Carla Sousa/Dengue: Autoridades de saúde “estão a fazer tudo o que lhes compete” e “cidadãos podem participar”

08/05/2024
Nesta entrevista, Carla Sousa, entomologista do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, fala sobre a dengue em vários pontos do globo e explica como podemos proteger-nos e, até, ajudar a vigiar os mosquitos no nosso território.

Em Portugal, “temos três situações muito diferentes a nível de risco” de dengue. Temos a “situação da Madeira, onde já ocorreu um surto de dengue e que, claramente, tem um nível de risco acrescido quando comparada com Portugal continental, que por seu lado apresenta níveis de risco diferentes de acordo com a região. E, finalmente, numa situação claramente distinta está o arquipélago dos Açores, onde ainda não temos registo da presença de nenhuma espécie vetora de dengue”, esclarece Carla Sousa.

HealthNews (HN) – Quais são os vetores da dengue e como estão distribuídos?

Carla Sousa (CS) – A temática aqui é a dengue embora haja outras doenças cujos agentes patogénicos são transmitidos pelos mesmos vetores e, portanto, estamos aqui a falar da dengue, mas também estamos a falar da febre-amarela, Zika e chikungunya. São todas arboviroses. O termo vem do inglês “arthropod-borne virus”, que vulgarmente traduzimos para doenças transmitidas por artrópodes. Este conjunto, a que se junta por exemplo Mayaro, são patologias provocadas por vírus em que a transmissão é veiculada por um artrópode, nomeadamente espécies de mosquitos. Há aqui uma exceção: Zika também pode ser transmitida por via sexual e verticalmente, entre a mãe infetada e o feto. As outras transmitem-se exclusivamente pela picada de um mosquito. Assim, para que ocorra um surto ou uma epidemia de um destes tipos de doença, temos de ter sempre três atores: o agente patogénico (vírus); uma população humana que seja suscetível a esse agente patogénico, ou seja, que, quando infetada, muito provavelmente poderá desenvolver infeção (cuidado que infeção não quer dizer doença; por vezes as pessoas estão infetadas, mas não estão doentes; são os casos assintomáticos); e temos que ter a presença de um vetor, ou seja, o mosquito. Numa região onde não existe uma espécie de mosquito capaz de fazer esta transmissão, entre uma pessoa que está infetada e infetante para a população de mosquito e uma pessoa suscetível, poderão ocorrer casos importados, em que as pessoas já vêm infetadas de outras regiões, mas não existe a possibilidade de ocorrerem casos autóctones, ou seja, que são transmitidos pela população local desses mosquitos.

Relativamente às espécies de vetores mais comumente envolvidas na transmissão destas doenças, a mais eficiente é Aedes aegypti. Isto porque esta espécie apresenta elevada competência vetora e, também, uma elevada capacidade vetorial. Mas também temos outro vetor muito competente que é Aedes albopictus. Porque é que isso nos pode preocupar a nível nacional? Primeiro porque Aedes aegypti, que até já existiu na região de Lisboa em meados do século passado – os últimos registos datam de 1952, neste momento não se regista a sua presença em território continental –, foi introduzido na ilha da Madeira cerca de 2005 e, em 2012, foi responsável pela transmissão de vírus da dengue que deu origem a um surto com alguma dimensão. A nível de Portugal continental, temos a presença de Aedes albopictus, que foi detetado, no verão de 2017, numa fábrica de pneus em Penafiel e num complexo turístico no Algarve. Desde então, como tem acontecido noutros países, esta espécie tem-se disseminado pelo nosso território continental, tal como aconteceu com Aedes aegypti na ilha da Madeira. Neste momento, já existem registos de Aedes albopictus na região alentejana, continuamos com a sua presença no Algarve, onde houve um aumento da sua área de distribuição, mantém-se em Penafiel e, em outubro passado, foi registado na região de Lisboa. Assim, e voltando ao risco de ocorrência de surtos de doença, os casos importados são registados e são importantes para a vigilância epidemiológica, mas só têm peso nesta avaliação de risco quando ocorrem numa região onde sabemos que existem estas espécies capazes de transmitir o agente patogénico. Claro que todos os anos chegam a Portugal casos de dengue, chikungunya e Zika devido a turistas que vão passar férias a zonas endémicas ou por fluxos migratórios. Temos, por exemplo, um fluxo migratório de e para o Brasil. O Brasil, neste momento, ainda está a sofrer uma epidemia de dengue bastante considerável e, no passado recente, registou epidemias de Zika e chikungunya. Portanto, os casos importados são importantes, claro, e daí a necessidade de haver uma vigilância epidemiológica bastante detalhada e sensível, mas os casos importados tornam-se muito relevantes do ponto de vista epidemiológico quando as pessoas infetadas começam a chegar a regiões onde sabemos que existem mosquitos capazes de transmitir esse agente patogénico e, deste modo, darem origem a casos autóctones.

Concluindo, estamos aqui a falar de duas situações diferentes: na Madeira, no surto de 2012, houve mais de 1800 autóctones confirmados, ou seja, de pessoas que contraíram dengue, mas que não tinham viajado para regiões endémicas; em Lisboa, e tanto quanto sabemos, só há registo de casos importados, cujo número tem vindo a aumentar no último mês por causa da situação que ocorre atualmente no Brasil, mas nunca houve o registo de casos autóctones.

HN – Ou seja, em Portugal continental ainda não temos registo de casos autóctones.

CS – Não, e na Madeira não houve registo de casos autóctones depois do surto de 2012.

HN – Em relação ao Brasil, o que é que poderá ter acontecido para que este ano houvesse uma explosão de casos?

CS – O que aconteceu é que já havia um surto a decorrer antes do Carnaval. Ora, o Carnaval leva a uma grande deslocação de pessoas, quer do exterior para o Brasil, quer dentro do Brasil. Pessoas a circular quer dizer que há vírus a circular, e as regiões com os grandes carnavais são regiões onde se regista a presença de Aedes aegypti em elevadas densidades. Portanto, digamos que era previsível que a dimensão do surto do Brasil fosse aumentar a seguir ao Carnaval, sendo que antes já havia um número de casos autóctones relativamente preocupante. Dois instrumentos fundamentais para compreendermos e prevenirmos estes eventos são a vigilância epidemiológica, que nos diz quantos casos humanos temos e em que regiões, e a vigilância entomológica, que nos fornece dados sobre a localização e abundância dos vetores, parâmetro crucial na avaliação de risco deste tipo de doenças epidémicas. Assim, é muito importante conhecer as áreas onde o mosquito está presente ou não.

HN – Como foi a sua experiência enquanto consultora para as autoridades da Madeira, em 2012, no surto de dengue, e, em 2014, da OMS, durante o surto de dengue em Moçambique? Qual foi o seu papel, como viveu estas experiências, o que é que nos pode contar a nível de diferenças e curiosidades?

CS – São experiências completamente diferentes, até porque eu estive na Madeira desde o início do surto e no caso de Moçambique apenas acompanhei a fase terminal. Geralmente, os surtos têm um perfil em que aparece uma curva que começa a subir lentamente, depois pica, ou seja, sobe muito rapidamente, e depois começa a descer. Portanto, começa com uns casos esporádicos, os casos esporádicos começam a aumentar, entramos numa fase de alerta em que a progressão de casos por dia começa a aumentar, e depois temos o pico do surto. O que aconteceu que foi comum a ambos os países, mas muito mais precocemente detetado na Madeira do que em Moçambique, é que nós perdemos o período de casos esporádicos. Ou seja, quando nos apercebemos de que havia um surto a decorrer, já estávamos na fase de alerta, ou seja, na fase em que a progressão de casos diários é elevada. No caso de Moçambique ainda foi pior. O surto começou em Nampula e as autoridades de saúde da cidade não se aperceberam. Entretanto, houve deslocação de pessoas para Pemba e é exatamente em Pemba que são detetados os primeiros casos. Isto tudo para dizer que em Nampula até perderam a fase de alerta e o surto só foi identificado depois de Pemba. Isto demonstra a necessidade de existirem bons instrumentos de vigilância quer epidemiológica quer entomológica.

E isto é fácil de dizer em palavras, mas é difícil de efetivar. Do ponto de vista clínico, os sintomas são facilmente confundíveis até com síndromes gripais e muitas pessoas infetadas não têm sintomas de todo, e isso não as impede de serem infetantes para a população de mosquitos. Assim, é importante que os clínicos tenham alguma experiência no diagnóstico destes casos e que estejam conscientes de que estes podem ocorrer. Todos podemos ler num livro o conjunto de sintomas que habitualmente estão associados a estas doenças, mas se um clínico nunca viu um caso de dengue, terá mais dificuldade em identificá-lo do que um clínico que viu diariamente, durante parte da sua vida ou formação, casos de dengue. Foi exatamente isso que aconteceu em Nampula e Pemba. Em Pemba, o diretor clínico do hospital era um médico de origem cubana que estava muito familiarizado com casos de dengue e que, apesar de não ter acesso ao diagnóstico laboratorial confirmatório, conseguiu, do ponto vista clínico, distinguir casos de malária de casos de dengue. Se pensarmos na Madeira, os nossos médicos nunca tinham visto casos de dengue. Para tal, realizaram-se várias ações de formação nas quais também participaram médicos do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).

O meu papel está ligado à entomologia. Neste sentido, participo na identificação dos focos de transmissão e no aconselhamento sobre as medidas de controlo a implementar para a interrupção do surto. Como é que nós podemos controlar estas epidemias? É controlando a população do vetor, nomeadamente os adultos fêmeas, que efetuam alimentações sanguíneas e são as responsáveis pela transmissão do agente patogénico entre uma pessoa infetada e uma pessoa suscetível. Portanto, aqui o meu papel é ajudar na caracterização da parte entomológica e fornecer algum aconselhamento sobre metodologias de controlo. A Madeira teve uma grande capacidade de reação, até porque tinha um sistema de vigilância muito bem montado. À data, não tinha grandes capacidades de diagnóstico laboratorial para os casos suspeitos, mas neste momento já tem essa capacidade completamente instalada, que rapidamente adquiriu, mesmo durante o surto.

HN – Atualmente, qual é o trabalho do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT)?

CS – No que se refere à Madeira, a colaboração mantém-se, mas as autoridades de saúde já têm as equipas de prevenção e resposta formadas e capacitadas para atuar em caso de aumento de risco de emergência de um surto. A missão do IHMT engloba duas componentes muito importantes: tem a componente de investigação e a componente de formação. Atualmente, na Madeira, as capacidades humana e laboratorial necessárias estão completamente implementadas, mas, claro, ainda continuamos a fazer parte de grupos de trabalho em que se partilham experiências e tenta-se aprimorar os mecanismos já existentes. Continuamos também a colaborar com a Direção-Geral da Saúde, especialmente devido à expansão de Aedes albopictus no território continental. Esta espécie foi detetada em Lisboa através de um programa desenvolvido e implementado pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical, MosquitoWEB.pt, que tem mostrado ser uma mais-valia para a vigilância entomológica.

A vigilância entomológica, falando um bocadinho mais da minha área de atuação, é feita por processos ativos, como no caso do programa REVIVE. Este programa efetua colheitas de mosquitos e carraças mais ou menos por todo o território num determinado período do ano, aquele em que é mais expectável que estas espécies estejam ativas. Mas a vigilância ativa é um programa muito oneroso, porque obriga a ter armadilhas, outros equipamentos e pessoal que vá para o terreno colocar as referidas armadilhas e identifique os espécimenes capturados. Tal não é possível ser efetuado em todos os concelhos/freguesias de Portugal. Deste modo, o IHMT desenvolveu, já há alguns anos, um programa baseado em ciência cidadã, ao qual as pessoas podem aceder, num telemóvel ou num computador, em mosquitoweb.pt. O que é solicitado a todos é que sempre que vejam um mosquito tirem uma fotografia e a enviem, via MosquitoWEB.pt, para nós. A nossa equipa, através da fotografia, efetua a identificação da espécie em causa e verifica se estamos ou não perante uma espécie invasora, tal como Aedes aegypti e Aedes albopictus. Mesmo que seja uma espécie comum, autóctone, se o participante relata elevado grau de incomodidade por mosquitos, entramos em contacto e aconselhamos o participante sobre como é que se pode proteger contra a picada dos mosquitos ou, eventualmente, como eliminar o foco de origem destes mosquitos. Foi deste modo que detetámos a presença do mosquito em Lisboa. Através da participação dos cidadãos, não só registámos a ocorrência desta espécie pela primeira vez em Lisboa, como já estava presente em vários bairros de Lisboa. E, assim, deixo aqui um apelo à participação de todos, pois 10 milhões de cidadãos são de certeza mais eficientes do que qualquer programa de busca ativa, e o primeiro passo é sabermos onde ocorrem as espécies vetoras, para podermos intervir.

E intervir em que sentido? Primeiro, tentar impedir que espécies invasoras e transmissoras de agentes patogénicos humanos se instalem e, num segundo momento, que se dispersem a partir do local de introdução. Quando a população de mosquitos já se instalou numa dada região, é importante manter a sua densidade baixa. É reconhecido que são fatores importantes para o aparecimento de casos autóctones, e até mesmo para o aparecimento de um surto, áreas de elevada densidade populacional (e aqui estou a falar de população humana), áreas com elevada abundância do mosquito-vetor e áreas onde ocorra grande mobilidade de pessoas. E quanto mais apertada for a nossa rede de vigilância, maior é a nossa capacidade de deteção de eventos associados a risco de emergência de surtos e, correspondentemente, melhor será a nossa capacidade de intervenção. A vigilância obriga a dois tipos de atividades. A primeira, designada de monitorização, implica uma colaboração intersetorial, e na qual o IHMT colabora com o programa mosquitoWEB.pt através da identificação dos locais onde ocorrem as espécies vetoras. A segunda parte da vigilância está relacionada com controlo. Nesta vertente, o IHMT colabora no âmbito da investigação operacional, mas são as autoridades de saúde e os institutos ligados ao Ministério da Saúde que coordenam e apoiam a implementação das medidas de controlo.

No que se refere à investigação realizada no IHMT, em colaboração com diversas instituições portuguesas e estrangeiras, esta incide no estudo genético e bioecológico de espécies vetoras, no desenvolvimento e implementação de metodologias de controlo inovadoras e na avaliação de risco de diferentes regiões do globo à emergência de surtos arbovíricos, entre outras temáticas.

HN – Ou seja, em Portugal, temos de estar atentos e continuar a trabalhar, mas não há motivo para alarme?

CS – Eu diria que temos três situações muito diferentes a nível de risco. A Madeira está, claramente, num nível de risco superior, até porque Aedes aegypti é neste momento uma espécie bem instalada que se tem vindo a disseminar pelo arquipélago. Nos últimos anos, foi introduzida na ilha do Porto Santo e no norte da ilha da Madeira, uma área com menor adequabilidade de habitat quando comparada com a costa sul. Portanto, temos a situação da Madeira, onde já ocorreu um surto de dengue e que, claramente, tem um nível de risco acrescido quando comparada com Portugal continental, que por seu lado apresenta níveis de risco diferentes de acordo com a região. E, finalmente, numa situação claramente distinta está o arquipélago dos Açores, onde ainda não temos registo da presença de nenhuma espécie vetora de dengue. Assim, temos três cenários diferentes.

Mas isso não implica que as comunidades fiquem com medo ou em pânico, porque as autoridades de saúde estão a fazer tudo o que lhes compete, os cidadãos podem participar ajudando no mapeamento mais detalhado da presença das espécies transmissoras e a academia colabora participando na monitorização e prosseguindo com linhas de investigação translacional. A investigação translacional, por vezes também designada de operacional, tem como objetivo fornecer às autoridades de saúde informação relevante, novas ferramentas, diferentes estratégias para a prevenção, mas também para o controlo destas patologias. De notar que grande parte do território português ainda não regista a presença das espécies vetoras de dengue, mas as autoridades de saúde estão a acompanhar com particular atenção a evolução desta situação através de uma “task force” liderada pela Direção-Geral da Saúde.

HN – Em relação às alterações climáticas, quais são as implicações? Qual é a relação com estes vetores?

CS – Depende dos vetores. Estamos aqui a falar de dengue, chikungunya e Zika, em que as espécies vetoras apresentam características biológicas interessantes: os ovos sobrevivem vários meses completamente secos e estas espécies apresentam grande capacidade de explorar o ambiente humanizado (e não é só urbanizado). Assim, a sua dispersão está intimamente associada à nossa mobilidade, viajando na nossa companhia ao longo do globo. Aedes aegypti é originário da África Ocidental e Aedes albopictus do sudeste asiático. A espécie Aedes aegypti iniciou a sua dispersão no período dos Descobrimentos e, desde então, tem vindo a ser disseminada pelo mundo através da movimentação de tráfego marítimo. O principal fator responsável pelo recente aumento do número de casos e das regiões afetadas é o incremento observado na movimentação de mercadorias e pessoas. Os aspetos climáticos podem, no entanto, limitar a capacidade de colonização da espécie depois de introduzida: Aedes aegypti é uma espécie de distribuição cosmotropical porque não aguenta isotérmicas de inverno abaixo dos 10 graus; mas Aedes albopictus já tolera, e consegue sobreviver em regiões com temperaturas mínimas perto dos zero graus. Portanto, temos a globalização do mercado com principal impacto na disseminação dos vetores e a mobilidade das comunidades a promover a disseminação do agente patogénico. As alterações climáticas podem levar a um aumento global da área de adequabilidade climática para estas espécies vetoras e, assim, promover a sua dispersão a partir dos locais de introdução. As alterações climáticas têm realmente importância, mas não como primeiro fator associado ao aumento da área de distribuição destas espécies. No entanto, alteram o envelope climático onde estas espécies podem sobreviver, estando este a expandir-se em certas regiões e a regredir noutras.

HN – Que cuidados deve ter quem viaja para regiões endémicas?

CS – A minha primeira sugestão é comparecer a uma consulta do viajante, onde irá receber informações muito úteis para o contexto em causa. As espécies que fazem a transmissão destes arbovírus picam essencialmente durante o dia, quando estamos mais expostos, pois andamos na rua, não estamos dentro de uma habitação com ar condicionado ou debaixo de uma rede mosquiteira. Para prevenção deste tipo de patologias, o repelente é de uso obrigatório. Juntamente com o repelente, convém que as pessoas usem roupas muito leves, de tecidos respiráveis e, se possível, calças compridas, mangas compridas e sapatos fechados, para que não seja necessário aplicar repelente em grandes áreas de pele, sobre a qual o repelente se degrada rapidamente. A pessoa fica mais protegida se usar vestuário largo e claro. Estes mosquitos conseguem picar através de ganga desde que a calça seja justa à pele, por isso é mais eficiente usar vestuário fino, mas largo, e roupa clara porque estas espécies são mais atraídas por cores escuras do que por tons claros. Assim, a pessoa deve aplicar repelente sobre a roupa e na pele exposta.

Se o viajante ficar alojado em habitações com ar condicionado, este deverá ser utilizado pois certas espécies, como Aedes aegypti, são endofágicas, ou seja, efetuam as suas refeições sanguíneas no interior de habitações. Por regra, os mosquitos não têm apetência por ambientes refrigerados e em temperaturas mais baixas não têm uma atividade de picada tão profícua, procurando zonas mais quentes. Portanto, devemos manter as portas e as janelas fechadas, usar ar condicionado; se não, tentar dormir debaixo de uma rede mosquiteira para evitar as picadas residuais que poderão ser infligidas durante a noite – no caso da malária é mandatário pois os vetores são ativos no período noturno – e utilizar repelente.

HN – Até porque, infelizmente, ainda não temos tratamento para a dengue.

CS – Temos esse problema. Quando uma pessoa é infetada, só podem ocorrer dois desfechos, a autocura ou o falecimento do hospedeiro infetado. No entanto, para a dengue e para a febre-amarela existem vacinas, facto que reforça a sugestão de qualquer viajante que planeie uma deslocação para áreas endémicas ir a uma consulta do viajante. Este aspeto é ainda mais importante pois para certos países a entrada de viajantes só é permitida se estes estiverem vacinados para a febre amarela. Assim, temos que trabalhar na prevenção. No caso da malária, outra doença de transmissão vetorial, o cenário é diferente pois existem profilaxia e terapêuticas eficazes. Quando somos infetados com um arbovírus, ganhamos imunidade para o resto da vida a uma nova infeção por esse arbovírus. No entanto, para a dengue, que apresenta quatro serotipos, esta imunidade perene só ocorre para o serotipo com que fomos infetados. Em caso de ocorrer uma segunda infeção por um serotipo diferente, existe uma probabilidade acrescida desta nova infeção desenvolver sintomatologia mais severa. Tal como anteriormente mencionado, já existe uma vacina para a dengue, homologada e passível de ser administrada no nosso país; no entanto, esta apresenta ainda algumas limitações à sua aplicabilidade. Portanto, continua-se a trabalhar no desenvolvimento de vacinas não só para a dengue, mas também para as outras arboviroses. Até lá, a minha sugestão é que, sempre que estamos em áreas endémicas e epidémicas, devemos manter as nossas medidas de proteção individual atuando ao nível da prevenção, pois a prevenção funciona.

No entanto, a prevenção não se aplica apenas para aqueles que vão viajar. Estas espécies estão muito adaptadas ao ambiente humanizado. Quer Aedes albopictus, quer Aedes aegypti, usam como locais de criação os vasos de plantas que acumulam água nos pratinhos que se colocam por baixo destes, as jarras de flores, ou qualquer outro recipiente que acumule água, onde as fêmeas colocam os ovos. A eliminação ou limpeza semanal destes potenciais criadouros é uma atividade fundamental para diminuir a possibilidade de estabelecimento destas espécies e limitar o aumento da abundância destes vetores. Estas espécies apresentam variações sazonais com picos de abundância que habitualmente ocorrem entre agosto e setembro. Assim, é fundamental tentar perceber em que locais esta espécie está presente, não só em Lisboa, mas nas outras regiões do país. Portanto, o meu apelo aos cidadãos é que participem, não só removendo e eliminando os potenciais criadouros, mas também que documentem a presença destas espécies invasoras através da sua participação no MosquitoWEB.pt: tirem uma foto, façam a sua submissão na plataforma e, se quiserem receber informações sobre os espécimenes fotografados, deixem um contacto.

Entrevista de Rita Antunes

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