É quase regra, em qualquer referência ao Serviço Nacional de Saúde, atribuir a António (Duarte) Arnault a paternidade desse Serviço. Julgo essa referência bem justa, mas ouso aventar que o SNS tem vários pais e não apenas um.
Talvez outros tenham sido o Serviço Médico à Periferia, raramente referido, e o internato de Saúde Pública de oito meses do Internato geral de policlínica (24 meses, com dois outros terços de Medicina e Cirurgia) que os médicos, a partir de uma certa altura, tiveram que efectuar para completar, na parte prática, a sua formação, que nunca é referido. De facto, nesses anos do pós-25 de abril, as unidades de prestação de cuidados de saúde com alguma diferenciação, quase que se circunscreviam a Lisboa, Porto e Coimbra.
No nosso caso concreto, no início de 1978, a nossa colocação (com outros dois colegas) foi num centro de saúde “inexistente” em Castro Daire, então Castro D’Aire, pequena vila do Distrito de Viseu com poucos milhares de habitantes que apenas tive conhecimento, na palete de escolha, por ter uma estrada não secundária (coloração vermelha nos mapas então existentes) para acesso.
Recordam-se muitas horas na Direcção-Geral de Saúde até chegar à fala com o então Director-geral e o intenso trabalho de três jovens médicos, com a ajuda de uma enfermeira de Saúde Pública, de instalação (também física, que até incluiu o transporte individual do material de instalação desde Lisboa) desse Centro de Saúde. Longe estávamos de poder pensar que, dessa forma, contribuíamos, humildemente, para a “cobertura” de centros de saúde do que viria a ser o SNS. Fomos, de facto, não “pais”, mas verdadeiros “operários” do que, por certo existia à data no contexto do que viria a denominar-se posteriormente “cuidados de saúde primários”. Ainda que alguns desses cuidados não fossem de natureza clínica e, talvez por isso, alguns, no meio médico, se referissem aos médicos de Saúde Pública como “os médicos dos croquetes e das retretes”, julgo que se referindo a algum trabalho higio-sanitário dessa intervenção. Experiências muito “impactantes” como agora soi (do latim solere) dizer-se.
Mas os principais, ou talvez os verdadeiros pais, terão sido, por certo, os cidadãos portugueses, na instaurada democracia pós-abril, representados pelos seus legítimos representantes escolhidos livremente em eleições igualmente livres. Existirão, por certo, inúmeras formas de juntar a democracia e o serviço nacional de saúde, esta é apenas mais uma!
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