“É um grito de alerta, uma chamada de atenção para estas situações, que se enquadra perfeitamente naquilo que é o estatuto da Ordem dos Médicos: o dever que temos de proteger os nossos doentes”, disse à Lusa Miguel Guimarães.
Segundo dados fornecidos à Lusa pela OM, nos primeiros cinco meses do ano foram recebidos 230 pedidos de escusa de responsabilidade (587 em 2021), a maioria de profissionais que trabalham na região de Lisboa e Vale do Tejo (148). Da região Norte chegaram 40, do Centro 24 e do Algarve 18 (mais do dobro de todo o ano passado (6).
O bastonário da OM acredita que estes números “estão subavaliados” e que a realidade será muito maior: “Não há um ‘e-mail’ próprio para entregar escusas de responsabilidade, temos um ‘e-mail’ para denúncias, com dados brutais, mas [em relação às escusas de responsabilidade] estes dados serão sempre inferiores aos reais”.
“Os pedidos de escusa de responsabilidade vão para a ordem e são entregues também nos hospitais, mas algumas vão para as secções e outras para o conselho nacional. Por isso, muitas faltarão aqui”, explicou.
Miguel Guimarães insistiu que o facto de o médico pedir escusa de responsabilidade não que dizer que deixa de ser responsável, ou que vai deixar de fazer aquilo que é o seu serviço.
“Significa que sabe que está a trabalhar em condições que não são as adequadas para o exercício da sua profissão e sabe que, por causa disso, podem acontecer mais erros, ou pode não conseguir fazer aquilo que desejaria fazer porque não tem os equipamentos, os materiais devidos ou porque não tem as condições porque, por exemplo, está a trabalhar há mais de 24 horas seguidas, em que a capacidade de decisão já não é exatamente a mesma, nomeadamente no serviço de urgência”, explicou.
Para o bastonário, estes pedidos mostram que os médicos “têm menos condições de trabalho em termos do que seria adequado às funções” e sublinha: “Isto está gerar um mal estar muito grande. Estou mesmo, mesmo, preocupado”.
O responsável insistiu ainda no número de médicos que todos os dias saem do Serviço Nacional de Saúde: “Não há um dia que não saia um médico do SNS, isto está em valores altamente preocupantes”.
“E não é por reforma, nem são apenas os jovens médicos que acabam a especialidade e não ocupam as vagas que entretanto abrem, que já vai em quase 40% e é altíssimo. São especialistas, que são importantes para ajudar os nossos doentes e para a formação médica dos jovens internos, que estão a sair do Serviço Nacional de Saúde”, afirmou.
De acordo com o bastonário, as saídas do SNS aumentaram “de forma brutal” e toda a situação representa “um grito de alerta dos médicos de que é preciso fazer alguma coisa urgente”.
Acrescentou que o SNS “não está a servir os objetivos para o qual foi criado” e que são precisas “novas formas de gestão adequadas aos tempos modernos, nomeadamente na área da autonomia, da flexibilidade da gestão e da contratação pública”.
“As regras da contratação publica não se aplicam a saúde, não é possível. Se quero contratar médicos, ou enfermeiros, (…) para cumprir as regras , vou conseguir contratá-los daqui a seis meses ou um ano”, lembrou.
“Na verdade, precisamos que fazer aquilo que alguns países europeus já fizeram, que é ter um novo modelo de gestão na saúde que inclua algumas das regras aplicadas no setor privado”, acrescentou.
Contudo, frisou, “isso não chega para manter as pessoas, é uma forma ágil de melhorar a capacidade de resposta, mas para manter os profissionais é preciso valorizar o trabalho das pessoas pelo que é a sua formação, a sua competência e, sobretudo, a sua responsabilidade”.
Pediu um SNS mais moderno, mais inovação tecnológica e que seja permitido aos médicos fazer investigação: “é fundamental termos tempos para avaliar aquilo que fazemos, avaliar os resultados, saber se estou a operar bem os doentes ou se tenho de mudar alguma coisa e perceber quais são os erros para os corrigir”.
O bastonário lembrou que o SNS está a estabilizar a atividade que tinha em 2019 e que não está a recuperar, defendendo para isso um plano com parcerias com os setores privados e social em diversas áreas, sublinhando a importância dos rastreios: “Se um doente for detetado cedo com um problema oncológico é possível tratar, se for mais tarde isso já não acontece”.
“É preciso ter uma intervenção rápida, senão arriscamo-nos a ter um SNS muito diferente daquele que foi idealizado pelo Dr. António Arnault e por um conjunto de médicos que ajudaram a construir o SNS”, insistiu.
LUSA/HN
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