Xavier Barreto: Resultados do Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar “não são muito satisfatórios”

17 de Novembro 2023

Xavier Barreto disse hoje ao HealthNews que a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) está sobretudo preocupada com o facto de os hospitais continuarem sem medir o impacto dos medicamentos inovadores. Os resultados do Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar “não são muito satisfatórios”.

“De uma forma geral, o que os resultados nos indicam é que temos uma deterioração do índice global de acesso ao medicamento, muito por conta das ruturas, que se mantêm e que se têm agravado, mas, mais do que isso, por conta de os hospitais continuaram a não medir o impacto dos medicamentos inovadores. As ruturas preocupam-nos, mas, apesar de tudo, são resolvidas pelos hospitais, com recurso a empréstimos ou, eventualmente, alternativas terapêuticas. De facto, aquilo que mais nos preocupa é o facto de os hospitais continuarem a não medir o impacto na qualidade de vida dos seus doentes e, até, com dados reportados pelos doentes, o impacto destas novas terapêuticas”, alerta Xavier Barreto.

“O facto de não fazerem esta medição constitui um obstáculo quer para comprarmos de uma forma inovadora baseada em resultados, como até para conseguirmos destrinçar aquilo é a verdadeira inovação daquilo que não é inovação, no sentido em que não acrescenta qualidade de vida, não faz a diferença para os nossos doentes. E, portanto, eu diria que aquilo que mais se destaca nos resultados deste Índex, que, como lhe disse, não são muito satisfatórios, é esta não medicação de resultados por parte dos hospitais, nomeadamente para estes novos fármacos”, conclui o presidente da APAH, que falou ao HealthNews à margem do evento para apresentação dos dados, esta sexta-feira, na Fundação Oriente, em Lisboa.

Do lado da AstraZeneca, o presidente em Portugal, Sérgio Alves, destacou, em conversa com o HealthNews, “o facto de estarmos a falar de uma percentagem de instituições significativa a participar e a trazer os seus próprios dados ou as suas próprias preocupações de diferentes valências” – 75% das instituições hospitalares do SNS de Portugal continental. Sérgio Alves realçou o papel da AstraZeneca enquanto “facilitadora dessa discussão”. E prosseguiu: “O que destaco enquanto papel fundamental da indústria é a garantia, em primeiro lugar, dessa disponibilização atempada do medicamento e da discussão, (…) garantir que há um acesso generalizado no nosso país e em boa concorrência, diria eu, com os outros Estados-membros.” A companhia preocupa-se, “acima de tudo”, com o acesso atempado e equitativo: “O nosso compromisso enquanto AstraZeneca – eu diria enquanto indústria inovadora – é continuar a gerar essa discussão e essa busca desse compromisso com as nossas autoridades.”

Na Europa, “há uma prioridade clara aliada a esta reforma da legislação farmacêutica”. “É muito importante. Há mais de 20 anos que não se faz esta reforma tão profunda, e daí ser muito importante encontrar soluções para um conjunto de problemas que temos neste momento na Europa, nomeadamente quando olhamos para a perda de competitividade europeia em relação a outras áreas do globo, nomeadamente Estados Unidos, Japão ou a própria China, no que que diz respeito à inovação, no que diz respeito à investigação”, comentou o presidente da AstraZeneca Portugal.

“Estamos claramente a perder competitividade, há um alerta grande nesse sentido. E, por outro lado, sentimos também um certo desequilíbrio na forma como olhamos para o acesso atempado à inovação dentro da própria Europa. Perante estas duas realidades, é fundamental termos aqui uma busca de um equilíbrio – sempre precário, sempre difícil, compreendemos – entre como, por um lado, garantir que há um acesso cada vez mais equitativo em todos os países, e que Portugal ganha com esse acesso mais equitativo, porque estamos na cauda da Europa no que diz respeito ao tempo de acesso à inovação, enquanto, ao mesmo tempo, garantimos que a Europa se mantém competitiva na inovação, se mantém competitiva na atração de inovação para o nosso espaço europeu. (…) A discussão está a ser feita neste momento. Há várias etapas ainda que têm que ser cumpridas dentro da esfera europeia, e nós estamos muito ativos nessa discussão, querendo contribuir para encontrar esse equilíbrio”, explicou Sérgio Alves.

As principais conclusões do Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar, apresentadas hoje por Ana Margarida Advinha, da Universidade de Évora, na 15.ª edição do Fórum do Medicamento – uma iniciativa da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), com o apoio da AstraZeneca –, são: é importante monitorizar os indicadores de saúde, de forma a avaliar as tendências temporais do acesso ao medicamento a nível nacional; a adesão dos hospitais tem vindo a aumentar; a maioria das instituições hospitalares utiliza medicamentos antes da decisão de financiamento, garantindo, na globalidade, o acesso à inovação terapêutica; a monitorização dos resultados das novas terapêuticas apenas é realizado em 33% dos casos; no caso de medicamentos em que o financiamento se baseia em mecanismos de partilha de risco, 72% já monitoriza esses resultados; a maioria das instituições (67%) possui programas de dispensa de medicamentos de proximidade, sendo que em 50% dos casos o medicamente é entregue via farmácia comunitária; o número de instituições com consulta farmacêutica aumentou substancialmente (39% vs 27%); a carga administrativa continua a ser identificada como sendo a grande barreira no processo de aquisição dos novos medicamentos; em 94% das respostas, as ruturas ainda são identificadas como um problema grave.

Feitas as contas, o Índex Global de Acesso ao Medicamento relativo a 2022 é de 58% – tem vindo a baixar desde 2018.

Francisco Ramos, chairman e professor da Escola Nacional de Saúde Pública, criticou o “sensacionalismo das ruturas”. “As ruturas foi um tema que, na minha opinião, foi introduzido na opinião pública nomeadamente para justificar aumentos de preços dos medicamentos. (…) Na minha opinião, a questão das ruturas é uma questão do dia a dia, ou seja, é uma questão de gestão. (…) Acho que é claramente um falso problema”, afirmou.

O verdadeiro problema é “a participação dos hospitais na questão da avaliação daquilo que é feito e a preocupação com a avaliação do impacto dos medicamentos”. Francisco Ramos advertiu que, entre outros requisitos, “um medicamento só pode ser usado se houver um sistema de informação que forneça os dados”. Ou seja, “o medicamento não é usado em hospitais que não tenham um sistema de informação adequado para se obter a informação que se entende como necessária para ser utilizado o medicamento”.

Para além das “questões operacionais”, “o que está em causa é mesmo a avaliação das práticas de cada hospital, a avaliação da qualidade da prescrição”. “Ou seja, não vale a pena dizer que basta pôr os sistemas a falar uns com os outros. Nós temos uma tradição em Portugal de não avaliar o que fazemos.” Francisco Ramos sugeriu que “valia a pena separar os dois níveis: a informação que cada hospital precisa de ter para a sua prática clínica (…) e a informação que a entidade gestora do medicamento, o Infarmed, precisa de ter”.

Para terminar, duas recomendações para o Índex do próximo ano por Francisco Ramos: envolver hospitais privados e ter em conta o volume dos hospitais. “Não é a mesma coisa a consequência daquilo que se passa no IPO de Lisboa, no IPO do Porto, ou no São João, ou no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra do que num hospital com um volume mais reduzido”, sustentou.

Segundo Xavier Barreto, a APAH tem o papel de “capacitar os administradores hospitalares para serem elementos transformadores desta realidade”. A associação está a organizar três cursos, em Coimbra, Lisboa e Porto, “precisamente na área do valor em saúde”. “Teremos uma formadora internacional que estará com os nossos colegas, administradores hospitalares, um dia inteiro, percebendo o que é o valor em saúde e como é que podemos criar programas de medição de valor em saúde, precisamente para ajudarmos os nossos colegas, estando mais capacitados, a poderem ser agentes transformadores desta realidade nos hospitais”, contou Xavier Barreto.

HN/RA

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