Dança contemporânea entra em lares do Porto para combater solidão e sofrimentos

1 de Dezembro 2022

Mulheres e homens entre os 60 e 101 anos, com doenças neurodegenerativas ou mobilidade reduzida e a viver em lares no Porto, estão combater a solidão e sofrimentos através do projeto de dança contemporânea inclusiva “Tsugi Porto”.

Mirka, 87 anos, Deolinda Ribeiro, 100 anos, José Ferreira de Macedo, 90 anos, Jerónimo Santos, 66 anos e muitas outras e outros seniores que padecem de variadas patologias como a esquizofrenia , doenças neurodegenerativas como o Alzheimer, acidentes vasculares cerebrais, entre outras, estão há um ano a participar no projeto especial “Tsugi Porto” que alia a dança contemporânea à inclusão da terceira e quarta idades.

A aula arranca com a turma a espreguiçar os braços e os ombros ao som de “When She Rises”, de Ajeet Kaur, artista internacional que cria melodias ancestrais capazes de transportar os bailarinos para espaços de meditação.

Alguns estão sentados em cadeiras de rodas, outros estão erguidos nos seus próprios pés, mas na sala luminosa do Lar de Atães (Porto), todos vão construindo uma dança criativa com a ajuda de Rafael Alvarez, coreógrafo e facilitador de sessões de dança contemporânea para seniores.

“Agora vamos desenhar com as nossas mãos”, pede o coreógrafo ajoelhado em frente à centenária Deolinda Ribeiro, ao som da música “Les lignes de ma main”, do cantor e compositor Pierre Lapointe.

Os dedos das mãos movimentam-se no ar e desenham círculos imaginários e “tocam piano” na face de cada um, como se estivessem a escrever pedaços da própria vida. O de forma suave, ora impondo mais energia.

“Vamos seguir o movimento da tempestade”, desafia o coreógrafo, conseguindo que alguns dos idosos elevassem os braços e os abanassem como que o vento a agitar ramos de árvores.

Rafael Alvarez pede, a meio da sessão de dança, para os bailarinos especiais tentarem fazer um “buraquinho” com o pé no chão e de seguida elevar e esticar a perna à frente. “Como se estivéssemos na praia”, explica, sugerindo ainda que batessem as palmas das mãos.

Mirka, antiga cantora lírica que pisou os palcos de salas de espetáculo de todo o mundo, aderiu à atividade, porque gosta de dançar e para exercitar a sua autonomia.

“Estas aulas dão-me anos de vida”, resume.

Ao seu lado está José Macedo, 90 anos. O nonagenário diz que após exercitar os músculos durante 45 minutos sente-se “porreiro, porque fica com menos dores nas articulações.

“Depois de fazer esta mudança [para o lar de idosos] a alegria não é muita”, confessa José Macedo, mas a atividade “vale muito”, principalmente para atenuar as dores de quem já foi garrafeiro, funcionário na Câmara do Porto, na Renault e na companhia que construiu o Foguete, um serviço ferroviário rápido que unia Lisboa e Porto.

Jerónimo Santos, 66 anos, de sorriso fácil, conta que sente “amor no coração” e “muita alegria” quando está faz a aula de dança.

“Depois das aulas sinto-me mais aliviado do corpo. Dão-me forças nas pernas e nos braços. É uma alegria fazer ginástica ao corpo todo”, lança Jerónimo Santos.

As aulas de dança fazem parte do projeto “Tsugi Porto”, criado por Rafael Alvarez, que através da dança tenta humanizar a relação com o próprio corpo, mas também com o contexto da vida num lar.

“Há estímulo ao prazer de dançar, mas depois há vários resultados que podemos percecionar ao longo das sessões, como um maior domínio da autonomia, do domínio do corpo”, explica o coreógrafo, destacando que a ideia do projeto é também percecionar o envelhecimento como um “processo criativo” de se reinventar e traçar o trajeto de vida.

Trata-se de uma “dança inclusiva, mas não exclusiva”, porque o objetivo é através das sessões da dança poder convidar as pessoas a “viajar para fora deste contexto de lar”, através do seu corpo, celebrando a dança e celebrando a experiência de vida no tempo presente.

“Agora é só rodar as mãos, para fora e para dento, e voltar a espreguiçar, olhar o teto”.

Por fim, dançam todos juntos, numa roda. Alguns de pé. Outros, em cadeiras de rodas, e alongam os braços, entrelaçando as mãos às de Rafael Alvarez.

“Só esticar para cima, respirar fundo e sentir a respiração”, pede o coreógrafo.

A alegria dos utentes do lar de Atães aumentou o nível da mobilidade do corpo e a própria criatividade é estimulada, conta Sónia Lopes, diretora técnica daquela instituição.

“Os benefícios têm sido imensos. Além da mobilidade, os efeitos a nível emocionais também tem sido muito evolutivos. Eles têm evoluído muito no sentido da criatividade, de movimentos, de gestos. Permite-lhes viajar fora destas quatro paredes”.

O “Tsugi Porto” abrange cerca de 90 idosos de lares e centros de dia do Porto, dos quais a maioria são mulheres, e está há um ano a desenvolver a dança inclusiva no Lar de Atães, Centro de Dia Latino Coelho, Lar Nossa Senhora da Misericórdia, Centro de Dia Memória de Mim/Delegação Norte Alzheimer Portugal, e Casa de Lordelo – Centro de Dia.

O projeto é financiado pela Fundação Belmiro de Azevedo.

LUSA/HN

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