“Quando é preciso contratar um médico para 5 ou 6 anos, no privado fazem-no numa semana, no sistema púbico demoramos meses, anos para fazer uma contratação porque tem de passar por vistos da Administração Regional de Saúde, Ministério da Saúde e Ministério das Finanças. Quando precisamos, o profissional já foi contratado há algum tempo por outra instituição”, disse à agência Lusa Alexandre Valentim Lourenço, presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos.
Assumindo que dificilmente o plano de contingência resolverá o problema já no verão, assumiu que quando há falta de meios é preciso concentrá-los [serviços] “em vez de dispersar”.
Alexandre Valentim Lourenço contou que durante os últimos três meses saíram vários especialistas que acabaram a especialidade em março, que contactou vários para os contratar e que, por falta de rapidez neste processo, não os conseguiu contratar: “Estamos sempre dependentes de uma informação. Claro que, entretanto, já foram contratados por uma parceria público-privada em Cascais e por hospitais privados”.
Além da celeridade no processo contratual, defendeu mais autonomia: “Não podemos estar sempre a pedir autorização para substituir pessoas que faltam … uma grávida, uma baixa, uma reforma, não conseguimos substituir imediatamente… As instituições têm de ter autonomia para contratar”.
Nesse sentido, sustentou, “cada hospital devia poder abrir o seu concurso quando precisa” e os concursos deviam abrir regularmente, sublinhando: “todos os concursos da carreira, porque um concurso para assistente graduado sénior às vezes demora 10 anos para abrir e três ou quatro anos para resolver”.
“Um assistente graduado normal, que é o meio da carreira, demora dois ou três anos para abrir e dois anos para resolver. Ninguém está à espera cinco anos para fazer concursos”, afirmou, acrescentando: “o privado é muito mais rápido”.
“Nós não abrimos concursos regulares, devíamos abrir todos os anos, se calhar até de 6 em 6 meses abrir concursos para preencher as vagas que não tinham sido preenchidas anteriormente”, insistiu.
Outra das medidas urgentes, segundo o responsável da Ordem dos Médicos é fazer com que as formas remuneratórias das horas extra sejam semelhantes às que os hospitais públicos já praticam com as empresas tarefeiras e outras privadas.
“Essa remuneração faz com que um tarefeiro fora do hospital receba cinco vezes mais do que um médico que está no seu hospital há 10 ou 20 anos. A hora extraordinária para além do contrato tem de ser paga da mesma maneira, e isto tem um impacto financeiro nulo, pois em vez de pagar à empresa de tarefeiros (que ainda fica com a sua parte) pagamos diretamente às pessoas”, explicou.
“Se fizermos isto, evitávamos que os 50 ginecologistas, mais os 90 pediatras, mais os 90 anestesistas que nós formamos todos os anos passados três meses estivessem nas instituições privadas ou fora do sistema”, acrescentou.
Sobre o verão, disse que o Hospital de Santa Maria, em Lisboa (onde trabalha), já tem as escalas de junho feitas, as de julho estão quase preenchidas e já estão a desenhar as de agosto e setembro.
“Isto faz-se com antecipação”, sublinhou, dizendo que o segredo é planear com tempo, fazendo escalas com a devida antecedência e recompensando os profissionais.
“Estes problemas não existiam no Beatriz Ângelo (Loures) há quatro meses, nem no ano passado em Vila Franca. Eram parcerias publico-privadas”, observou, acrescentando que nestes casos há mais rapidez de contratação.
Defendeu ainda que deveria haver uma coordenação central para otimizar o funcionamento em rede.
“Por exemplo, Portalegre tem um médico no quadro, tem de ter três permanentemente. Mesmo a trabalhar 24h/dia precisava de mais dois e, por isso, contratam tarefeiros. Vai encerrar porque não tem especialistas”, disse, lembrando: “as grávidas de Portalegre vão ser desviadas para Évora, nomeadamente as de Nisa ou da região Oeste do distrito, mas estão a 20 minutos de Abrantes ou da Covilhã”.
“Assim, demora-se uma hora a chegar a Portalegre e mais uma hora para ir para Évora. Como a Covilhã é ARS Centro, Abrantes é Lisboa e Vale do Tejo e Portalegre é ARS Alentejo, deviam-se coordenar entre as três para saber que concelhos drenam diretamente para um hospital para não irem todos a Portalegre para depois irem todos para Évora”, exemplificou.
“Vão perder-se duas horas com algumas mulheres que poderiam estar a 20 minutos de um hospital que é da ARS do lado”, acrescentou.
Sobre a possibilidade de recurso aos privados, afirmou: “as medidas que tomamos agora a muito curto prazo têm de estar alinhadas com a visão a médio e longor prazo”.
“Se desviar grávidas para o privado, os hospitais privados não tem equipas constituídas neste momento e onde vão buscar? Aos últimos que ainda estão no sistema público. Se tomar uma pedia a curto prazo que me compromete a reforma a médio ou longo prazo e melhor tomar medida diferente”, concluiu.
Na segunda-feira, a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciou que vai ser posto em prática “um plano de contingência” entre junho e setembro para procurar resolver a falta de médicos nas urgências hospitalares do país.
Marta Temido falava após um dia de reuniões com diretores clínicos de vários hospitais da região de Lisboa, e depois com sindicatos e a Ordem dos Médicos sobre a “instabilidade do funcionamento” destes serviços.
A falta de médicos em vários hospitais do país tem levado nos últimos dias ao encerramento de urgências de obstetrícia, ou a pedidos aos centros de orientação de doentes urgentes (CODU) de reencaminhamento de utentes para outros hospitais.
LUSA/HN
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