“Temos de aumentar a competência de treinadores e atletas, porque podem fazer muito por si mesmos. […] O papel do treinador e dos atletas passa por empoderamento, competências de desenvolvimento, saber limites, conhecer-se”, explica, em entrevista à agência Lusa.
O especialista belga fala hoje numa sessão da Comissão de Atletas Olímpicos sobre o tema, e reflete sobre o papel do psicólogo inserido no contexto desportivo, combinando as suas vertentes positiva e negativa e dando capacidade a atletas e treinadores de trabalhar por si mesmos.
“Depois temos os problemas de saúde mental, as doenças. Aí é que os profissionais qualificados podem entrar”, acrescenta.
Wylleman sugere a criação de “programas de literacia de saúde mental”, para atletas e treinadores, no fundo para toda a estrutura desportiva, dentro do que considera “o desenvolvimento holístico do atleta”, como um todo, a par do que acontece noutras áreas da vida.
“É preciso educar atletas e treinadores, mas há médicos e fisioterapeutas com quem falar, também. […] Temos de lhes dar mais informação para entender isto melhor e para identificar quando pensam que pode haver um problema, uma doença, e aí chamar o psicólogo. O lado negativo precisa de mais atenção, educação, trabalho”, afirma.
Paul Wylleman faz uma distinção, dentro de saúde mental, um termo que “passou a conter muita coisa”, entre o trabalho no lado positivo, em prol do desenvolvimento, de aumento na performance e no bem-estar, e no lado negativo, associado a problemas de saúde mental.
O maior mediatismo do tema nos últimos anos foi impulsionado, entre outros, pelo nadador Michael Phelps, o mais bem sucedido atleta olímpico, com 28 medalhas, ou a ginasta Simone Biles, que abandonou a competição em Tóquio2020 por este motivo, passando também “pelo efeito covid-19”, que adiou estes Jogos Olímpicos e trouxe um fator extra de ansiedade, entre a ‘bolha’, os sucessivos testes e as quarentenas.
Esta questão, ainda assim, “sempre cá esteve”, nem que fosse “apenas no lado da performance”, e deu-se esse “ponto de viragem” que foi Londres2012, quando Phelps deu uma entrevista a falar dos problemas, não tendo sido visto “como sendo fraco, mas de uma forma positiva”.
“Tornou-se aceitável que atletas olímpicos falassem nos media sobre os seus desafios a nível mental. Nem todos os atletas estão na televisão, outros usam as redes sociais para falar disso. […] Agora, tornou-se um assunto muito público, e isto é um desenvolvimento muito positivo”, nota.
Wylleman lembra como trabalha como psicólogo junto de atletas de alto rendimento desde o final dos anos 1980, e como o tópico “foi sempre surgindo, mas agora como assunto separado, o que é bom”.
Mais recentemente, aponta, uma aliança de ciclistas que representa o pelotão feminino lançou, no Reino Unido, o documento “Duty of Care”, ou ‘dever de cuidar’, que estabelece linhas orientadoras para o bem-estar físico e mental das corredoras e procura garantir que não podem, com ou sem o seu conhecimento e consentimento, ser ‘empurradas’ para lá do aceitável.
O documento respondia a denúncias de abuso e comportamento extremo por parte de treinadores, mas exemplifica o tipo de resposta estruturada à saúde mental que o desporto de elite tem tomado.
Nos Países Baixos, onde trabalhou quase nove anos no movimento olímpico, qualquer federação que pretende financiamento do Comité Olímpico nacional só o consegue com um documento orientador claro sobre o tema.
Uma maior noção da sua prevalência no desporto, e maior mediatização, não significa que “seja um fenómeno apenas do desporto de elite”, porque problemas de saúde mental “sempre estiveram presentes na sociedade”.
“Acontece em qualquer lado e devemos também aprender com isso, para não termos de reinventar a roda. O que podemos fazer mais no desporto de elite?”, questiona.
Ao lado da literacia sobre o fenómeno, outro trabalho de perceção e informação prende-se com uma “ideia errada do que é um exemplo a seguir”, uma figura heróica do desporto, normalmente idealizada como “alguém que não tem problemas, está sempre a rir-se e tem desempenho de alto nível sempre”.
“Isto não é realista, e Phelps e outros estão a mostrar que se pode ser campeão olímpico, paralímpico, e ter problemas, desafios, até transtornos de saúde mental”, refere.
Assim, “um exemplo a seguir também mostra que há dificuldades”, que “nem tudo é a 100%”, e que aqueles atletas procuraram ajuda e encontraram soluções, e outros modelos podem “realisticamente falar do lado positivo” da saúde mental.
“Olho para os oito anos que trabalhei nos Países Baixos. Se for ver as consultas que tive, 80% era do lado da saúde mental pela positiva. ‘Estou bem, mas o que posso melhorar?’ Os restantes 20% foi no lado negativo”, conta.
Doutorado em psicologia, Paul Wylleman é professor na Vige Universiteit, em Bruxelas, e atualmente trabalha com a equipa olímpica da Bélgica, desenvolvendo a sua atividade como investigador e profissional nas áreas da psicologia do desporto, desenvolvimento de performance e apoio mental a atletas, entre outros.
LUSA/HN
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