Médica ucraniana considera injusto que intenção da OM exclua quem já estava no país

31 de Março 2022

Anna Netrebko, médica ucraniana em Portugal, considera injusto que a Ordem dos Médicos permita agora que médicos ucranianos exerçam sem falar português, desde que acompanhados, enquanto casos como o seu continuam à espera da conclusão do processo de equivalências.

Anna (nome fictício) veio para Portugal em 2020, ao encontro de uma tia médica que já exercia no país e que tinha conseguido fazer o reconhecimento automático do diploma, e está há dois anos à espera que o seu processo seja aceite na Ordem dos Médicos (OM).

Recentemente, a OM anunciou que pretende autorizar refugiados ucranianos que sejam médicos a exercer em Portugal mesmo sem falarem português, esclarecendo depois que a proposta apresentada ao Governo é no sentido de que estas pessoas apenas sejam contratadas pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), e que sejam inscritos na OM como médicos não autónomos até demonstrarem domínio da língua portuguesa.

Anna contou à Lusa que a Direção-geral do Ensino Superior (DGES) aprovou-lhe o diploma e atestou em como a sua licenciatura reunia as condições para fazer o reconhecimento automático, uma vez que a Ucrânia também aderiu ao processo de Bolonha e faz parte da lista de países suscetíveis de reconhecimento automático.

No entanto, a OM não aceitou o reconhecimento automático atestado pela DGES e exigiu que fizesse o reconhecimento específico junto de uma universidade, um processo bastante mais longo e oneroso. Pode demorar até 46 meses, com taxas superiores a mil euros, além dos documentos que têm de ser autenticados.

De acordo com Anna, até 2019, a OM aceitava o reconhecimento automático das competências atestado pela DGES, exigindo apenas exame de língua portuguesa.

Terminou a licenciatura em 2018 e, ainda na Ucrânia, fez o internato em neurologia, admitindo, no entanto, estar disposta a fazer novo internato em Portugal se isso facilitasse de alguma maneira o processo de reconhecimento das qualificações.

“Parece-me injusto porque eles [médicos refugiados] estão na mesma situação que eu, que cheguei numa altura sem guerra”, criticou Anna, num português bastante fluente.

Por outro lado, salientou que em contexto de guerra os médicos ucranianos não podem sair do país, sejam homens ou mulheres, apontando que a OM sabe isso e tem consciência de que chegarão a Portugal poucas pessoas nestas condições.

“Isto é para [a OM] ganhar mais respeito da parte da população”, apontou, dando como exemplo o caso da mãe, que também é médica e veio para Portugal na sequência do conflito com a Rússia, mas à qual não foi imposta a permanência na Ucrânia por ter uma deficiência.

Anna preferia, por isso, que a OM permitisse que, tanto refugiados como médicos ucranianos na sua situação, pudessem exercer, apontando que passou no exame de língua portuguesa, mas chumbou no exame escrito, que agora só vai poder repetir em 2023.

Como Anna prefere manter o anonimato, a OM disse não poder responder sem que o caso em concreto seja identificado, mas defendeu que “o reconhecimento de títulos académicos deve manter-se como um sistema geral, aplicável a todas as áreas científicas”.

“Portugal é reconhecido pela excelência da sua qualificação académica nas mais diversas áreas científicas, pelo que é de elementar justiça que idêntica exigência seja feita a quem seja proveniente de países terceiros”, referiu a OM, em resposta à Lusa.

Defendeu, por outro lado, que o facto de uma pessoa ter um título académico e exercer não é garante da qualidade do título ou da sua experiência profissional, sublinhando que “o problema do SNS não é a falta de recursos médicos em Portugal. É a falta de respeito e de valorização das carreiras e da profissão médica”.

“Forçar o preenchimento destes lugares com profissionais em que se sacrifica a qualidade da formação académica ou pós-graduada e o domínio pleno da língua portuguesa é um terrível erro e só irá agravar a degradação do SNS”, dizia, na altura, a OM.

Confrontado com a intenção recentemente anunciada da OM, o presidente da Associação dos Ucranianos em Portugal admite que possa ser discriminatória em relação a outros cidadãos ucranianos em Portugal, mas defende que perante uma “tragédia” que já obrigou 3,5 milhões de pessoas a deixar a Ucrânia, é preciso “procurar soluções rápidas para responder e ajudar”.

“Se vamos agora fazer uma discussão se há outros prejudicados ou não, vamos deixar [sem apoio] pessoas que precisam urgentemente de um apoio e que não falam a língua”, apontou Pavlo Sadokha.

Questionou, por isso, “o que é mais importante”: “Eu sou contra qualquer discriminação, mas nós temos de dar um apoio agora”.

Apontou que esta medida irá ajudar os ucranianos que não falam outra língua, e que vão ter nestes médicos uma solução para a barreira linguística.

Na opinião de Pavlo Sadokha, esta é, por isso, uma “muito boa oportunidade”, defendendo que com a ajuda destes médicos, o Estado português poderá até poupar dinheiro em tradutores.

Defendeu, por outro lado, que a medida seja alargada a outras profissões, dando como exemplo os psicólogos, dado os traumas que irão afetar adultos e crianças.

LUSA/HN

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