não, penso que cada um deveria ser responsável pela sua saúde e pela dos outros”, comenta.
LUSA/HN
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