A recomendação, aprovada por maioria, surge depois de, em 08 de julho, o Bloco de Esquerda (BE) ter apresentado um projeto de lei para a prorrogação do prazo para a utilização de gâmetas e embriões, até sete e dez anos, respetivamente, resultantes de doações anónimas, tendo invocado falta de dádivas.
De acordo com uma norma transitória, em vigor desde 01 de agosto de 2019, os gâmetas (óvulos e espermatozoides) e os embriões excedentários que foram doados antes de 07 de maio de 2018 têm de ser destruídos no prazo de três e cinco anos, respetivamente, caso o dador não tenha autorizado o levantamento do anonimato “durante os períodos de tempo estipulados”.
O prazo para a destruição de gâmetas doados sob anonimato, e não utilizados, terminou em 2022, expirando em agosto próximo para os embriões.
Mesmo antes da iniciativa do BE, a Associação Portuguesa de Fertilidade (APF) lançou, em junho, a petição pública “Pela não destruição dos embriões doados sob o regime de anonimato”, solicitando que o parlamento aprovasse nova legislação, com entrada em vigor até 31 de julho, que dilatasse os prazos para a utilização de embriões e gâmetas doados sob anonimato, respetivamente para dez e cinco anos.
Segundo o CNECV, órgão consultivo do parlamento, “parece estar em causa” nas iniciativas do BE e da APF “uma questão contabilística, supostamente potencializadora de (e potencializada por) um mais amplo acesso à Procriação Medicamente Assistida [PMA] por quem o deseje, mas que não pretende impedir a eliminação de embriões ou gâmetas, apenas altera os prazos, e negligencia questões substantivas como sejam a da diferente natureza (biológica e ontológica) e dignidade (ética) dos gâmetas e embriões”.
Na recomendação, datada de quarta-feira e hoje divulgada, o CNECV defende que os embriões sobrantes, “ou seja sem projeto parental”, se “possam manter criopreservados, de acordo com a melhor prática clínica”, não obstante aconselhar “todas as partes envolvidas nas tecnologias reprodutivas, e especificamente na fertilização ‘in vitro’ ou na microinjeção intracitoplasmática de espermatozoide”, a empenharem-se “na máxima redução da criação de embriões sobrantes”.
“Inclusivamente apreciando a possibilidade de criopreservação de ovócitos (pré-fertilização) ou durante o processo de singamia (pós-fertilização) prévia à constituição do embrião, sem deixar de atender à proteção da saúde das mulheres que desejem ser mães e ao sucesso das técnicas”, assinala o CNECV.
Os embriões sobrantes ou excedentários, que não chegam a ser implantados no útero da mulher após técnicas reprodutivas como a fertilização ‘in vitro’, podem, ao abrigo da lei, ser doados, utilizados em investigação científica ou destruídos.
Para o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, “qualquer iniciativa legislativa que se pronuncie sobre o destino a dar a embriões e gâmetas que, justificadamente, não possam mais vir a ser utilizados” deve explicitar “a diferença biológica e ontológica entre ambos, em que se fundamenta o diferente tratamento a dar-lhes”.
Isto é, “a decisão de destruição do material biológico que os gâmetas são decorrerá da gestão dos ‘stocks’ existentes em função da procura efetiva; a decisão de destruição de embriões, como expressão inicial da vida humana, deverá ser sempre de último recurso, ponderadas as alternativas e envolvendo ativamente os progenitores no processo, não podendo ser reduzida a um mero processo técnico-administrativo”.
O CNECV considera que o Estado deve investir “efetiva e eficazmente nos serviços de apoio à reprodução humana”, incluindo o Banco Público de Gâmetas, centros de atendimento e pessoal especializado, para “garantir o acesso atempado” à PMA.
O órgão recomenda, ainda, a divulgação pelas entidades competentes do número de gâmetas e embriões preservados e destruídos à luz do regime transitório, de 2019, mas também o número de gâmetas e embriões disponíveis no Serviço Nacional de Saúde, bem como o número de pessoas em lista de espera, para efeitos do “cabal conhecimento da realidade nacional em matéria de Procriação Medicamente Assistida” e para “a qualificação de futuras iniciativas legislativas e políticas públicas”.
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