Victor Ramos: SNS ao sabor do pêndulo dos ciclos políticos

10/10/2023
Em entrevista exclusiva ao nosso jornal, Victor Ramos, Médico e Presidente da Fundação SNS, passa em revista a história do Serviço Nacional de Saúde salientando os ziguezagues, com muitas descontinuidades, contradições e alguns retrocessos, com frequente desperdício de esforços e de outros recursos que têm marcado o percurso da instituição criada pela famosa “Lei Arnaut” em 1979. Relata factos pouco conhecidos da maioria sobre algumas dos avanços e retrocessos registados, salientando a boa-fé com que nos dois extremos da ideologia os decisores procuraram implementar as sua ideias, crentes na bondade das medidas e do seu potencial contributo para um sistema de saúde com maior qualidade, eficiência e abrangência universal

Healthnews (HN) – Em 2003, numa entrevista que nos concedeu, António Arnaut insistia ainda num SNS consubstanciado por um Estado Providência, caracterizado pela gratuitidade e pela universalidade. Isto pese a alteração introduzida na segunda revisão constitucional, de 1989, durante o XI Governo Constitucional, liderado por Aníbal Cavaco Silva (PSD) e com Leonor Beleza como ministra da Saúde, que determinou que o SNS passasse de “gratuito” a “tendencialmente gratuito”. Hoje, olhando para trás, vemos que – pesem embora os extraordinários avanços alcançados – estamos longe desse “Estado ideal” sonhado por Arnaut. O que aconteceu?
Víctor Ramos (VR) – É necessário juntar toda a literatura publicada sobre o assunto para encontrar uma narrativa que explique o que aconteceu; a evolução verificada. E temos essa literatura. Temos um livro da Raquel Varela, que vai aos detalhes. Temos também um livro da Maria Elisa Domingues, de depoimentos e temos agora as Memórias do Professor Correia de Campos. Se juntarmos os três, conseguiremos a tal narrativa sobre o caminho percorrido. Com um pouco mais de trabalho conseguiríamos mesmo uma história compreensiva da conceção de como é possível proteger a saúde de uma população.
Recentemente, recebemos na Fundação para a Saúde – FSNS os espólios dos antigos ministros Maldonado Gonelha e Maria de Belém Roseira. São imensos documentos, difíceis de manejar. Nesse processo encontrámos, no acervo de Maldonado Gonelha, uma coleção dos decretos-lei produzidos nos 100 dias de governo de Maria de Lourdes Pintassilgo (V Governo Constitucional, de iniciativa presidencial). Nesses 100 dias foi possível aprovar um conjunto vasto de legislação para regulamentar a Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, também chamada Lei Arnaut. Entre muitas outras coisas, estabeleceu-se que o acesso ao SNS era garantido a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social e também aos estrangeiros, em regime de reciprocidade, aos apátridas e aos refugiados políticos que residam ou se encontrem em Portugal, definindo-se deste modo o princípio de universalidade. Estabeleceu-se também que o SNS envolvia todos os cuidados integrados de saúde, compreendendo a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação médica e social. E também já estabelecia a criação de uma entidade equivalente à atual Direção Executiva do SNS. À época era designada Administração Central do SNS e detinha as funções hoje plasmadas na DE-SNS e na ACSS. Até as Carreiras Médicas no âmbito do SNS são dessa altura (mais tarde retomadas por Paulo Mendo em 1982).
Entretanto, em 3 de janeiro de 1980 muda o Governo (Maria de Lourdes Pintassilgo apresentou a sua demissão a 27 de dezembro), assumindo as rédeas do mesmo Francisco Sá Carneiro, com João Morais Leitão a assumir a pasta dos Assuntos Sociais (que incluía a Saúde, sendo Paulo Mendo o Secretário de Estado).

HN – Mudou o governo…. Revoga-se tudo o que o anterior havia aprovado…
VR – Sim, foi uma espécie de “revogação em pacote”. Incluindo a própria “Lei Arnaut”. Uma decisão que o Tribunal Constitucional viria, quase dois anos depois, no Acórdão n.º 39/84, de 11 de abril, a declarar inconstitucional, por se traduzir “na extinção do Serviço Nacional de Saúde” e, por isso, contender com a garantia do direito constitucional à saúde. O Tribunal Constitucional teve aqui uma intervenção decisiva, quanto à necessidade constitucional de existência do SNS.
Foi uma daquelas situações que se ajustam a uma brincadeira minha que consiste em afirmar que ao hemiciclo falta-lhe a outra metade do círculo, que é a da participação ativa da sociedade.

HN – Mas há quem acredite que teria sido melhor a revogação; que a saúde é um mercado e como tal deve funcionar de acordo com as leis de mercado.
VR – Temos aqui uma espécie de pêndulo, em que num dos extremos temos a ideia de que a saúde é um negócio como outro qualquer. E quem assim pensa, acredita genuinamente que assim é. Não são maus nem bons; acreditam nessa conceção. Têm a perspetiva de que o desenvolvimento e aprofundamento técnico, a qualidade e a eficiência, teriam a ganhar se se enveredasse por esse caminho.

HN – Algo ao estilo de um modelo Bismarckiano?
VR – De certo modo, sim. Como se Portugal tivesse as condições de desenvolvimento industrial, socioeconómicas e socioculturais para implementar um sistema desse tipo. É interessante recordar que um documento de janeiro de 1979, redigido pelo então Bastonário da Ordem dos Médicos António Gentil Martins, já avançava com a proposta de uma espécie de “seguro nacional de saúde”.

HN – Ainda hoje o defende…
VR – Sim. Está perfeitamente convencido que seria a melhor opção. É claro que quem defende a outra alternativa (modelo Beveridgiano) afirma que esta está mais em consonância com o contexto, necessidades e recursos de Portugal para atingir os objetivos de saúde desejados.

HN – E assim fomos caminhando, com o pêndulo a pender umas vezes para um conceito e outras para o outro.
VR – E também tivemos a moda, a nível europeu, da introdução de mecanismos de mercado na Administração Pública, justificada por alegados ganhos em eficiência. Trata-se de uma questão simultaneamente ideológica e técnica. A própria Lei de Bases da Saúde de 1990 atribuiu ao Sistema de Saúde (e não especificamente ao SNS) a efetivação do direito à proteção da saúde, prevendo a celebração de acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados e a faculdade de apoiar e fiscalizar a restante atividade privada na área da saúde. Determinou também, como diretriz da política de saúde nacional, o apoio ao “desenvolvimento do setor privado da saúde em concorrência com o setor público” (em vez da complementaridade consagrada constitucionalmente), contemplando também a possibilidade de ser autorizada a entrega, através de contratos de gestão, de hospitais ou centros de saúde do SNS a outras entidades e celebradas convenções, quer a nível de cuidados de saúde primários quer a nível de cuidados diferenciados”, assim como a fixação de incentivos ao estabelecimento de um seguro alternativo de saúde.

HN – Que falhou?
VR – As próprias companhias de seguros não se mostraram interessadas no modelo. Elas conheciam e sabiam construir seguros de saúde comerciais, nos quais os prémios são proporcionais ao risco. Ora, o que se lhes estava a propor era um seguro social em que o prémio seria proporcional ao rendimento. Não aceitaram…

HN – Das medidas “transformadoras” da Lei de Bases de 1990, o que foi possível implementar?
VR – Até final de 1995, os mecanismos de aproximação ao mercado previstos na nova Lei de Bases da Saúde (de 1990) ainda não tinham tido implementação prática (nas minhas contas eram cinco os principais). Só tinha sido implementado “meio”: a experiência da PPP do Hospital Amadora-Sintra. Pelo caminho ficaram, por exemplo, o seguro alternativo de saúde, o ambiente concorrencial público/privado (que hoje acontece pela transferência de profissionais do setor público para o privado). Ficou também por concretizar a proposta de livre circulação dos doentes dentro do sistema, a gestão privada dentro dos serviços públicos (que se viria a concretizar, como experiência, como referi atrás, já no fim do ciclo político, em 94, 95, com a concessão da gestão a uma entidade privada do Hospital Amadora-Sintra. E também ficou pelo caminho a privatização de serviços públicos de saúde.

HN – Um processo que, no caso do Amadora/Sintra acabaria nos tribunais…
VR – Sim, no caso do Amadora Sintra, com o Tribunal de Contas a acusar ministros e a ARS de Lisboa a Vale do Tejo de terem feito pagamentos indevidos à entidade privada. Foi um processo que durou 12 anos, com os acusados a serem absolvidos três vezes e o grupo privado a ver reconhecida a legalidade dos atos.

HN – De que eram acusados?
VR – No essencial, estavam em causa custos devidos ao aumento e complexificação de necessidades em cuidados de saúde, que não estavam previstos no contrato inicial. Por exemplo, o contrato não previa o tratamento de doentes VIH. Pelo que teve que ser ajustado, mas era contestado o pagamento das análises clínicas prévias àqueles tratamentos que também não estavam incluídas ipsis verbis no contrato. Ora, a decisão clínica, obriga a essas análises clínicas. Aparentemente, para o Tribunal de Contas, a única coisa que parecia contar era o estar ou não previsto no contrato, independentemente das necessidades reais e crescentes da população abrangida. Aconteceu o mesmo com os cuidados de saúde mental e psiquiatria e os cuidados de retaguarda que também não estavam inscritos no contrato. Enfim…. Uma saga que se prolongou, como referi atrás, por doze anos.

HN – Mas algumas das medidas de mercado acabariam, anos mais tarde, por ser implementadas.
VR – Só em 2002, era Ministro o Professor Luís Filipe Pereira, foram criados 32 Hospitais SA, de uma assentada. Sociedades anónimas detidas na totalidade pelo Estado, mas que poderiam, caso fosse essa a decisão política, ser aberto o capital a público e privados. Algo que nunca aconteceu. Foi “obra” essa transformação de 32 hospitais públicos em Sociedades anónimas em apenas alguns meses. Uma transformação que seria revertida com a conversão dos SA para entidades públicas empresariais (EPE).

HN – Mas ainda iria haver nova tentativa?
VR –Sim, em 2003, com a chamada “lei do dia das mentiras”, por ter sido publicada no dia 1 de abril. Nela, propunha-se a privatização de centros de saúde ou partes destes, sempre que tal fosse possível. A Medicina Geral e Familiar opôs-se veementemente, apoiando uma greve nacional. O Ministro sentiu essa oposição sob a forma de um silêncio solene, no Encontro Nacional da Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral, em Vilamoura. A greve teve uma adesão de 100%. Diga-se que a Lei (Bases de 90) previa essa opção. Na época o Ministro queria a privatização de centros de saúde ou de partes destes. Luís Filipe Pereira estava apenas a tentar concretizar dispositivos legais. Só que contra a vontade de todos os médicos, o que tornava impossível de concretizar. Desse tempo ficaram apenas os indicadores e o famoso “tableau de bord”.

HN – Seguem-se novas inflexões pendulares e consequentes descontinuidades – ora para um polo de maior pendor social e solidário ora para um polo mais virado ao mercado. Com Paulo Macedo houve nova reviravolta?
VR – Não, até porque o contexto era de grave crise económica e o SNS funcionava como uma almofada de proteção social.

HN – Como decidir um sistema de saúde?
VR – Os sistemas de saúde não surgem porque a gente acha que este é melhor do que o outro ou vice-versa. Não se escolhe como se faz num restaurante, à la Carte. Há um lastro que vem de trás, um contexto, uma economia, uma cultura, recursos instalados, que determinam o modelo possível de seguir numa determinada altura. Em caso de alteração substancial de todos estes fatores, então sim, deve pensar-se na transformação do sistema, ajustando-o à nova realidade.

HN – Existe hoje a perceção de que as coisas estão piores do que alguma vez estiveram. É assim?
VR – Os indicadores de saúde da população e até de desempenho do sistema não apontam nesse sentido, pelo contrário. Os últimos relatórios “Health at a Glance” da OCDE apresentam Portugal em posições muito favoráveis em muitos dos indicadores apresentados. Por sua vez, o SNS tem hoje cerca de 150 mil funcionários, o número mais elevado de sempre, e um orçamento superior a 15 mil milhões de euros, também o maior de sempre. Mas há um problema de fundo que é importante trazer à luz do dia: um “torpedo” na formação de novos médicos lançado no início dos anos 80 e que fez caminho até 1997, quando as entradas nos cursos de medicina voltaram ao nível das de 1980.

HN – Um torpedo?
VR – As entradas nas universidades de Medicina foram muito estranguladas nesse período. Foi produzida uma “escara” geracional larga e profunda, com mais de 15 anos. Com efeitos até 30 a 40 anos depois, que é o que estamos a viver. Agravado com a emigração de médicos para o estrangeiro e porque, entretanto, o setor privado fez grandes investimentos e conseguiu atrair muitos médicos para as suas instituições prestadoras de cuidados de saúde.
Hoje, os médicos entre os 45 e os 60 anos são uma raridade. Já novos médicos temos uma multidão. O problema hoje não é a falta de médicos, mas a sua qualificação. E o problema está em que não é possível qualificar esta “multidão” porque os que os poderiam formar não existem. E para os privados – para onde foram muitos médicos mais diferenciados, os internatos não são “o seu negócio”. São capazes de dar formação, mas talvez só o façam se perceberem que a falta de especialistas vai ser, também para eles, um problema.

HN – Mas em 1979 tínhamos médicos em quantidade. Como se explica?
VR – Nos anos 70 foram “produzidos” milhares de médicos, muitos dos quais destinados às forças armadas nas várias frentes da guerra de África e para assegurar assistência médica no vasto império colonial. Com o 25 de abril de 1974, esses médicos foram desmobilizados. Com a descolonização muitos médicos que viviam nas colónias regressaram a Portugal. Nas faculdades de medicina havia milhares de estudantes. Falava-se em “pletora médica”. Em 1975 foi criado o serviço médico à periferia, que viria a ser o sustentáculo do próprio SNS. As carreiras médicas no SNS, que podiam ter sido concretizadas logo em 1979, só o foram em 1982. Os médicos recém-formados tiveram que esperar vários anos antes que pudessem aceder aos internatos das especialidades. Foi o tempo dos P1, P2, P3… até P6.

HN – E quanto aos restantes profissionais, por exemplo os enfermeiros?
VR – Pese a imigração de muitos profissionais, continuamos a ter no país um número suficiente de enfermeiros, embora não no SNS. Neste caso, a solução passa por medidas políticas. Por exemplo, a valorização do papel do Enfermeiro de família nas unidades de cuidados de saúde primários.

HN – O problema é que quando algum grupo profissional pisa terreno alheio “Aqui-d’el-rei” que vão morrer doentes. Veja-se o caso dos enfermeiros de Saúde Materna e Obstétrica.
VR – Nos Cuidados de Saúde Primários, a figura e o papel de Enfermeiro de família é já uma realidade, que deve ser expandida e reforçada. Esta perspetiva já vem do tempo da Dra. Maria de Belém Roseira; dos “projetos Alfa” dos anos 1996/1997. Na altura, o propósito foi o de começar a superar a organização burocrática dos centros de saúde de “segunda geração”, organizados por silos corporativos, e criar equipas multiprofissionais de saúde da pessoa e da família. E os profissionais em equipa, com confiança, fazem cada um o que sabe fazer melhor. Os elementos da equipa apoiam-se mutuamente para prestar cuidados com a máxima qualidade possível. Por exemplo, a maior parte dos cuidados preventivos protocolados e padronizados, não são necessariamente trabalho médico. Porém, devem dever feitos em equipas de saúde da família que disponham de apoio médico próximo, para esclarecer e/ou resolver qualquer inconformidade ou alteração detetada. Por exemplo, se o enfermeiro de família, na sua avaliação de saúde e de necessidades de saúde detetar que alguma coisa não está bem, ativa a intervenção do médico.

HN – Para agravar a situação tivemos a pandemia por Covid 19.
VR – A pandemia foi um teste de stress. A todos os sistemas, bismarckianos, beveridgianos e outros. Foi um teste global.

HN – O modelo Beveridgiano – cujo melhor exemplo é o do Reino Unido – que nós procurámos replicar em Portugal – ressentiu-se.
VR – Todos se ressentiram. É preciso notar que antes de ser beveridgiano o modelo britânico era bismarckiano. Com a “razia” da Segunda Grande Guerra, as infraestruturas foram destruídas. Teve que reconstruir-se tudo de novo. Ora, os sistemas bismarckianos pressupõem a existência de prestadores privados bem organizados, com recursos adequados. O Reino Unido foi fortemente devastado pelos bombardeamentos. A maior parte das infraestruturas de saúde deixou de existir. Foi então que em 1945, após a publicação do relatório de William Beveridge em 1942, se decidiu que o sistema deveria ser financiado com os impostos de toda a população e já não através de um sistema de seguros de doença. Restaram os pequenos consultórios de médicos de família. Estes consultórios passaram a estar ligados ao National Health Service (NHS) através de contratos de prestação de serviços (Independent Contracts). Na sua maior parte, continuaram, até hoje, a ser pequenas empresas privadas. Isto é, os consultórios pertencem aos médicos, que suportam todos os custos de funcionamento, incluindo pessoal (rececionista, enfermeiros, e até outros médicos por eles contratados). Começaram a juntar-se dois, três ou mais, em Group Practices. São prestadores privados que celebram um contrato com o NHS para prestarem um conjunto específico de cuidados à população.
Já os hospitais tiveram que ser reconstruídos na sua maior parte ou edificados de novo. Foi um esforço de todos para todos. O NHS foi “inaugurado” em 1948, um ano que também ficou marcado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela entrada em funcionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS).
HN – E em Portugal?

VR – Em Portugal os hospitais universitários de Santa Maria (Lisboa) e o de São João (Porto) foram inaugurados na década de 50. No resto do país havia velhos edifícios sem equipamentos adequados e a maior parte dependentes das Misericórdias. Os pequenos consultórios estavam concentrados em Lisboa, Porto e Coimbra. O Estado Novo teve que “montar” os serviços médicos das Caixas de Previdência, que eram serviços públicos. Construiu ou alugou casas onde instalou consultórios médicos e pagava à hora aos médicos que aí trabalhavam. Fez o que lhe parecia possível naquela época, tendo em conta os escassos médicos disponíveis. O Relatório das Carreiras Médicas, publicado em 1961, evidenciou bem a má situação existente e perspetivou o que seria um sistema de saúde decente para servir toda a população. Depois do 25 de abril de 1974 veio o movimento para criar um serviço nacional de saúde. Este, já constava no Programa do Movimento das Forças Armadas que depôs o regime ditatorial. Existia então uma rede de mais de 300 centros de saúde, criados a partir de 1971, mais de 2000 postos dos serviços médico-sociais das Caixas de Previdência, distribuídos por todo o país. Por outro lado, haviam sido recentemente construídos ou estavam em construção diversos hospitais distritais. Tudo infraestruturas públicas. O fim da guerra em África e o colapso do império colonial, com a independência dos novos países, permitiu ao país dispor de um considerável contingente de jovens médicos. Os tais que permitiram assegurar o Serviço Médico à Periferia de 1975 a 1983, como já referido. Foram estes médicos que sustentaram o desenvolvimento do SNS e asseguraram o seu funcionamento até hoje. Estão a aposentar-se.
A “Lei Arnaut”, de 1979, enquadrou o que então existia e permitiu os desenvolvimentos das décadas seguintes. Porém, sempre ao sabor das inflexões pendulares de ciclos políticos curtos ou ultracurtos. Todos, em maior ou menor grau, deram contributos positivos para o SNS. Quer do lado da ideologia político-económica mais favorável à missão social de proteção e promoção solidária da saúde através de serviços públicos, quer do lado da ideologia mais favorável ao mercado da saúde. Mas com ziguezagues, com muitas descontinuidades, contradições e alguns retrocessos, com frequente desperdício de esforços e de outros recursos.

Entrevista de Miguel Múrias Mauritti

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