Juízes nomeados por Trump para Supremo acusados de enganar políticos e público sobre aborto

15 de Maio 2022

Os três juízes nomeados pelo ex-presidente Donald Trump para o Supremo norte-americano enfrentam acusações de terem enganado políticos e o público sobre a questão do aborto, por terem dito não pretender o precedente 'Roe V. Wade'. 

Em declarações à agência Lusa, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Luís Menezes Vale avaliou que os juízes Neil Korsch, Brett Kavanaugh e Amy Barrett, nomeados por Trump ao longo dos seus quatro anos de Governo, “foram muito assertivos” sobre o assunto durante as audições perante o Congresso.

“Uma das razões para este tema estar a ser tão polémico é porque os três juízes foram muito assertivos na intenção de não alterar o precedente ‘Roe V. Wade’. Eles foram confrontados com essa possibilidade, e os três disseram que não tinham intenção nenhuma de mudar o precedente. Disseram que o precedente era muito importante, que é fundamental respeitar os precedentes jurisdicionais”, mas, pelo que se percebe, votarão agora nesse sentido, disse o professor da Universidade de Coimbra.

Em causa está o facto de o Supremo Tribunal norte-americano se preparar para revogar a norma que protege o direito ao aborto, contribuindo para isso a sua maioria de magistrados conservadores solidificada pelo republicano Donald Trump.

O direito foi estabelecido no caso histórico de 1973 conhecido como ‘Roe v. Wade’, em que foi decidido que as mulheres grávidas têm o direito constitucional de interromper a gravidez até ao ponto de viabilidade fetal, ou seja, a partir do momento em que o feto pode sobreviver fora do útero, que ocorre geralmente em torno de 24 semanas de gestação, mas o entendimento varia de estado para estado.

Contudo, nas suas audições perante o Congresso, os três juízes nomeados por Trump declararam não pretender revogar esse direito, algo que estará prestes a mudar.

“Claro que há uma certa dose de hipocrisia nas audições perante o Congresso, porque os juízes só podem chegar ao Supremo Tribunal se foram aprovados pelo Congresso, mas todos os três foram muito assertivos em não mudar o precedente”, destacou Vale.

Segundo o professor, “o que dá para perceber, sem surpresas, é que os juízes conservadores do Supremo apoiam todos a decisão” que poderá reverter o direito ao aborto no país.

“Há também uma coisa que talvez tenha passado despercebida, que é facto de que ocorreram audições relativas a este caso, julgo que ainda em dezembro, quando o caso chegou ao Supremo. E é daí que vem logo a desconfiança, porque nas audições tornou-se muito clara a inclinação dos juízes conservadores para uma possível revisão e alteração do precedente Roe V. Wade”, detalhou o especialista.

Se anulada a decisão ‘Roe v. Wade’, que protege como constitucional o direito das mulheres ao aborto, os Estados Unidos voltarão à situação que existia antes de 1973, quando cada estado era livre de proibir ou autorizar a realização de abortos.

Uma decisão do Supremo nesse sentido privaria o acesso ao aborto a milhões de mulheres que vivem em estados do sul ou do centro dos Estados Unidos, onde os republicanos implementaram uma legislação muito restritiva, no momento suspensa pela decisão da mais alta instância da Justiça norte-americana.

Luís Menezes Vale frisa, antevendo que o Supremo revogue efetivamente o direito ao aborto, quemuitos estados conservadores já criaram as chamadas ‘trigger laws’, ou seja, leis já aprovadas, mas que nunca entraram em vigor por contrariarem precedentes ou o direito federal, e que podem agora ser colocadas em marcha, como se automaticamente fossem desbloqueadas pela decisão do Tribunal, e que resultarão na proibição das interrupções voluntárias da gravidez nessas regiões.

“Da mesma maneira, já há vários estados favoráveis à interrupção voluntária da gravidez, que criaram ‘trigger laws’ entretanto, no sentido contrário: se a decisão do Supremo for avante, têm já legislação preparada para proteger as pessoas o mais possível”, explicou, em declarações à Lusa.

A decisão do Supremo norte-americano sobre o direito ao aborto será conhecida dentro de poucas semanas.​​​​​​​

LUSA/HN

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