Bastonário alerta para fragilidades nos serviços farmacêuticos dos hospitais do SNS

5 de Julho 2022

O bastonário da Ordem dos Farmacêuticos alertou hoje que os entraves ao acesso à especialidade e as escusas de responsabilidade apresentadas pelos profissionais podem provocar uma situação “muito complicada” nos serviços farmacêuticos nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde.

Soma-se a situação de farmacêuticos que foram contratados no âmbito dos contratos covid-19 e que estão a ser dispensados por alguns hospitais, avançou Hélder Mota Filipe à agência Lusa, no dia em que 55 profissionais do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra pedem escusa de responsabilidade por não se encontrarem reunidas as condições em termos de recursos humanos, logísticos e materiais que permitam assegurar a qualidade e segurança na prestação de cuidados aos doentes.

“Tudo isto se combina para uma situação muito, muito complicada nos serviços farmacêuticos do SNS [Serviço Nacional de Saúde]”, advertiu o bastonário, sublinhando que são serviços cruciais nos hospitais.

“Não se consegue tratar doentes sem medicamentos e não se consegue ter acesso aos medicamentos no hospital sem os serviços farmacêuticos, com os farmacêuticos no número adequado, com empenho adequado e a trabalhar com as condições adequadas”, realçou.

Portanto, sublinhou, “os serviços farmacêuticos a trabalhar de forma deficiente fazem obrigatoriamente com que o hospital trabalhe também de forma deficiente e isto é muito complicado”.

A Ordem dos Farmacêuticos tem estado sistematicamente a alertar para este problema, tendo inclusivamente entregado há cerca de três meses uma proposta de alteração legislativa à tutela, que ainda não obteve resposta, disse, acrescentando: “Tudo isto não augura nada de bom para os próximos tempos”.

“Eu costumo dizer que é apenas de melhoria da legislação da carreira farmacêutica. São pequenos aspetos, mas que resolvem estes problemas e que são bons para a classe, mas são principalmente bons para o bom funcionamento do SNS”, salientou.

Hélder Mota Filipe observou que a legislação que cria a carreira farmacêutica tem um conjunto de limitações que criam problemas aos profissionais, nomeadamente o acesso à especialidade.

Esta situação levou um grupo de quase 80 farmacêuticos a assinar um manifesto público, divulgado na segunda-feira, a reclamar equidade no acesso à residência farmacêutica, que dá acesso à especialidade, sublinhando que a atual legislação cria situações de injustiça e exclui perto de 100 profissionais.

Os subscritores afirmam que “devido a uma interpretação estrita” do decreto-lei 6/2020 “não se reconhecem cerca de dois anos de exercício profissional em funções públicas no acesso a um instrumento de formação específica conducente à especialidade”.

Para o bastonário, esta situação é injusta, uma vez que os farmacêuticos têm que fazer a formação obrigatória de quatro anos, embora tenham já experiência profissional, “o que faz com que o próprio SNS se proponha a esperar quatro anos, mesmo por profissionais que já têm, alguns deles, mais de dois anos de formação”.

“Tudo isto não faz sentido, como não faz sentido”, por exemplo, que profissionais que exercem nos hospitais privados, que têm especialidade e se diferenciaram, e queiram ir para o SNS tenham que fazer os quatro anos de formação, um novo exame de especialidade para depois entrar na base da carreira do serviço público.

No seu entender, o SNS “não se pode dar ao luxo” de esperar quatro anos pelos primeiros residentes para preencher vagas que neste momento “já estão completamente vazias”.

“[Esta situação] faz com que os colegas tenham este grito de alerta também relativamente à emissão de declarações de escusa de responsabilidade”, lamentou, lembrando as escusas apresentadas por profissionais do Hospital Santo António, no Porto, e do IPO do Porto.

“Tudo isto está a criar uma situação que, mais cedo ou mais tarde, vai ser muito parecida com um caos nos serviços farmacêuticos nos hospitais do SNS”, alertou.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

APEF e Ordem dos Farmacêuticos apresentam Livro Branco da formação

A Associação Portuguesa de Estudantes de Farmácia (APEF) promove a 22 de novembro, em Lisboa, o Fórum do Ensino Farmacêutico. O ponto alto do evento será o lançamento oficial do Livro Branco do Ensino Farmacêutico, um documento estratégico que resulta de um amplo trabalho colaborativo e que traça um novo rumo para a formação na área. O debate reunirá figuras de topo do setor.

Convenções de Medicina Geral e Familiar: APMF prevê fracasso à imagem das USF Tipo C

A Associação Portuguesa de Médicos de Família Independentes considera que as convenções para Medicina Geral e Familiar, cujas condições foram divulgadas pela ACSS, estão condenadas ao insucesso. Num comunicado, a APMF aponta remunerações insuficientes, obrigações excessivas e a replicação do mesmo modelo financeiro que levou ao falhanço das USF Tipo C. A associação alerta que a medida, parte da promessa eleitoral de garantir médico de família a todos os cidadãos até final de 2025, se revelará irrealizável, deixando um milhão e meio de utentes sem a resposta necessária.

II Conferência RALS: Inês Morais Vilaça defende que “os projetos não são nossos” e apela a esforços conjuntos

No segundo dia da II Conferência de Literacia em Saúde, organizada pela Rede Académica de Literacia em Saúde (RALS) em Viana do Castelo, Inês Morais Vilaça, da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, sublinhou a necessidade de unir sinergias e evitar repetições, defendendo que a sustentabilidade dos projetos passa pela sua capacidade de replicação.

Bragança acolhe fórum regional dos Estados Gerais da Bioética organizado pela Ordem dos Farmacêuticos

A Ordem dos Farmacêuticos organiza esta terça-feira, 11 de novembro, em Bragança, um fórum regional no âmbito dos Estados Gerais da Bioética. A sessão, que decorrerá na ESTIG, contará com a presença do Bastonário Helder Mota Filipe e integra um esforço nacional do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida para reforçar o diálogo com a sociedade e os profissionais, recolhendo contributos para uma eventual revisão do seu regime jurídico e refletindo sobre o seu papel no contexto tecnológico e social contemporâneo.

Lucília Nunes na II Conferência da RALS: “A linguagem técnica é uma conspiração contra os leigos”

No II Encontro da Rede Académica de Literacia em Saúde, em Viana do Castelo, Lucília Nunes, do Instituto Politécnico de Setúbal ,questionou as certezas sobre autonomia do doente. “Quem é que disse que as pessoas precisavam de ser mais autónomas?”, provocou, ligando a literacia a uma questão de dignidade humana que ultrapassa a mera adesão a tratamentos

II Conferência RALS: Daniel Gonçalves defende que “o palco pode ser um bom ponto de partida” para a saúde psicológica

No âmbito do II Encontro da Rede Académica de Literacia em Saúde, realizado em Viana do Castelo, foi apresentado o projeto “Dramaticamente: Saúde Psicológica em Cena”. Desenvolvido com uma turma do 6.º ano num território socialmente vulnerável, a iniciativa recorreu ao teatro para promover competências emocionais e de comunicação. Daniel Gonçalves, responsável pela intervenção, partilhou os contornos de um trabalho que, apesar da sua curta duração, revelou potencial para criar espaços seguros de expressão entre os alunos.

RALS 2025: Rita Rodrigues, “Literacia em saúde não se limita a transmitir informação”

Na II Conferência da Rede Académica de Literacia em Saúde (RALS), em Viana do Castelo, Rita Rodrigues partilhou como o projeto IMPEC+ está a transformar espaços académicos. “A literacia em saúde não se limita a transmitir informação”, afirmou a coordenadora do projeto, defendendo uma abordagem que parte das reais necessidades dos estudantes. Da humanização de corredores à criação de casas de banho sem género, o trabalho apresentado no painel “Ambientes Promotores de Literacia em Saúde” mostrou como pequenas mudanças criam ambientes mais inclusivos e capacitantes.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights