Saúde mental: dar voz à pandemia silenciosa

09/15/2023
por Carla Castro
Deputada Iniciativa Liberal

Há desespero em Portugal, desde raízes clínicas objetivas à falta de qualidade da nossa democracia e da desesperança. É por isso importante destacar, no dia da democracia e do SNS, a nova pandemia que enfrentamos: a saúde mental e o desespero, também chamada de pandemia silenciosa.

O desespero e a falta de esperança pode-nos levar a uma série de consequências negativas, incluindo a depressão, uma variedade de doenças mentais, comportamentos aditivos e autodestrutivos, e, em última instância, ao suicídio. 

Os sinais desse desespero são evidentes em várias áreas de nossa sociedade. O indicador mais forte será  um país preso a ansiolíticos. O consumo destes medicamentos em Portugal é um dos mais elevados da Europa, segundo os dados do Programa Nacional para a Saúde Mental da Direção-Geral da Saúde (DGS). De acordo com um estudo da DGS, entre 2000 e 2012, muito antes da pandemia, o consumo de ansiolíticos e antidepressivos aumentou muito em Portugal: 6% (números calculados em doses diárias por mil habitantes). Em 2018, também antes da pandemia, foram consumidas cerca de 10,5 milhões de embalagens de ansiolíticos em Portugal, sendo que as benzodiazepinas – um subgrupo de ansiolíticos com problemas particulares – representam uma grande parte desse consumo. Os especialistas alertam para os riscos da automedicação, da dependência e da tolerância a estes medicamentos, e defendem que se deve procurar a ajuda de um médico especialista e outras formas de tratamento e apoio para os problemas de ansiedade e depressão. 

Porém destaco, motivada por áreas de responsabilidade que tenho, exemplos no sector de Educação. Muitos mais seriam ilustrativos.

Começo com as crianças e jovens. O desânimo dos alunos é uma palavra transversal nas escolas e na comunidade escolar. Frequentemente ouvimos que “eles não são preguiçosos, estão desmotivados, e é difícil motivá-los.” No estudo “Saúde Psicológica e Bem-Estar” os especialistas do Ministério da Educação estudaram este público-alvo e os dados apresentados referem:

– ⅓ dos alunos portugueses e metade dos professores apresentam sinais de sofrimento psicológico.

– Entre ⅓ e ¼ dos alunos mais velhos sente “tristeza” várias vezes por semana e 25,8% sente “tristeza” quase todos os dias. 

– 31,8% sente “irritação ou mau humor” e 37,4% sente “nervosismo”.

– Quase 21% tem dificuldades em fazer amigos.

Citando o actual Ministro da Educação, no Congresso da Ordem dos Psicólogos: “Muitas vezes as principais barreiras de acesso à aprendizagem são barreiras sociais e emocionais”. 

Em relação aos professores, as conclusões não são mais animadoras:

– 55,3% sentem-se “nervosos”.

– 53,4% sentem-se “tristes”.

– 51,3% sentem-se “irritados” ou de “mau humor”.

– 49% tem dificuldade em adormecer.

– No pós-pandemia, 70,1% afirma que a sua vida ficou “pior ou muito pior” com os amigos e 68,6% considera que a sua vida ficou “pior ou muito pior” na escola.

Também a Saúde mental dos estudantes universitários está “em declínio”. Metade dos alunos (48%) apresenta sintomas como a depressão, ansiedade ou perda de controlo. Estes são os resultados de um inquérito realizado pela RYSE, associação juvenil que está a desenvolver acções contra o burnout académico, e a Associação Nacional de Estudantes de Psicologia, num estudo divulgado em março ultimo. Nas diferentes reportagens que saíram na altura destaco esta frase de um dos responsáveis pelo Estudo, José Mesquita: “A nossa geração atravessa adversidades pelas quais nenhuma outra geração passou e a indiferença para com os jovens de hoje faz diferença nos adultos do amanhã.”. E andando no terreno, muito se passa atualmente. De novo, com algum silêncio à mistura, e por isso o tempo urge.

O governo tem reconhecido a importância deste problema e tem-se manifestado sobre o tema. E é crucial que continuemos a abordá-lo de forma proativa. Mas precisamos de mais. De muito mais. Devemos procurar a mitigação desse desespero através do reforço da política de saúde mental, da implementação de uma governação que priorize a saúde mental e da promoção de uma cultura que não estigmatize aqueles que buscam ajuda e detecção precoce.

De um ponto de vista prático, e de forma muito concreta: temos de redesenhar uma rede de detecção precoce e de tratamento atempado. Precisamos igualmente de promover uma forte literacia na comunidade, junto dos públicos-alvo mais relevantes, de procura de sintomas chaves e de defesa de promoção de solidariedade. Mais uma vez os termos literacia, tolerância e ação como palavras chave.

No longo prazo, porém, é preciso não esquecer que por mais recursos que tenhamos para mitigar os sintomas, é urgente que também nos concentremos nas causas subjacentes desse desespero. Os sinais de nossa sociedade desequilibrada já eram visíveis antes da pandemia. Se não mudarmos o paradigma, andaremos sempre a correr atrás do prejuízo, andaremos sempre a falar de mais psicólogos, mais apoio, mais recursos, mais linhas telefónicas… Podemos, e temos, de fazer isso tudo, mas para um futuro mais saudável, precisamos:

– De um ambiente propício ao crescimento pessoal, onde as oportunidades de ascensão na vida se baseiem sobretudo no trabalho árduo e na meritocracia.

– Da liberdade para arriscar e inovar, sem medo de retaliação ou fracasso.

– De uma cultura que promova a cooperação e solidariedade, em vez de ressentimento e rivalidade.

– De um discurso que valorize a criação de riqueza como algo positivo e benéfico para a sociedade.

– De igualdade de oportunidades genuína, para que todos tenham uma oportunidade de prosperar.

– De um Estado Social forte e serviços públicos eficazes, especialmente para aqueles que mais necessitam.

– De escolas que sejam espaços de felicidade, capacitação e visão de futuro para nossos jovens.

– Da capacidade de encarar a velhice com dignidade e respeito.

Precisamos de crescimento económico.  Precisamos de cumprir a democracia e de um sistema de saúde e cultura que valorize e cuide da saúde mental.

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