Garcia Pereira defende incitamento ao ódio como crime público

16 de Junho 2024

O advogado António Garcia Pereira considera que deve ser público o crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, para apoiar as vítimas a avançarem com ações judiciais.

“Eu não sou propriamente muito adepto do reforço de incriminações penais”, mas “acho que, naqueles casos em que a situação das vítimas é particularmente indefesa”, é necessário que o enquadramento legal mude, afirmou à Lusa Garcia Pereira.

O advogado foi o responsável pelo caso que levou à condenação, em primeira instância do militante neonazi Mário Machado a dois anos e 10 meses de prisão efetiva por incitamento ao ódio e à violência contra mulheres de esquerda em publicações nas redes sociais.

Em causa estavam mensagens publicadas no então Twitter atribuídas a Mário Machado e Ricardo Pais em que estes apelavam para a “prostituição forçada” das mulheres dos partidos de esquerda, e que visaram em particular a professora e dirigente do Movimento Alternativa Socialista (MAS) Renata Cambra.

Neste tipo de casos, “para que a ação penal se possa desenvolver, é necessário um impulso processual que muitas vezes a vítima não está em condições de exercer e depois de manter” nos tribunais, afirmou o advogado, comparando a violação com o crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência.

“Muitas vezes as vítimas de violação não apresentam queixa-crime e, portanto, o número de processos ou o número de queixas é uma pequena minoria relativamente à grande maioria dos casos, deixando impunes os autores dos crimes mais infames”, explicou.

No caso dos “crimes de ódio, sobretudo quando são proferidos por quem já mostrou ter capacidade de organização e de prática de atos violentos, de agressão e de intimidação”, deveria “ser ponderada seriamente a hipótese do crime ser público”, disse o jurista à Lusa, por ocasião do Dia Internacional de Combate ao Discurso de Ódio, que se comemora na terça-feira.

Várias ONG, entre as quais o SOS Racismo, estão a promover uma iniciativa para transformar a discriminação e incitamento ao ódio e à violência em crime público, sem necessitar de uma queixa inicial.

No caso que moveu contra Mário Machado, em representação de Renata Cambra, esse problema não se colocou, mas existem “outros casos em que as vítimas se sentem coagidas, se sentem amedrontadas por aquilo que possa ser feito pelos autores desse tipo de ilícitos e acabam por não desencadear um procedimento criminal”.

Contudo, o advogado admite que esta alteração legal tem o risco de poder ser visto como “tentativas de silenciamento daquilo que não são mais do que vozes discordantes”, relacionadas com “diferenças de opinião”.

E deu o exemplo recente de quem critica a política de combate à pandemia da Covid-19 ou a Ucrânia na guerra com a Rússia, “apelidados de tudo” pelo “pensamento dominante” da sociedade.

“Aí nós não estamos a falar em nada de crime de ódio, mas era assim que era apresentado”, salientou Garcia Pereira, que se mostrou também contra uma “jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” que permite às “pessoas publicamente expostas que possa dizer tudo e mais alguma coisa” em nome da liberdade de expressão.

O advogado sustentou que Portugal tem “uma justiça cara e que é frequentemente lenta e ineficaz”, contribuindo tudo isto para que “as vítimas se sintam desencorajadas de mover um processo-crime”, mesmo que, no caso do incitamento ao ódio, a “moldura penal seja pesada” no Código Penal.

No entanto, salientou, “a pena efetivamente aplicada não é suficientemente dura para significar um aviso sério ou um fator de dissuasão”.

Segundo o Código Penal, “quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação”, “difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo, orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica” ou “incitar à violência ou ao ódio” contra este tipo de vítimas incorre numa pena de prisão de seis meses a cinco anos.

LUSA/HN

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