Maurizio fugiu do ‘stress’ em Itália e viveu vinte meses sem trabalho em Cabo Verde

21 de Março 2022

Maurizio trocou há cinco anos o ‘stress’ da loja de computadores em Itália por uma pensão e nem os vinte meses sem trabalho na Boa Vista, sem turistas devido à pandemia, o fez o desistir de Cabo Verde.

“Pensávamos que ia ser uma coisa rápida, nunca imaginei passar um período da minha vida tão longo sem trabalho. Foi um mês, dois meses. Passaram vinte meses sem turistas, sem pessoas”, contou à Lusa Maurizio Malusa, 53 anos.

Na pensão B&B Salinas, em Sal Rei, o último hóspede saiu em 22 de março de 2020, três dias depois de anunciado o primeiro caso de Covid-19 em Cabo Verde, precisamente na ilha da Boa Vista. Seguiram-se vários meses sem ligações internacionais à ilha, que deixaram o italiano e a pensão que gere há cinco anos sem trabalho e sem rendimentos.

“O primeiro cliente que voltámos a ter foi em novembro [de 2021]”, recordou, assumindo que atualmente a taxa de ocupação ronda os 20%, num setor que vale um quarto da economia anual de Cabo Verde e que estagnou devido à pandemia.

“Agora é devagar, devagar. Agora é mais ou menos. Antes, estávamos a fazer um bom trabalho, estávamos cheios, muito trabalho (…). Dezembro e janeiro eram meses cheios, nem um quarto livre, 14 quartos e tudo cheio”, explicou, num português que sempre mistura com crioulo cabo-verdiano e italiano.

Admite que foi esse sucesso dos primeiros dois anos na Boa Vista que lhe permitiu fazer “alguma poupança” para os meses sem trabalho que se seguiram: “Deu para viver o suficiente em vinte meses sem turistas”.

Cabo Verde confirmou em 19 de março de 2020 o primeiro caso de Covid-19 no arquipélago, um turista inglês de férias na Boa Vista, que viria a morrer quatro dias depois, além de outro inglês e um holandês. Rapidamente o Governo colocou a ilha em quarentena, isolada de todas as outras, enviando militares e equipas médicas, e obrigando a população a ficar em casa.

O turismo parou por completo na ilha e só um ano depois, em 24 de março de 2021, o Aeroporto Internacional Aristides Pereira voltou a receber voos internacionais, ainda que a conta gotas. Nesse dia, chegou à Boa Vista um voo ‘charter’ da companhia italiana Neos, proveniente de Milão, numa retoma da procura turística que acelerou no final do ano, a partir de outubro, com o regresso do operador TUI e a reabertura dos hotéis do grupo espanhol RIU.

A vida de ‘Mauri’, como é conhecido o italiano na Boa Vista, mudou há cerca de cinco anos, quando decidiu trocar o frio de Turim, no norte de Itália, pelo calor da Boa Vista.

“Trabalhava muito”, recordou.

Acabou por casar com Morena, cabo-verdiana com quem explora a pensão, de quem já tem um filho, que completou em fevereiro último o primeiro ano de vida.

“Tem uma qualidade de vida diferente, uma vida realmente ‘no stress’”, explicou, sobre a opção de nunca ter deixado a Boa Vista.

Em Itália tinha uma loja de venda e reparação de computadores portáteis, negócio de que se cansou e trocou pela hotelaria em Cabo Verde e que é “completamente diferente”.

Cabo Verde recebeu em 2019 um recorde de 819.308 turistas, quase 30% na Boa Vista, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística cabo-verdiano, mas a procura global caiu cerca de 70% em 2020, devido à pandemia de Covid-19. Nas 24 unidades hoteleiras na Boa Vista a oferta no final de 2019 ascendia a 6.395 camas.

Foi neste contexto que há cinco anos a visita de ‘Mauri’ à Boa Vista rapidamente se transformou numa mudança de vida. Decidiu explorar a pensão, que alugou e onde também vive.

“Estou melhor agora, que lido com pessoas de toda a Europa, de todo o mundo”, diz.

Em Itália, além do frio e do ‘stress’, cansou-se também dos “impostos muito altos”, considerando que “em Cabo Verde há impostos justos”.

Essa é de resto a explicação que encontra para as várias dezenas de italianos que se radicaram nos últimos anos na Boa Vista, trabalhando sobretudo na restauração e alojamento.

“E há uma qualidade de vida ‘no stress’. Sem fumo, sem engarrafamentos, sem poluição”, descreveu, assumindo que os baixos impostos “também atraem muito”.

Admitindo que os dias ainda são de dificuldades, devido à pandemia de Covid-19 e à lenta retoma da procura turística, conta que se antes as reservas eram feitas um mês antes, isso deixou de acontecer, devido às restrições nas viagens: “Agora fazem a reserva de hoje para amanhã”.

Ainda assim, admitiu que já vê o fim das dificuldades e garantiu que o futuro passa por continuar na Boa Vista.

“Claro. Por agora não penso em ir embora, estou bem cá”, rematou.

LUSA/HN

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