A FNAM frisa que não há falta de médicos em Portugal, “mas faltam médicos no SNS, onde 1.7 milhões de utentes continuam sem médico de família, temos consultas hospitalares e cirurgias atrasadas e também faltam médicos de saúde pública. O panorama é mais deficitário nos serviços de urgência (SU), mas sabemos que há falta de médicos de norte a sul do país e apontamos alguns dos exemplos mais dramáticos.”
O primeiro exemplo enumerado pela FNAM é o Hospital de Mirandela: está sem médicos de Cirurgia Geral desde outubro de 2023, pois foram deslocalizados para Bragança, deixando a população local sem resposta a patologia cirúrgica que necessite de observação em SU.
No Hospital de Santo António, no Porto, continua a FNAM, o SU externo, no período noturno, está entregue a médicos internos e médicos prestadores de serviços, sem médico especialista de Medicina Interna alocado em presença física a esse espaço de forma permanente.
No Hospital de Viseu, a FNAM destaca que o SU de Pediatria tem encerrado durante algumas noites desde o fim de semana de 24 e 25 de fevereiro, por falta de médicos, sem ser capaz de garantir assistência às crianças da região.
Em Leiria, os médicos de Medicina Interna entregaram declarações de declinação de responsabilidade funcional desde fevereiro, por manterem equipas desfalcadas, ficando os doentes entregues sobretudo a médicos internos de especialidade e de formação geral, ainda sem autonomia para prescrever medicamentos ou assinar altas médicas. Neste SU, há dias em que a Medicina Interna tem a cargo uma centena de doentes, em que um terço fica sem avaliação médica durante 12 horas, e vários com mais de 24 horas. Além disso, os internistas ficam responsáveis cumulativamente pela urgência interna, pela Via Verde do AVC e pelo transporte inter-hospitalar para a ULS de Coimbra, de doentes que precisem de fibrinólise, ficando a equipa ainda mais desfalcada. Ainda segundo a FNAM, não foi tomada qualquer medida para reforçar as equipas.
Prosseguindo com o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, a FNAM recorda que assistimos a manifestações de utentes por falta de médicos de família e hospitalares. Os médicos também estão a entregar declarações de declinação de responsabilidade funcional por considerarem que não têm as condições de segurança necessárias para a avaliação de doentes. As equipas de Medicina Interna estão desfalcadas, com apenas dois especialistas durante o dia e um médico prestador de serviço para as 12h noturnas seguintes. Chegam a estar mais de 70 doentes internados no SU a aguardar vaga em enfermaria, e há dias em que depois das 20h há mais de 200 doentes em circulação, onde doentes urgentes com gravidade moderada podem ter que esperar 9 horas. Na Pediatria, na subespecialidade de Neonatologia, não há médicos suficientes para assegurar o bloco de partos, cuidados intensivos neonatais e o berçário, de acordo com os requisitos mínimos de segurança definidos pela Ordem dos Médicos.
No caso do Hospital do Barreiro, o encerramento sistemático do serviço de Cardiologia por falta de médicos também deixa a população sem resposta, o que motivou uma manifestação de utentes no passado dia 2 de março, e foram ainda apontadas insuficiências no serviço de Ginecologia-Obstetrícia.
No Hospital de Cascais, a única parceria público-privada no SNS, e que vai aumentar a sua área de influência em 130 mil habitantes, mas não tem previsto reter mais recursos humanos, refere a FNAM, os médicos de Medicina Interna fizeram uma carta aberta onde anunciaram a entrega de declarações de declinação de responsabilidade funcional por não estarem garantidos os melhores cuidados aos doentes com patologia de foro neurológico, por falta de médicos neurologistas. Há ainda falta de médicos de Urologia, Gastroenterologia, Cardiologia, Pediatria e Radiologia.
Por último, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, 8 médicos especialistas de Ginecologia-Obstetrícia, dedicados à Obstetrícia desde 2023, rescindiram contrato motivados por uma degradação das condições laborais e assistenciais. Neste hospital, deixou de existir internamento de grávidas de risco, bem como qualquer internamento de enfermaria de Obstetrícia, seja por doença obstétrica, necessidade de indução do parto ou interrupção médica da gravidez. Também deixou de existir enfermaria de pós-parto/puerpério. A consulta de Medicina Materno-Fetal para grávidas com gravidez de risco deixou de funcionar em áreas dedicadas, sendo agora assegurada por uma única obstetra e internos. A ecografia já só conta com 2 especialistas, receando-se que mais profissionais possam sair durante o próximo ano. A FNAM diz que assistimos em poucos meses ao declínio técnico-científico de um dos maiores serviços de obstetrícia do país e que era uma referência nacional e internacional.
“Este é o retrato do legado do Ministério da Saúde de Manuel Pizarro, que sairá do MS com um SNS depauperado de médicos e com serviços encerrados, por falta de competência e vontade política em melhorar as condições de trabalho e remuneração dos médicos, ao longo dos 36 meses de reuniões negociais infrutíferas. Este Governo, que agora cessa, desperdiçou uma oportunidade para celebrar um acordo que poderia ter sido histórico e capaz de reverter a deterioração do SNS.
Exigimos ao próximo Ministério da Saúde, qualquer que ele seja, uma negociação com carácter de urgência de forma a que, com seriedade e competência, possamos valorizar a carreira médica, recuperar o SNS, acessível, universal e de qualidade para toda a população”, remata a FNAM.
PR/HN
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