Há desespero em Portugal, desde raízes clínicas objetivas à falta de qualidade da nossa democracia e da desesperança. É por isso importante destacar, no dia da democracia e do SNS, a nova pandemia que enfrentamos: a saúde mental e o desespero, também chamada de pandemia silenciosa.
O desespero e a falta de esperança pode-nos levar a uma série de consequências negativas, incluindo a depressão, uma variedade de doenças mentais, comportamentos aditivos e autodestrutivos, e, em última instância, ao suicídio.
Os sinais desse desespero são evidentes em várias áreas de nossa sociedade. O indicador mais forte será um país preso a ansiolíticos. O consumo destes medicamentos em Portugal é um dos mais elevados da Europa, segundo os dados do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde (DGS). De acordo com um estudo da DGS, entre 2000 e 2012, muito antes da pandemia, o consumo de ansiolíticos e antidepressivos aumentou muito em Portugal: 6% (números calculados em doses diárias por mil habitantes). Em 2018, também antes da pandemia, foram consumidas cerca de 10,5 milhões de embalagens de ansiolíticos em Portugal, sendo que as benzodiazepinas – um subgrupo de ansiolíticos com problemas particulares – representam uma grande parte desse consumo. Os especialistas alertam para os riscos da automedicação, da dependência e da tolerância a estes medicamentos, e defendem que se deve procurar a ajuda de um médico especialista e outras formas de tratamento e apoio para os problemas de ansiedade e depressão.
Porém destaco, motivada por áreas de responsabilidade que tenho, exemplos no sector de Educação. Muitos mais seriam ilustrativos.
Começo com as crianças e jovens. O desânimo dos alunos é uma palavra transversal nas escolas e na comunidade escolar. Frequentemente ouvimos que “eles não são preguiçosos, estão desmotivados, e é difícil motivá-los.” No estudo “Saúde Psicológica e Bem-Estar” os especialistas do Ministério da Educação estudaram este público-alvo e os dados apresentados referem:
– ⅓ dos alunos portugueses e metade dos professores apresentam sinais de sofrimento psicológico.
– Entre ⅓ e ¼ dos alunos mais velhos sente “tristeza” várias vezes por semana e 25,8% sente “tristeza” quase todos os dias.
– 31,8% sente “irritação ou mau humor” e 37,4% sente “nervosismo”.
– Quase 21% tem dificuldades em fazer amigos.
Citando o actual Ministro da Educação, no Congresso da Ordem dos Psicólogos: “Muitas vezes as principais barreiras de acesso à aprendizagem são barreiras sociais e emocionais”.
Em relação aos professores, as conclusões não são mais animadoras:
– 55,3% sentem-se “nervosos”.
– 53,4% sentem-se “tristes”.
– 51,3% sentem-se “irritados” ou de “mau humor”.
– 49% tem dificuldade em adormecer.
– No pós-pandemia, 70,1% afirma que a sua vida ficou “pior ou muito pior” com os amigos e 68,6% considera que a sua vida ficou “pior ou muito pior” na escola.
Também a Saúde mental dos estudantes universitários está “em declínio”. Metade dos alunos (48%) apresenta sintomas como a depressão, ansiedade ou perda de controlo. Estes são os resultados de um inquérito realizado pela RYSE, associação juvenil que está a desenvolver acções contra o burnout académico, e a Associação Nacional de Estudantes de Psicologia, num estudo divulgado em março ultimo. Nas diferentes reportagens que saíram na altura destaco esta frase de um dos responsáveis pelo Estudo, José Mesquita: “A nossa geração atravessa adversidades pelas quais nenhuma outra geração passou e a indiferença para com os jovens de hoje faz diferença nos adultos do amanhã.”. E andando no terreno, muito se passa atualmente. De novo, com algum silêncio à mistura, e por isso o tempo urge.
O governo tem reconhecido a importância deste problema e tem-se manifestado sobre o tema. E é crucial que continuemos a abordá-lo de forma proativa. Mas precisamos de mais. De muito mais. Devemos procurar a mitigação desse desespero através do reforço da política de saúde mental, da implementação de uma governação que priorize a saúde mental e da promoção de uma cultura que não estigmatize aqueles que buscam ajuda e detecção precoce.
De um ponto de vista prático, e de forma muito concreta: temos de redesenhar uma rede de detecção precoce e de tratamento atempado. Precisamos igualmente de promover uma forte literacia na comunidade, junto dos públicos-alvo mais relevantes, de procura de sintomas chaves e de defesa de promoção de solidariedade. Mais uma vez os termos literacia, tolerância e ação como palavras chave.
No longo prazo, porém, é preciso não esquecer que por mais recursos que tenhamos para mitigar os sintomas, é urgente que também nos concentremos nas causas subjacentes desse desespero. Os sinais de nossa sociedade desequilibrada já eram visíveis antes da pandemia. Se não mudarmos o paradigma, andaremos sempre a correr atrás do prejuízo, andaremos sempre a falar de mais psicólogos, mais apoio, mais recursos, mais linhas telefónicas… Podemos, e temos, de fazer isso tudo, mas para um futuro mais saudável, precisamos:
– De um ambiente propício ao crescimento pessoal, onde as oportunidades de ascensão na vida se baseiem sobretudo no trabalho árduo e na meritocracia.
– Da liberdade para arriscar e inovar, sem medo de retaliação ou fracasso.
– De uma cultura que promova a cooperação e solidariedade, em vez de ressentimento e rivalidade.
– De um discurso que valorize a criação de riqueza como algo positivo e benéfico para a sociedade.
– De igualdade de oportunidades genuína, para que todos tenham uma oportunidade de prosperar.
– De um Estado Social forte e serviços públicos eficazes, especialmente para aqueles que mais necessitam.
– De escolas que sejam espaços de felicidade, capacitação e visão de futuro para nossos jovens.
– Da capacidade de encarar a velhice com dignidade e respeito.
Precisamos de crescimento económico. Precisamos de cumprir a democracia e de um sistema de saúde e cultura que valorize e cuide da saúde mental.
0 Comments