É quase indelével cruzar as comemorações do Dia Nacional do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com o Dia Internacional da Democracia.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um produto da Democracia. E foi no âmbito de um ministério dos assuntos sociais que o serviço de saúde para um Portugal muito necessitado de direitos para o cidadão, que se quis assegurar o direito à proteção da saúde (Lei n.º 56/79, de 15 de setembro).
Se a democracia foi a causa e a génese de um sistema novo que passou a olhar para o cidadão como pleno de direitos e garantias, além dos deveres, é certo, o efeito protector da saúde consubstanciou-se também no desejo de ativação do cidadão, como promotor da saúde e de quem dele depende.
Se a democracia é a causa, o SNS é o seu efeito e a literacia em saúde o catalizador.
Para a literacia em saúde, vista como um constructo, as palavras chave que lideram este processo são as “competências”, a “motivação” e as “decisões acertadas” para uma correta navegação do paciente no sistema de saúde, e por uim acesso, compreensão, avaliação e uso dos recursos de saúde.
Nesta trilogia sinérgica gravita a Democracia, o SNS – Literacia em Saúde – onde o equilíbrio da democracia pressupõe uma estrutura sólida de protecção da saúde pelo Estado e pelos que o servem. E isto exige o desenvolvimento de competências para que, nesse uso essencial e protector de uma saúde tendencialmente gratuita, os recursos sejam bem usados com a participação de um povo, que se pretende mais consciente e mais auto-regulado.
Vivemos momentos de grande frenesim nas decisões sobre financiamento, estruturas de proximidade, integração de cuidados, políticas públicas adequadas, talvez esquecendo o cuidado com o cidadão, que continua muitas vezes quase estonteado sem saber o que fazer no sistema e sem saber efetivamente navegar nele.
Aliás, têm sido os estudos feitos em Portugal, e atente-se a este último de 2019 – 2021, que a principal dificuldade do cidadão é navegar no sistema de saúde. E voltamos a literacia em saúde, que estuda e prevê intervenções específicas para colmatar esta questão do percurso difícil, por falta de conhecimento e de capacidade, que o cidadão tem, quando se confronta com a navegação num sistema que lhe é favorável em múltiplos sentidos.
E, mesmo não existindo “médico de familia” na sua unidade de saúde de proximidade, se precisar de consulta médica, o cidadão tem acesso a ela. A solução em termos de literacia em saude preconiza um acesso adequado à saude, e a defesa assenta por isso na necessidade de “ter médico”, e talvez ultrapassar-se este estigma de não ter “médico de familia”.
Para além do mais, se o cidadão tiver conhecimento sobre o seu autocuidado, reconhecer os fatores de risco, saber quando se deve dirigir a uma urgência, ter canais diferenciados para as necessárias conexões sociais que repõem, mesmo que brevemente, a saúde mental do cidadão, sobretudo dos mais velhos, que recorrem múltiplas vezes às urgências, sem que haja efetivamente essa crise de “urgência”, então estaremos a falar de maior literacia em saúde capacitação.
Urge então a capacitação do cidadão, para compreender o “diamante” que tem através do serviço Nacional de Saúde, mesmo que este muitas vezes possa parecer incompleto aos olhos de quem o deseja.
A literacia em saúde salva vidas, assim sublinha a Organização Mundial da saúde (OMS, 2020) e pode ajudar a salvar o SNS, através de desenvolvimento de maiores competências, e de um efetivo reconhecimento pelo cidadão dos benefícios que tem e vai tendo durante a sua vida pelo valor deste seu direito efetivo à proteção da saúde.
Em democracia, no governo de um povo, é preciso dar ao povo ferramentas para aumentar a sua consciência sobre as oportunidades que tem, a capacidade de agir de forma responsável, e isto inclui o cuidado pelo seu corpo, pela sua mente e a adesão a estilos de vida mais saudáveis.
Não posso afogar-me em alcool ou em alimentação hipercalórica, ou em falta de exercício físico, sem ter a consciência e a vontade de autorregulação para cuidar de mim e de quem de mim depende.
A democracia trouxe poder.
A democracia trouxe também responsabilidade. O SNS é o efeito de uma democracia que queremos, que seja constituída por cidadãos mais éticos, mais responsáveis e mais solidários.
E assim compreender que a Democracia é a causa e a raiz de uma liberdade responsável, que nos permite como efeito um SNS mais vivo e uma Literacia em Saúde de um povo mais elevada.
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