O estudo, ao revelar a estrutura desta “armadura” e os seus “potenciais pontos fracos”, perspetiva “novas possibilidades para o desenvolvimento de terapias inovadoras” que ataquem a bactéria com “efeitos mínimos” no microbioma intestinal, disse à Lusa Paula Salgado, que dirige na universidade britânica de Newcastle o grupo de investigação de microbiologia estrutural da ‘C. diff’.
As bactérias têm uma camada de proteínas que cobre a células, mas a da ‘C. diff’ “é muito compacta, com aberturas muito estreitas que impedem a maior parte das moléculas de entrar”, o que pode explicar, segundo a bioquímica, o sucesso desta superbactéria “em defender-se da resposta do sistema imunitário e dos antibióticos atualmente disponíveis”.
Paula Salgado salientou que a ‘C. diff’ consegue “resistir a praticamente todos os antibióticos, havendo apenas três que são eficazes”.
Contudo, muitos doentes sofrem reinfeções, uma vez que os antibióticos administrados atacam as bactérias benéficas do intestino (que fazem parte do microbioma, a comunidade de microrganismos que vive no intestino) ao mesmo tempo que tratam infeções, “criando as condições para a ‘C. diff’ crescer e causar problemas”.
“São necessárias novas terapias, específicas contra a ‘C. diff’, que ataquem a infeção com efeitos mínimos no microbioma saudável”, assinalou a investigadora portuguesa, apontando que as estratégias terapêuticas podem passar por novos medicamentos ou por vírus que infetem a bactéria (bacteriófagos).
A ideia será “quebrar” a “armadura” da ‘C. diff’ e criar “buracos” que permitam aos fármacos ou aos bacteriófagos entrar e matar a célula da bactéria.
A ‘C. diff’ é uma superbactéria – assim chamada devido à sua multirresistência a antibióticos – que causa diarreia severa e, nos casos mais graves, a morte em consequência de várias lesões provocadas nas paredes do intestino.
O trabalho assinado por Paula Salgado e colegas de outras universidades britânicas, e hoje publicado na revista científica Nature Communications, mostra que as proteínas da camada que cobre a célula da bactéria se “encaixam” para formar uma “malha apertada”.
A equipa de cientistas determinou a estrutura da principal proteína que compõe esta camada, a SlpA, e como “as diferentes moléculas interagem e encaixam” para formar esta “malha”.
Os autores do estudo usaram técnicas de cristalografia de raios-X para obter a estrutura da proteína SlpA e técnicas de microscopia eletrónica para revelar a estrutura da “armadura” na célula da bactéria.
Paula Salgado e o seu grupo de investigação trabalharam diretamente na estrutura da SlpA.
“Iniciei este trabalho há mais de 10 anos, tendo obtido os primeiros cristais de SlpA. A nossa equipa otimizou os cristais, recolheu os dados e conseguiu resolver os variados problemas técnicos até conseguir obter a estrutura completa da SlpA”, descreveu a bioquímica à Lusa.
Em próximos estudos, Paula Salgado e colegas que assinam a investigação hoje publicada querem perceber “como é que as moléculas entram e saem” da célula da ‘C. diff’, uma vez que está envolvida por uma camada compacta de proteínas, embora flexível.
“Nutrientes têm que conseguir entrar na célula bacteriana para que possa crescer e dividir-se. A ‘C. diff’ produz toxinas, responsáveis pelas lesões nos intestinos, que têm que ser libertadas para o exterior da célula”, assinalou a investigadora portuguesa.
Os cientistas pretendem ainda saber qual o papel da camada compacta de proteínas da célula da bactéria na infeção e na interação com as células do intestino e com o sistema imunitário.
A maioria dos casos de ‘C. diff’ está associada à toma de antibióticos, mas existem outros fatores de risco, como a idade (65 ou mais anos), sistema imunitário debilitado (como o de doentes transplantados, com cancro ou com VIH/sida) e internamentos hospitalares.
Sintomas como febre, diarreia severa, perda de apetite, náusea e dor no estômago podem ocorrer alguns dias depois do início da administração de um antibiótico.
LUSA/HN
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