Enfermeiros acusam câmara de Arouca de reter verbas destinadas a contratar motoristas

18 de Julho 2023

O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) acusou esta segunda-feira a Câmara de Arouca de “errar no cálculo ou estar a reter” as verbas recebidas para descentralização de competências na saúde, já que deixou de contratar motoristas para apoio domiciliário.

Segundo revela o dirigente sindical Paulo Anacleto, a referida autarquia do distrito de Aveiro “está a pressionar os enfermeiros para que sejam eles a conduzir as viaturas” do centro de saúde local e isso só pode ter uma de duas explicações: “ou a Câmara fez mal as contas e não pediu ao Estado o dinheiro que ele gastava no serviço de táxi com que os enfermeiros iam a casa dos doentes, ou então, quando recebeu as verbas que lhe foram transferidas para essa delegação de competências, reteve o dinheiro com as duas mãos e só o está a dar com uma, para encaminhar o que sobra para outras coisas”.

Seja qual for a razão, Paulo Anacleto diz que o resultado é “uma grande irresponsabilidade da câmara municipal”, que põe em risco o acesso universal aos cuidados de saúde por parte dos utentes do concelho de Arouca – que, com os seus 329 quilómetros quadrados de território essencialmente serrano e florestal, obriga as equipas do serviço de enfermagem domiciliária a grandes distâncias e viagens de condução exigente.

Segundo o dirigente sindical, “os enfermeiros não se estão a ‘recusar’ a conduzir porque não são obrigados a isso por lei. O problema é que, antes, quando era o Estado a pagar os assistentes operacionais (categoria em que se enquadram os motoristas, eletricistas, etc.), a verba para pagar a quem conduz estava assegurada; agora que os assistentes operacionais passaram para a tutela da autarquia, a câmara não está disposta a gastar dinheiro com condução e transporte e quer obrigar os enfermeiros a serem eles motoristas”.

Sem fazer referência ao serviço de táxis anteriormente suportado pelo Estado, e em comunicado, a Câmara Municipal de Arouca defende que, por lei, o que compete à autarquia é assegurar os meios de deslocação necessários à prestação de cuidados de saúde e não os motoristas.

Paulo Anacleto realça que, a acontecer, essa acumulação de funções prejudicaria a qualidade do serviço prestado, impedindo o enfermeiro de se concentrar apenas no trabalho clínico. O dirigente do SEP dá como exemplo as ocorrências mais urgentes, em que, “para chegar rapidamente ao doente”, o profissional de saúde terá tendência para estacionar em cima do passeio ou em dupla fila, o que pode resultar em multas e perda de pontos na sua carta de condução, “situação que não aconteceria se houvesse motorista, já que esse deixava o enfermeiro mesmo à porta do utente e só depois ia estacionar, com calma e em segurança”.

Para o dirigente do SEP, “seja por não ter feito a devida previsão orçamental, seja por opção consciente”, o município está a prestar um mau serviço e isso percebe-se ao comparar a estratégia da Câmara de Arouca com a da autarquia contígua de Santa Maria da Feira. “Uma e outra são tuteladas pelo Agrupamento de Centros de Saúde Arouca e Feira, mas, pelo menos por enquanto, a Câmara da Feira continua a assegurar a contratação de motoristas, enquanto a de Arouca ficou reduzida a um, que não chega para as encomendas todas”, explica.

Paulo Anacleto defende, por isso, que, ao contrário do que alega o Governo e o Ministério da Saúde, “a transferência de encargos para as autarquias locais não só não corresponde a qualquer descentralização, como constitui um passo na desagregação do Serviço Nacional de Saúde e na desresponsabilização do Estado”, abrindo caminho “à progressiva privatização dos centros de saúde” e agravando as desigualdades no acesso a cuidados.

Em comunicado, a autarquia refere que a transferência de competências assumida há cerca de um ano “diz somente respeito à manutenção dos edifícios e à integração no quadro de pessoal da autarquia dos assistentes operacionais. Transitaram para o município sete assistentes operacionais, um dos quais se aposentou recentemente, estando a decorrer o processo de contratação para a respetiva substituição. Não houve qualquer transferência de motoristas para o município de Arouca”.

A mesma entidade diz-se “ciente de que o número de veículos era insuficiente para assegurar os serviços de enfermagem ao domicílio”, pelo que está em curso a aquisição de três carros elétricos “por parte do Ministério da Saúde”, mas nota que nem na câmara há motoristas afetos a presidente ou vereadores.

A autarquia diz-se, por isso, disponível para “acautelar situações como ausência de carta de condução ou alguma inibição de condução”, mas insiste: “Grande parte dos enfermeiros conduz para prestação de cuidados de saúde ao domicílio (…), sendo que, aquando de reuniões de trabalho junto de entidades da tutela, todos o fazem recorrendo a carro próprio. (…) Em situações excecionais relacionadas com o contexto do doente, o município tem autorizado que um assistente operacional colabore no transporte da equipa de enfermagem”.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

VéloPsiq: bicicletas no combate ao sedentarismo psiquiátrico

O Hospital de Cascais lançou o Projeto VéloPsiq, uma iniciativa pioneira que utiliza bicicletas ao ar livre para melhorar a saúde física e mental de pacientes psiquiátricos. Com apoio da Câmara Municipal e da Cascais Próxima, o projeto promove reabilitação cardiovascular e bem-estar.

Johnson & Johnson lança série de videocasts sobre cancro da próstata

A Johnson & Johnson Innovative Medicine Portugal lançou a série “Check Up dos Factos – À Conversa Sobre Cancro da Próstata”, um conjunto de quatro vídeocasts que reúne oncologistas e urologistas para discutir temas-chave como NHTs, terapias combinadas e estudos de vida real no CPmHS.

Ronaldo Sousa: “a metáfora da invasão biológica é uma arma contra os migrantes”

Em entrevista exclusiva ao Health News, o Professor Ronaldo Sousa, especialista em invasões biológicas da Universidade do Minho, alerta para os riscos de comparar migrações humanas com invasões biológicas. Ele destaca como essa retórica pode reforçar narrativas xenófobas e distorcer a perceção pública sobre migrantes, enfatizando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para políticas migratórias mais éticas

OMS alcança acordo de princípio sobre tratado pandémico

Os delegados dos Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) chegaram este sábado, em Genebra, a um acordo de princípio sobre um texto destinado a reforçar a preparação e a resposta global a futuras pandemias.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights