Segundo o estudo científico, os mesmos genes que um dia protegeram as pessoas contra a Peste Negra estão hoje associados a uma maior suscetibilidade a patologias autoimunes, como a doença de Crohn e a artrite reumatoide.
A Peste Negra é considerada a pandemia mais devastadora registada na história humana, tendo resultado na morte de 75 a 200 milhões de pessoas na Eurásia, atingindo o pico na Europa entre os anos de 1347 e 1351.
Os especialistas acreditam que a bactéria Yersinia pestis, que resulta em várias formas de peste (septicémica, pneumónica e, a mais comum, bubónica), tenha sido a causa da doença.
Peste Negra foi o primeiro grande surto europeu de peste e a segunda pandemia da doença, criando uma série de convulsões religiosas, sociais e económicas, com efeitos profundos no curso da história da Europa.
Os autores do estudo, realizado pelas universidades de Chicago (EUA), de McMaster (Canadá) e pelo Instituto Pasteur (França) estudaram o impacto da peste bubónica que há quase 700 anos acabou com 30 a 60% da população da Europa, Ásia e norte de África.
Desde aquele tempo tem-se especulado que aquela pandemia poderá ter exercido uma pressão seletiva sobre os humanos, mas isso é considerado pelos especialistas difícil de demonstrar estudando as populações modernas, porque os humanos têm sido confrontados com muitas pressões seletivas.
Para este estudo, a equipa de investigadores sequenciou amostras de ADN de ossos antigos de mais de 200 indivíduos de Londres e da Dinamarca que morreram antes, durante e após a passagem da Peste Negra, no final da década de 1340.
De 300 genes relacionados com a imunidade, os cientistas selecionaram quatro, que, dependendo da variante, protegeram ou aumentaram a suscetibilidade da Y. pestis.
A equipa concentrou-se num gene com uma associação particularmente forte com a suscetibilidade: o ERAP2, que ajuda o sistema imunológico a reconhecer a presença de uma infeção.
Indivíduos que possuíam duas cópias de uma variante genética específica, designada rs2549794, foram capazes de produzir cópias completas do transcrito ERAP2 e produziram mais proteína funcional, refere o estudo.
Segundo o artigo da Nature, no laboratório, a equipa mostrou que a variante rs2549794 afetava a capacidade das células humanas vivas de ajudar a combater a peste e que os macrófagos que expressavam duas cópias da variante eram mais eficientes em neutralizar Y. pestis do que os macrófagos.
“Esses resultados apoiam a antiga evidência de ADN de que o rs2549794 é protetor contra a praga”, de acordo com Javier Pizarro-Cerda, do Instituto Pasteur.
Porém, com o decorrer do tempo, o sistema imunológico evoluiu para responder a patógenos e o que antes era um gene protetor contra a peste está agora associado a uma maior suscetibilidade a doenças autoimunes. É o ato de equilíbrio com o qual a evolução brinca com o genoma humano atual, apontam os autores.
Este estudo é uma primeira abordagem de como as pandemias podem modificar os genomas e passar despercebidas nas populações modernas.
LUSA/HN
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