Dois anos volvidos depois do vírus SARS-CoV-2 ter marcado o mundo, em particular o universo hospitalar, responsáveis do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ) apontam que a pandemia deixa no hospital circuitos diferenciados, manutenção do fornecimento de máscara a todos os doentes, entre outros aspetos, e recusam expressões como “pós-pandemia” ou “regresso à normalidade”.
Em entrevista à agência Lusa, o diretor do Centro de Ambulatório do CHUSJ, Xavier Barreto, contou que “os pedidos [dos cuidados de saúde primários] que estão a chegar ao hospital são até superiores aos pedidos em pré-pandemia”, o que denota, disse, “um esforço muito grande dos centros de saúde em retomar as referenciações que ficaram pendentes em pandemia”.
“Se compararmos os dois [primeiros] trimestres [de 2021 e 2022], temos um aumento de quase 40% dos pedidos que nos chegam dos centros de saúde. Há claramente uma retoma. Isso coloca-nos uma pressão acrescida. Temos um pico de procura”, descreveu Xavier Barreto.
No primeiro trimestre de 2019, o CHUSJ recebeu 19,5 mil pedidos dos centros de saúde, enquanto no primeiro trimestre deste ano foram “quase 28 mil” as solicitações.
Quanto ao tempo de espera, em fevereiro deste ano, também à Lusa, Xavier Barreto tinha descrito que no CHUSJ não existiam doentes a aguardar consulta há mais de 270 dias, um número que se alterou também por causa do crescente encaminhamento dos cuidados de saúde primários.
Dados do hospital mostram que o número de pessoas em lista de espera subiu 6% de 2021 para 2022 (49 mil utentes em lista de espera), mas diminuiu 16,5% face a 2019 (58 mil utentes). No mesmo período de 2021 e 2022, anos marcados pela covid-19, a lista de espera era de 27 mil e 46 mil utentes, respetivamente.
Esta realidade encontra paralelo na cirurgia. À Lusa, a diretora do serviço de Cirurgia Geral do CHUSJ, Elisabete Barbosa, descreveu um aumento de 36,4% de doentes à espera de operação, o que obrigou a um aumento da atividade no hospital.
Socorrendo-se de números de março, Elisabete Barbosa contou que, “relativamente ao ano passado, o número global de cirurgias aumentou 7%”, sendo que “o maior aumento [13%] foi na cirurgia de ambulatório em comparação com a cirurgia convencional”.
“A nossa lista de espera para cirurgia aumentou significativamente, mas já estávamos a prever com a retoma da atividade normal. Aumentou quase em todas as especialidades com um bocadinho mais de impacto na ortopedia e na oftalmologia”, referiu.
A título de exemplo, em 2021, ano muito marcado pela pandemia, a cirurgia geral do CHUSJ tinha inscritos 406 doentes e em março deste ano registava 1.054. Já a ortopedia tinha 1.125 e agora regista 1.497.
Face a estes números, questionado sobre o inevitável aumento das listas de espera, Xavier Barreto garantiu que o São João está a “procurar responder ao excesso de procura garantindo que praticamente todos os doentes são vistos dentro do Tempo Médio de Resposta Garantido (TMRG)”.
“Mas reconheço que estamos sob pressão para conseguir manter esse número”, disse.
A TMRG é o tempo considerado clinicamente aceitável para a prestação dos cuidados de saúde adequados à condição de cada utente do Serviço Nacional de Saúde, indicador definido por lei e publicado em Diário da República.
“Olhando para o primeiro trimestre de 2022 estamos acima do nosso melhor trimestre de 2019. Estamos cerca de 10% acima de 2019 com muitas consultas e muitos tratamentos em Hospital de Dia. A manter-se esta atividade, teremos, no final do ano, um novo máximo de consultas”, referiu.
Sobre a atividade do Hospital de Dia do CHUSJ, que conta com o hospital central do Porto e com um polo em Valongo, o diretor do serviço de Ambulatório destacou que “já foram ultrapassados os níveis de atividade de 2019”, isto num segmento de intervenção que demorou mais do que a área de consulta a entrar em retoma plena dada a logística de limpeza de cadeirões que a covid-19 passou a impor.
Em março de 2019, o CHUSJ fez 28.082 sessões em Hospital de Dia, um número que reduziu para 27.344 no mesmo mês deste ano (menos 2,6%). Mas a percentagem tem tendência oposta se comparado março de 2022 e março de 2021: mais 9,5% de sessões agora. Só em tratamentos de radioterapia, o aumento face ao ano passado é de 7,6%.
“Temos feito um esforço por rentabilizar o número de cadeirões. E temos vindo a abrir novos no Hospital de Valongo, onde já tínhamos um Hospital de Dia polivalente para tratamentos pouco complexos”, descreveu.
Em causa está um serviço que se divide em Hospital de Dia oncológico e Hospital de Dia não oncológico ou polivalente, onde são administrados periodicamente aos utentes fármacos que não podem ser tomados por via oral ou de forma autónoma.
Xavier Barreto acrescentou que o prolongamento de horário nas consultas externas das 18:00 para as 20:00, uma medida que o CHUSJ tinha implementado no início deste ano, se mantém, e acrescentou que este hospital está a recorrer à chamada produção adicional, uma ferramenta que a tutela prevê e que se traduz em consultas que os médicos fazem fora do seu horário, recebendo um pagamento específico por cada doente observado.
Segundo o médico, são 12 os serviços que já têm autorização do conselho de administração para fazer produção adicional.
Xavier Barreto refere que se “fala muito do regresso à normalidade”, mas acrescenta que “2021 já foi passado em normalidade [no CHUSJ]”.
“Trabalhámos como nunca em 2021, mesmo nos períodos mais críticos. Em 2020, cerca de 20% das nossas consultas foram telefónicas. Em 2021 as não presenciais corresponderam a 10%. A alteração de regras de saúde pública não teve nenhuma consequência no nosso dia a dia”, resumiu.
Também o diretor da Unidade Autónoma de Gestão de Urgência e Medicina Intensiva, Nelson Pereira, alertou que “a sensação de que se está em fim de pandemia, sem que ela tenha realmente acabado, cria uma sensação de liberdade”.
“Chegam ao Serviço de Urgência cerca de 80 doentes por dia com queixas respiratórias. A percentagem de positividade anda entre os 20 e os 25% e cresceu nos últimos dias”, apontou.
Por esta razão, e porque a Urgência “continua a ser um serviço cronicamente sobrecarregado”, Nelson Pereira explicou à Lusa o porquê de no CHUSJ se ter optado por manter áreas dedicadas a doentes com infeção respiratória (ADR), criadas no âmbito da pandemia.
Sobre o que de bom fica, o responsável garantiu que “a capacidade do hospital para lidar com uma situação do foro epidémico, nomeadamente com doença grave e crítica, melhorou”.
Mas os benefícios infraestruturais, sejam com aumento de camas na Medicina Intensiva, sejam com aumento do espaço físico da Urgência, não foram acompanhados de reforço de recursos humanos.
“Esta pandemia trouxe uma consciencialização de uma série de fragilidades que já existiam, mas se tornaram mais visíveis. Os Serviços de Urgência continuam em situação de rutura ou pré-rutura um pouco por todo o país e o Hospital de São João não está imune a essa situação”, concluiu.
LUSA/HN
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